*Leonardo Garcia[1]
A educação dos jovens jogadores de futebol nas categorias de base no Brasil é um tema que exige atenção urgente, sobretudo considerando a importância do esporte como ferramenta de transformação social.
A negligência histórica dos clubes em relação à qualidade de ensino oferecida aos atletas expõe um problema estrutural que ultrapassa as fronteiras do futebol, refletindo a ausência de políticas públicas e privadas que conciliem o desenvolvimento esportivo com a formação educacional. Essa lacuna educacional compromete não apenas o futuro dos jogadores enquanto cidadãos, mas também a própria qualidade do futebol brasileiro, que, em tempos de alta competitividade global, demanda atletas mais bem preparados intelectual e tecnicamente.
No Brasil, a rotina das categorias de base costuma priorizar os treinos em horários escolares, como manhã ou tarde, obrigando os atletas a saírem mais cedo da escola e comprometendo seu aprendizado. Essa prática é incompatível com modelos bem-sucedidos como o europeu, onde clubes organizam os treinos de base, especialmente para jogadores abaixo dos 15 anos, no final da tarde ou à noite. Esse planejamento respeita o período escolar e reflete um compromisso com o desenvolvimento integral dos atletas.
Outro fator agravante no Brasil é o impacto das competições e viagens semanais na frequência escolar dos jovens atletas. Muitas vezes, esses deslocamentos resultam em faltas acumuladas que dificilmente são repostas, prejudicando ainda mais o desempenho acadêmico. Na Europa, por outro lado, clubes de base organizam as viagens em períodos de férias escolares, como nos torneios de verão, para minimizar o impacto na rotina educacional. Essa diferença evidencia um planejamento estratégico que reconhece a educação como um pilar tão importante quanto a formação esportiva.
A transição do sub-20 para o profissional no Brasil também expõe jovens atletas a riscos que poderiam ser mitigados por uma estrutura mais adequada. Diferentemente da Europa, onde categorias intermediárias como sub-23 e times B oferecem aos jogadores uma progressão mais gradual, no Brasil, a falta dessas divisões intensifica a pressão sobre os jovens.
Segundo estudos da FutDados, menos de 1% dos atletas que iniciam suas carreiras nas categorias de base alcançam o nível profissional de forma sustentável.[2] Esse dado reforça a necessidade de oferecer aos jogadores uma formação educacional sólida, que os prepare para a vida além do futebol, como ocorre nos Estados Unidos, onde esportes universitários garantem educação de qualidade para atletas, independentemente de sua continuidade no esporte.
Os clubes brasileiros precisam compreender que investir na educação dos jogadores não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas também um benefício para o próprio futebol. A formação intelectual desempenha um papel fundamental no futebol moderno, pois contribui para que os jogadores desenvolvam habilidades essenciais, como a interpretação de situações de jogo, a tomada rápida de decisões e a adaptação a diferentes sistemas táticos. Essas competências, cada vez mais exigidas no esporte de alto rendimento, estão diretamente relacionadas à capacidade de raciocínio e à bagagem educacional dos atletas, evidenciando a importância de uma preparação integral que vá além do aspecto físico e técnico.
Além disso, a formação em idiomas estrangeiros e disciplinas complementares potencializa o valor do atleta no mercado internacional, facilitando transferências e ampliando a receita dos clubes.
Um exemplo de boas práticas seria a implementação de um modelo que integrasse a formação esportiva à educacional por meio de parcerias com instituições de ensino renomadas. Esse tipo de abordagem priorizaria tanto o desenvolvimento técnico dos jovens atletas quanto sua formação educacional, oferecendo currículos completos que permitissem aos jogadores seguir carreiras fora do futebol, caso necessário. Modelos dessa natureza poderiam ser aplicados no Brasil, com a CBF liderando iniciativas para exigir que clubes formadores, especialmente os da Série A, estabeleçam parcerias com escolas privadas de qualidade reconhecida. Essas parcerias poderiam incluir plataformas de ensino híbrido, permitindo que os atletas repusessem aulas perdidas durante treinos e viagens, garantindo uma formação mais ampla e consistente.
A falta de investimento em educação acaba por transformar o futebol em um mecanismo excludente, que concentra oportunidades em poucos e deixa a maioria dos jovens sem perspectivas futuras. Uma política educacional robusta no futebol brasileiro poderia mitigar esse cenário, transformando o esporte em um vetor de inclusão social e mobilidade econômica.
Em interessante estudo envolvendo categorias de base em Belém do Pará, constatou-se que, embora a maioria dos jovens atletas esteja matriculada na escola, os índices de repetência (54,2%), atraso escolar (71,2%) e defasagem (45,7%) são alarmantes, evidenciando dificuldades na compatibilização entre treinos e estudos. Observou-se ainda que, à medida que os atletas se aproximam da profissionalização, a dedicação aos estudos diminui, resultando em maior frequência no ensino noturno, repetência e abandono escolar. O estudo conclui pela necessidade urgente de políticas que assegurem a compatibilidade entre a formação esportiva e a escolarização, de modo a evitar que o sonho no futebol camufle o insucesso educacional de muitos jovens.[3]
Portanto, é imprescindível que a CBF e os clubes assumam a responsabilidade de integrar a educação à formação esportiva, entendendo que o esporte não deve ser um fim em si mesmo, mas um meio para o desenvolvimento humano integral. Incentivos financeiros, certificações e exigências regulamentares poderiam ser implementados para garantir que os clubes brasileiros ofereçam educação de qualidade aos seus jovens atletas, transformando o futebol em um modelo de inclusão, cidadania e excelência.
O desafio é grande, mas as mudanças são necessárias para que o Brasil continue sendo referência no futebol mundial, não apenas pelos talentos esportivos, mas também pela formação de atletas que sejam cidadãos plenos e preparados para os desafios da vida.
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Leonardo Garcia – Procurador, palestrante, auditor do TJD/ES e professor.
[1] Procurador do Estado do Espírito Santo, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, Pós-graduado em Direito Desportivo e auditor do TJD/ES.
[2] Consulta< https://ge.globo.com/sc/especial-publicitario/cuju/a-jornada/noticia/2024/06/17/a-realizacao-do-sonho-como-jogadores-se-preparam-para-o-futebol-profissional.ghtml > Acesso em 29/11/2024
[3] ALMEIDA, Tobias Benjamin da Costa; SOUZA, Divaldo Martins de. ABANDONO DOS ESTUDOS: uma análise dos atletas de futebol em formação nas categorias de base de Belém/PA. Consulta em < https://paginas.uepa.br/ccbs/edfisica/files/2013.1/TOBIAS_ALMEIDA.pdf> Acesso em 29/11/2024.