“O esporte tem propriedades específicas, é uma forma cultural que não começou como um negócio, mas se tornou todo um ecossistema de negócios por causa da forma cultural. Porque não se trata apenas de vendas, não é apenas de marketing. É decorrente de algo que é intrinsecamente humano.” Diz o professor de negócios do esporte da Universidade de Nova Iorque, David Hollander.
O futebol é um produto rentável, que vem crescendo a cada ano em termos financeiros. No início dos anos 90, quando a Premier League foi reestruturada, ela recebia pouco mais de 191 milhões de libras. Nas temporadas de 2016 a 2019 esse valor saltou para mais de 5,1 bilhões de libras. Grandes empresas pagam milhões para terem suas marcas estampadas nas placas de publicidades, camisetas e produtos durante as transmissões dos jogos. Fazendo com que as ligas mais prestigiadas tenham salários astronômicos para oferecer a seus jogadores. O grande número de jogadores faz com que o talento, a qualidade técnica do atleta e sua capacidade de gerar retorno de receita para o clube seja o filtro na hora de contratar.
Da mesma forma que qualquer empregado, os jogadores têm direitos e leis e a forma na qual garantem seu salário, e que para aqueles de grandes clubes pode ser bem avantajado e muitas vezes julgado. Quem nunca ouviu uma pessoa reclamar que jogadores de futebol ganham mais do que deveriam? Com isso, os jogadores recebem o retorno de seu salário e tem a possibilidade de formular seu contrato com os clubes incluindo hoje em dia fontes que beneficiam tanto o empregado como o empregador. Os clubes de futebol pensam nos ganhos dentro de campo, mas sobretudo, fora dele. Atletas são verdadeiros influenciadores que trazem milhares de fãs e receitas como por exemplo transmissões de televisão, patrocínios, bilheteria, assim, justificando seus altos salários.
O futebol é a única indústria do mundo que consegue conjugar uma sinergia tão forte entre aspectos sociais, econômicos e culturais. Nenhuma outra indústria consegue misturar esses três pontos e trabalhar tão bem esses pontos separados e também reunidos fazer com que seus consumidores fiquem tão conectados com seus produtos e serviços por tanto tempo. O torcedor, consumidor final do futebol, passa a semana inteira pensando no jogo do seu time, se ele vai se classificar para a competição de maior prestígio ou se vai conseguir escapar do rebaixamento de divisão de algum campeonato ou se vai ser campeão. Essa paixão do torcedor agrega valores bilionários aos seus clubes de coração e, ainda mais do que isso, gera um poder de influência sem precedentes dos seus clubes e jogadores preferidos sobre uma comunidade, cidade ou até um país.
Por exemplo, O Paris Saint-Germain, é o clube em que joga Neymar Jr, uma das maiores estrelas do futebol da atualidade. O clube carrega o nome da cidade. No seu escudo tem a Torre Eiffel como símbolo central e não para por aí. O Centro de Treinamentos do clube fica aproximadamente a 5 km da cúpula do governo francês. Todo esse conjunto gera engajamento com o povo ao redor, consequentemente, uma jogada de marketing que pode render milhões aos cofres dos clubes. Apenas para ilustrar o quanto o clube acaba influenciando e gerando identificação com a cidade, a Torre Eiffel, símbolo da capital francesa, teve sua iluminação alterada com as cores do clube e um telão dando boas vindas para o jogador Neymar, quando ele se transferiu para o PSG, sendo o único ser humano a receber tal homenagem.
Outro clube que sabe aproveitar muito bem o seu aspecto geográfico e cultural é o Barcelona. Fica situado na Catalunha, região que historicamente sempre teve um viés separatista do restante da Espanha. A região possui seu próprio idioma e o seu maior rival é o Real Madrid, clube da capital espanhola. O confronto entre as duas equipes é conhecido como ‘El Clásico’ e reúne milhões de espectadores ao redor do mundo. Apesar da cidade ter outro clube, o RCD Espanyol, o Barcelona carrega o nome da cidade e um número esmagador de torcedores e fãs. O clube, em seus jogos, produtos e campanhas publicitárias, vende o sentimento de fazer parte da cidade.
