Ando vencendo a desesperança. No início do mês a CBF organizou um grande evento para tratar do problema do preconceito no esporte. Na semana passada, a Brasil Futebol Expo também deu destaque a proteção de direitos humanos. A discussão avançou e entrou na pauta. Agora, é preciso agir.
No relatório sobre o preconceito no futebol, do Observatório do Racismo, escrevi um artigo sobre o papel que o direito precisa ter nesse processo. Diferentemente das outras ciências, ele tem força coercitiva. Ou seja, quando o movimento é legítimo, ele tem poder de fazer as pessoas agirem em conformidade com a regra, sob pena de serem punidas se não agirem. Agora, quando a regra não é aplicada, ela perde sua razão de ser.
É verdade que até pouco tempo atrás, o crime de preconceito sequer era punido na Justiça Comum e na Desportiva. Não tem sido mais assim. Ainda bem, estamos caminhando. Devagar, mas estamos.
Para trazer exemplos recentes. Em decisões históricas no STJD, o Brusque perdeu pontos na Série B por injúria racial de dirigente e o presidente do Fast Clube foi condenado a 120 dias de suspensão por misoginia.
O mesmo movimento se vê em decisões internacionais. A UEFA tem punido seleções por manifestações preconceituosas de torcedores. Federações Internacionais, como a inglesa, também têm condenado manifestações preconceituosas.
Quando a justiça desportiva age dessa forma, ela manda um recado: “não repitam o que aconteceu, ou vocês serão punidos. Esporte não se separa de Direitos Humanos”
Agora, a Justiça carrega a espada e a venda como símbolos. A espada é o símbolo da força coercitiva que o direito tem. A venda, o da imparcialidade. O que vale para um, vale para outro.
Aqui, uma reflexão que precisa ser feita.
O Grêmio ainda é o único grande clube punido de maneira rigorosa por preconceito. E foi por injúria racial.
A necessária proteção de Direitos Humanos e o combate ao preconceito não se restringe ao racismo, mas vale também para outras formas de discriminação, como a homofobia.
Vai ser fácil de entender.
Proteção Universal de Direitos Humanos
O processo de construção de uma política global de Direitos Humanos começa a ganhar força com a Revolução Francesa e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, que tinha como cerne princípios de liberdade e igualdade para os homens.
Mas foi depois das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e a consequente criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, que surgem órgãos e instâncias internacionais voltadas à proteção dos Direitos Humanos.
O principal avanço ocorre com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, que estabelece o caráter universal desses direitos.
Depois disso, com o surgimento de um Sistema Internacional de Proteção a Direitos Humanos, vários tratados e convenções internacionais que atacam a discriminação por cor, raça, credo, religião, sexo, opção sexual…. foram celebrados e ratificados por centenas de países, inclusive o Brasil.
Ou seja, eles foram internalizados pelo país, ganham força de lei.
Em 2005, a Resolução A/60/L.1 da ONU, seguia na linha de colocar o esporte como promotor de paz e desenvolvimento. E, claro, como vetor de integração social.
Os chefes de Estado, através da ONU, reafirmaram ali seu compromisso na construção e manutenção da paz e do respeito aos Direitos Humanos.
Dessa forma, a Resolução traz o esporte como uma das mais valorizadas medidas a serem promovidas pelos países membros das Nações Unidas:
- Salientamos que o desporto pode ajudar a promover a paz e o desenvolvimento e contribuir para um clima de tolerância e compreensão, e incentivamos o debate de propostas conducentes a um plano de acção sobre desporto e desenvolvimento na Assembleia Geral.
O futebol também tipifica o crime de preconceito
A preocupação necessária com a proteção de Direitos Humanos também esta declarada dentro dos regulamentos internos do futebol. O Estatuto da FIFA – espécie de “Constituição do futebol” – ataca o preconceito.
O art. 3, traz o compromisso de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.
Em 2019, o Código Disciplinar da FIFA se posicionou de maneira firme, apresentando caminho para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia.
Diz o era 13:
13 Discrimination 1. Any person who offends the dignity or integrity of a country, a person or group of people through contemptuous, discriminatory or derogatory words or actions (by any means whatsoever) on account of race, skin colour, ethnic, national or social origin, gender, disability, sexual orientation, language, religion, political opinion, wealth, birth or any other status or any other reason, shall be sanctioned with a suspension lasting at least ten matches or a specific period, or any other appropriate disciplinary measure.
Tradução Livre:
13 Discriminação – Qualquer pessoa que ofenda a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou grupo de pessoas por meio de palavras ou ações desdenhosas, discriminatórias ou depreciativas (por qualquer meio) em razão da raça, cor da pele, etnia, nacional ou social origem, gênero, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, opinião política, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição ou qualquer outro motivo, serão punidos com uma suspensão de pelo menos dez jogos ou um período específico, ou qualquer outra medida disciplinar apropriada .
A Justiça Desportiva brasileira tem punido a injúria racial com base no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios.
A equiparação pelo STF do crime de homofobia ao de racismo em 2019 abriu espaço para a Justiça Desportiva também punir condutas homofóbicas com base no mesmo artigo, mesmo sem uma mudança no CBJD. Afinal, o direito é um só.
O caminho necessário
Quando pensamos em Direitos Humanos, o mundo contemporâneo tem exigido respostas e compromissos cada vez mais efetivos por parte dos Estados. E claro que o esporte não só deve seguir esse caminho, como ir além. Ser protagonista nesse movimento.
Os tratados internacionais de proteção de Direitos Humanos, Constituição brasileira, a decisão do STF, o Código da Fifa e as decisões recentes do STJD são facilitadores nesse caminho. Fundamental é entender que colocar qualquer tipo de decisão que coloque freios a essas bandeiras universais será sempre um erro histórico do esporte.
Assim como o racismo, a homofobia não tem mais espaço em lugar nenhum, muito menos no sempre inclusivo esporte. Proteger direitos humanos não é só uma escolha possível para o esporte, é um dever.
Depois do seminário na CBF e dos painéis na Brasil Expo, agora é só transformar discurso em ação.
Crédito imagem: Bahia
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo