A história do futebol mundial está repleta de acidentes aéreos. E, infelizmente, mais um capítulo trágico foi escrito no dia 21 de janeiro de 2019. Naquela noite, o avião que transportava o atacante argentino Emiliano Sala (28 anos) desapareceu em meio ao voo que o levava de Nantes (França) a Cardiff (Reino Unido). O último contato entre o piloto da aeronave leve, modelo Piper PA-46 Malibu, e operadores de tráfego aéreo de Guernsey (Reino Unido) ocorreu minutos antes de o avião sumir dos radares: o piloto havia solicitado um pouso de emergência.
Após a transferência, uma semana antes, do Nantes para o Cardiff City por £15 milhões, Sala estava a caminho de uma reunião com o seu novo clube, ocasião em que conheceria seus novos companheiros. As buscas pela aeronave não foram bem-sucedidas: não encontraram destroços ou qualquer sinal de acidente. Assim, as autoridades encerraram as buscas.
A família de Sala, financiada por doações de jogadores de futebol e torcedores, iniciou uma investigação particular com a utilização de um submarino operado por controle remoto na tentativa de encontrar a aeronave no fundo do Canal da Mancha.
Com a tragédia, ficam as dores da família, dos amigos, dos torcedores e dos amantes do futebol. Ficam também as questões jurídicas em decorrência desse acidente.
Perdas e danos
A gerência do Cardiff City informou que Sala recusou a oferta do clube por um voo comercial pago pelos novos empregadores. Preferiu fretar o voo sozinho. A imprensa britânica acredita que o empresário do jogador possa ter auxiliado na contratação do voo fretado. Nesse caso, a família do jogador não terá a possibilidade de processar o clube. Porém, poderão processar a empresa transportadora.
Por ser um voo internacional entre países signatários da Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional de 1999, a chamada Convenção de Montreal, dá-se a aplicação desta: responsabilidade presumida do transportador, pelas perdas e danos de até 100.000 Special Drawing Rights (uma mistura de valores monetários estabelecidos pelo Fundo Monetário Internacional que equivale a cerca de US$ 150.000, revisados a cada cinco anos) por passageiro. Quando o valor da causa é maior que esse teto, o transportador pode evitar responsabilidade se provar culpa de terceiro (ou até mesmo da vítima).
A aeronave não foi encontrada. A questão torna-se mais complexa pelo fato de que, mesmo se a encontrarem, ela não tem caixa-preta, por não ser obrigatório esse equipamento para aeronaves leves. Assim, torna-se muito difícil concluir as causas e culpa do acidente.
Vale ressaltar que a família tem um período de dois anos, a contar da data em que a aeronave deveria ter chegado ao destino, para iniciar a ação, sob pena de extinção de seu direito, de acordo com a Convenção.
A Convenção também confere ao transportador direito regressivo contra terceiro culpado pelo acidente.
Jurisdição
Pela Convenção, há várias opções para a família do jogador sobre onde iniciar a ação: (i) França ou Reino Unido, posto serem países signatários; (ii) país de domicílio do transportador ou país onde tem seu principal lugar de negócios; (iii) país onde o contrato de transporte foi celebrado ou país destino do transporte; ou até mesmo (iv) país onde Sala tinha residência permanente na época do acidente, independentemente de sua nacionalidade.
O clube
O clube também poderá processar o transportador (ou terceiro culpado pelo acidente) pela perda do seu astro. Porém, não será uma ação com base na Convenção. Deverá ser uma ação por perdas e danos fundamentada nas leis do país em que a ação for iniciada. De acordo com a atual legislação da União Europeia, via de regra, o réu deve ser processado em seu país de domicílio. No entanto, devido às incertezas envolvendo o Brexit, essa regra pode mudar em breve caso o Parlamento britânico e a UE não cheguem a um acordo sobre o tema.
Apesar do tom clínico, e até mesmo frio, da breve explicação jurídica das potenciais formas de agir decorrentes dessa tragédia, ficam aqui nossos mais profundos pêsames pela perda prematura de mais um talentoso atleta.