Criada em 2015, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF tem por objetivo trazer às demandas jurídicas desportivas celeridade e especialidade. Dentre as atribuições previstas no Estatuto da CNRD, está a competência para julgar questões laborais envolvendo clubes (empregadores) e atletas (empregados).
Nesse ponto há um grande debate jurídico entre quem entende que direitos trabalhistas são indisponíveis e, portanto, somente podem ser julgados na Justiça do Trabalho e aqueles que defendem a autonomia da atividade desportiva e da vontade das partes.
Importante destacar que o sistema jusdesportivo de resolução de litígios é estruturado de forma que os envolvidos, ao aderirem ao sistema federativo, “abrem mão” do acesso ao Judiciário e passam a aceitar a legitimidade de formas privadas de solução de disputas previstas nos Estatutos e Regulamentos.
Assim, no caso em questão, tanto Fred quanto Cruzeiro e Atlético aceitaram espontaneamente a competência da CNRD para processar e julgar a questão envolvendo a rescisão do contrato de trabalho do atleta e sua transferência para o rival. No entanto, ao ser derrotado na CNRD, Fred foi ao Poder Judiciário e, por meio de liminar, suspendeu a demanda sob o fundamento de incompetência da Câmara da CBF para julgamento de questões trabalhistas.
Portanto, neste momento, o debate não gira em torno da existência ou não do débito, mas de quem pode julgá-lo.
A decisão da Justiça do Trabalho traz um duro golpe à CNRD e a todo o sistema federativo de solução de conflitos, eis que abre precedente para que todas as partes descontentes com as decisões desportivas levem ao Judiciário o embate. E tudo que FIFA, CBF e todo o sistema jusdesportivo não querem é a interferência estatal por meio do Poder Judiciário nas suas decisões, eis que isso trará imensa insegurança à estabilidade das competições e das instituições desportivas.
Os Estatutos da FIFA e da CBF preveem penas gravíssimas aos clubes que recorram ao Poder Judiciário. O Betim, por exemplo, em caso semelhante, foi rebaixado por ter questionado na Justiça comum decisão da FIFA e do Tribunal Arbitral do Esporte.
Assim, diante de todo o exposto, o “caso Fred” coloca a CBF em uma tremenda saia justa, pois, ao mesmo tempo em que a entidade precisa dar respaldo às decisões de seu órgão de resolução de disputas, é extremamente complicado, do ponto de vista político-diplomático, rebaixar um clube do tamanho do Cruzeiro por questões extracampo, eis que a equipe celeste, como devedora solidária, beneficiou-se da decisão.