Laila Spiegel[1]
Lívia Martins[2]
Pauta recente para os amantes de futebol, o Fair Play financeiro não é uma novidade quando falamos sobre esporte. Implementado pela primeira vez em 2010 pela UEFA através do “UEFA Club Licensing and Financial Fair Play Regulations”, seu objetivo principal é a sustentabilidade financeira dos Clubes de futebol e a justificativa para sua implementação é o crescimento exponencial da dívida dos Clubes frente à sua arrecadação.
Conceitualmente, o Fair Play financeiro é um conjunto de normas que têm sua natureza pautada na responsabilidade e na sustentabilidade, com a finalidade de tornar o mercado mais estável e garantir que os Clubes tenham suas finanças em ordem. De forma simples, os Clubes devem gastar menos do que o valor total de sua arrecadação e, caso as regras não sejam cumpridas, um rol de punições poderá ser aplicado.
Nota-se que, ao discutir o Fair Play financeiro não estamos falando sobre equilíbrio esportivo. O Fair Play financeiro possui regras voltadas para melhor governança dos Clubes visando, entre outros pontos, a melhora da capacidade econômica e financeira, o cumprimento de obrigações como pagamento de salários e impostos e uma maior disciplina e incentivo aos gastos da gestão. O modelo de Fair Play financeiro utilizado pela UEFA se baseia em três pilares: a solvência, a estabilidade e o controle de custos[3].
Cabe destacar que, para que os Clubes possam participar efetivamente das competições da UEFA, devem ser licenciados pelas federações ou ligas nacionais por meio de um processo que se baseia no Regulamento do Sistema de Licenciamento de Clubes e Fair Play Financeiro. [4]
Em síntese, com base em responsabilidade, benevolência, honestidade e justiça, os Clubes devem comprovar que não possuem dívidas com outros Clubes, atletas, segurança social e autoridades fiscais.
Em 2022, 8 Clubes foram punidos pela UEFA por infração às regras impostas. Entre eles, Barcelona e Manchester United. O primeiro com uma multa de € 500 mil por “reportar erradamente, no ano fiscal de 2022, lucros na alienação de ativos intangíveis (exceto transferências de jogadores) que não são uma receita relevante conforme o regulamento” e o segundo em €300 mil por “pequenos déficits”.[5]
De maneira geral, as principais ligas europeias possuem seus modelos de Fair Play financeiro. Atualmente, todas têm migrado para modelos similares ao usado pela UEFA, ou para o modelo UEFA complementado pelo modelo próprio desenvolvido pela liga, como forma de adequar os padrões estabelecidos pelo continente às necessidades locais da liga e seus clubes.
Mas, e no Brasil, qual é o panorama do Fair Play financeiro?
Especialmente com a chegada das SAFs, a discussão sobre a implementação do mecanismo no Brasil se intensificou. O alto fluxo de dinheiro movimentado pelos clubes e as grandes contratações realizadas chamam a atenção dos demais, sob o argumento de que com o Fair Play financeiro tais contratações não seriam possíveis.
A Lei Geral do Esporte, em seu artigo 188, determina que a criação do Fair Play está sob competência da organização esportiva, de abrangência nacional, que administra e regula a modalidade esportiva. Ademais, o Regulamento deverá prever regras e sanções no que tange ao equilíbrio financeiro, patrimônio líquido e níveis de endividamento, limites financeiros para contratação de atletas por temporada, limites para aportes financeiros de acionistas, garantia de continuidade operacional mediante auditoria externa, entre outras.
A CBF vem buscando um modelo de sistema próprio para ser aplicado no Brasil, no entanto, a medida está em desenvolvimento. Além disso, o Regulamento de Licenciamento da CBF, vigente desde 2018, desenvolve-se pautado no Regulamento de Licenciamento da Conmebol, e com o mesmo propósito do desenvolvido pela UEFA: habilitação dos Clubes para a participação em competições. O regulamento, no entanto, ainda apresenta uma análise jurídica rasa sobre o Fair Play financeiro propriamente dito.
Caso recente no Brasil é o da SAF Botafogo, que vem chamando a atenção de todos.
Falando exclusivamente sobre números, o clube teve uma receita de R$ 388 milhões em 2023 e um gasto estimado de R$323 milhões em contratações no ano de 2024.[6]
Através do seu investidor, a SAF Botafogo alega que usa uma estratégia adotada em fluxo de caixa, alinhando pagamento dos jogadores com a venda de outros. Segundo John Textor, o Botafogo está em conformidade com as regras do Fair Play financeiro aplicadas pela UEFA.[7][8]
É notório que a discussão sobre a implementação do Fair Play financeiro é complexa, já que envolve não apenas valores de contratações e salários de atletas, mas características e questões estruturais distintas, e muitas vezes discrepantes, entre os Clubes no território nacional.
Basta pegarmos as duas pontas opostas dos clubes TOP 20 em receitas no ano de 2023, conforme o estudo desenvolvido pela Sports Value. O Flamengo, clube com a maior receita em 2023, ultrapassou a casa de 1 Bilhão de Reais (R$ 1.374.000,00) e o Goiás, clube com a menor receita em 2023, não ultrapassou a casa de 100 Milhões de Reais (R$ 98.000.000,00). Ambos os clubes disputaram a série A do Campeonato Brasileiro de 2023.[9]
Fica evidente que o modelo e o desenvolvimento das regras e sanções devem levar em consideração toda a estrutura do futebol brasileiro, tendo por base um panorama médio e geral dos Clubes, o que sem dúvidas, não será uma tarefa fácil.
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[1] Graduada em Direito no Centro Universitário IBMEC. Pós Graduada em Direito Privado na Universidade Candido Mendes e Procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futsal do Rio de Janeiro. Email: [email protected]
[2] Graduanda em Direito no Centro Universitário IBMEC. Membro e pesquisadora do GEDD Ibmec.
Email: [email protected]
[3]https://pt.uefa.com/running-competitions/integrity/financial-sustainability/
[4]https://pt.uefa.com/running-competitions/integrity/club-licensing/
[5] https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2023/07/14/barcelona-e-manchester-united-sao-multados-por-infringir-fair-play-financeiro-da-uefa.ghtml
[6]https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2024/09/03/qual-a-logica-financeira-e-riscos-das-contratacoes-do-botafogo-com-textor.htm
[7]https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2024/09/03/qual-a-logica-financeira-e-riscos-das-contratacoes-do-botafogo-com-textor.htm
[8]https://www.fogaonet.com/noticias-do-botafogo/john-textor-rebate-jornalista-do-uol-volte-a-escola-nosso-botafogo-esta-totalmente-em-conformidade-com-regras-de-fair-play-financeiro-da-uefa/
[9]https://www.sportsvalue.com.br/case-studies/financas-top-20-clubes-brasileiros-em-2023-diversificacao-de-receitas-o-grande-desafio/