Por outro lado, existem clubes que não aproveitam o seu fator local e acabam pecando no quesito arrecadação para gerar receitas e um engajamento maior do torcedor, assim deixando de agregar valor à marca. Nos arredores de Londres, capital da Inglaterra, existem aproximadamente vinte e cinco clubes de futebol, das mais variadas divisões e torneios. Os mais conhecidos são o Chelsea FC, Tottenham Hotspur, Arsenal, West Ham United, Crystal Palace e Fulham. Entretanto, nenhum desses clubes, e os demais situados na cidade ou nos seus arredores, explora o fator local para gerar uma identificação com os seus fãs.
Deixamos aqui uma pergunta para você leitor: quanto vale uma marca como a do PSG e Barcelona no cenário geopolítico e socioeconômico mundial? Quando se tem grandes ligas como as europeias onde a repetição de jogos é peça chave para a publicidade, a transmissão global e a repercussão sobre os acontecimentos põe seus patrocinadores no holofote internacional sem esforço algum, como por exemplo, uma marca estampada na camiseta de jogo de um time campeão que tem sua imagem propagada milhões de vezes.
Somente o futebol permite uma marca alcançar tal identificação e influência que vai muito muito além da partida, é a representação de um povo. E em termos de publicidade e marketing, isso vende muito! Podemos citar aqui como case de maior sucesso da história do futebol, não apenas em termos desportivos, mas também como um verdadeiro GOAT – Greatest of all times (Maior de de todos os tempos em tradução livre) do marketing esportivo, o jogador português Cristiano Ronaldo, ou como muitos já conhecem, o CR7.
O atacante da Juventus dispensa apresentações. Eleito cinco vezes o melhor jogador do mundo pela FIFA e da Bola de Ouro da Revista France Football, é o jogador em atividade que mais venceu a Liga dos Campeões da UEFA e é o maior artilheiro da competição. Poderíamos fazer apenas uma matéria para contar os feitos e recordes alcançados pelo craque português. Seu bom desempenho vai além das quatro linhas, se dá nos contratos milionários que fazem de Cristiano Ronaldo o segundo jogador mais bem pago do mundo na atualidade.
Desde sua juventude Ronaldo é patrocinado pela Nike, fornecedora americana de material esportivo, contrato no qual ele pode ganhar até US$ 1 bi até o fim de sua vida. Ele também é patrocinado por marcas como Clear Men, Tag Heuer, Armani, DAZN, Unilever, Fortnite, além de ter a sua própria linha de roupas e perfumes. Não para por aí… Cristiano também possui uma rede de hotéis na Ilha da Madeira, sua terra natal. Cristiano Ronaldo é a pessoa mais seguida no Instagram. Até o momento da edição desta matéria ele estava com mais de 260 milhões de seguidores. Tal fato não passa batido pelo atleta. Uma única postagem de publicidade em seu perfil custa em média US $1 milhão.
De acordo com a Forbes, no ano de 2020[1] ele faturou em salários com a Juventus, seu atual clube, cerca de US $60 milhões e aproximadamente US $45 milhões em patrocínios e publicidade. Só para se ter uma ideia do tamanho de Cristiano Ronaldo, nas suas primeiras 24h como jogador da Juventus, foram vendidas mais de 520.000 camisetas com o seu número e nome, gerando uma receita de mais de US $60 milhões. As ações da Juventus na Bolsa de Valores Italiana valorizaram de uma maneira astronômica. O clube ganhou milhares de seguidores em suas redes sociais, consequentemente consumidores dos seus produtos apenas pelo fato de eles contarem com Ronaldo no seu plantel. Tamanho foi o sucesso que especialistas dizem que não foi Cristiano que se transferiu para a Juventus, mas a Juventus que se transferiu para Cristiano.
Pode-se dizer que Cristiano Ronaldo foi o jogador que mais entendeu que seu nome e imagem poderiam se transformar em uma marca e produto. Todos os clubes em que jogou o craque jogou com seu número preferido, o sete! Há muito tempo ele já tinha sua marca CR7 registrada. Quando foi contratado pelo Real Madrid, inicialmente ele usava o número nove, chegou a registrar também a marca CR9. Porém, logo depois ele assumiu a camisa número 7, com a saída do jogador Raúl. Mas o que isso tem a ver com a publicidade? Tudo. Jogadores que detém nomes, marcas que “pegam” fácil no meio dos consumidores tendem a lucrar mais com seus produtos e contratos de publicidade. Tudo isso é pensado desde o início de suas carreiras.
E por isso voltamos à questão, por que jogadores de futebol ganham tanto? A pergunta correta a se fazer seria ‘por que alguns jogadores de futebol ganham tanto?’ Quando pensamos nos ganhos astronômicos de estrelas do futebol como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar Jr, inconscientemente imaginamos que a vida de todos os jogadores de futebol é um mar de rosas, ou melhor, de dinheiro. O fato é que são poucos, se olharmos proporcionalmente, que chegam ao sucesso financeiro das grandes ligas e clubes do mundo. Por exemplo, apenas 180 dos 1,5 milhão de jovens jogadores nas ligas amadoras da Inglaterra chegará a jogar como jogador profissional na tão sonhada Premier League. Esse pequeno número de 180 jogadores será o grupo dos que receberão melhores ofertas de salários dos clubes das melhores ligas.
Apenas para exemplificar, antes de Neymar jogar no Paris Saint-Germain, a League One pagava uma receita de 800 mi de euros aos seus clubes. Durante a negociação para renovação dos direitos de transmissão, apenas o rumor que Neymar poderia ser a grande estrela do campeonato fez as tratativas ficarem em espera e depois finalizarem em um valor de pouco mais de 1,4 bilhões de euros. Vale lembrar que Neymar foi a maior transferência da história do futebol, uma venda no valor de 222 milhões de euros. Pouco tempo depois houveram transferências “malucas” também como a de Philippe Coutinho para o Barcelona e Kyllian Mbappe para o Paris Saint-Germain. Também as transferências de goleiros bateram recordes com os arqueiros Alisson, do Liverpool, e Kepa, do Chelsea. Contudo, essas transferências tiveram uma queda em seus valores devido a pandemia do novo coronavírus. Especialistas do mundo da bola como o advogado Marcos Motta, sócio do escritório Bichara & Motta (que representa jogadores como Neymar, Coutinho, Thiago Silva e Alex Telles) diz ser impossível esse recorde do valor de 222 milhões de Euros da transferência de Neymar ser batido. Segundo Motta, foi o timing perfeito de idade e momento de carreira do atleta, do clube vendedor e comprador e, sobretudo, do mercado. Podemos deixar aqui uma pergunta para o leitor: o mercado inflacionou Neymar ou Neymar inflacionou o mercado?
Tais transferências e contratos de trabalhos de gigantes do futebol custam milhões para seus cofres. Jogadores recebem fortunas por temporadas e até mesmo por mês, por se tratar de um mercado que está em constante mudança nas relações entre clubes, atletas e empresas, como se trata de uma indústria que cada vez mais está vendo suas cifras aumentar na casa dos milhões. Um clube não contrata apenas o atleta para ele exercer a função de atacante ou goleiro dentro campo, mas para ser seu garoto propaganda em diversas campanhas publicitárias dos clubes e empresas parceiras. Muito se especula das cláusulas contratuais dos contratos de jogadores e clubes. Por se tratar de valores astronômicos, tudo requer uma criatividade dos clubes e jogadores para que a relação tanto de contratação quanto de renovação não se desgaste mas só melhore para que todos possam ser beneficiados.
Uma das cláusulas recorrentes nos contratos entre clubes e jogadores muito utilizada na época do Real Madrid dos galácticos, em 2002-2004 e até os dias de hoje, é referente ao marketing e publicidade dos atletas e a forma como isso é revertido também para o clube. Por exemplo, na renovação de contrato com o clube, havia uma cláusula que dizia que quando um atleta assinava com uma determinada marca para fazer um comercial 40% de todo aquele contrato seria do clube(pode parecer meio injusto, né?). Em contrapartida, tudo que o clube levasse de patrocínio para o jogador, 40% seria do clube e 60% do jogador… uma relação win-win, que deu certo. Vale lembrar que muitos clubes europeus são patrocinados por inúmeras marcas e empresas que usam os jogadores como seus garotos propagandas. Podemos usar o exemplo da Audi, montadora de carros alemã. A empresa patrocina vários clubes de futebol não apenas com a exposição de sua marca nas camisetas, artigos esportivos e estádios, mas também, a empresa fornece unidades de seus carros, que não são nada baratos, para os jogadores. Fazendo assim, com que eles desfilem com seus modelos e gerando no consumidor que admira o atleta o desejo de também ter o mesmo carro.
Por isso, como abordado pelo professor da Universidade de Nova Iorque, para entendermos a movimentação do futebol e o dinheiro envolvido nele é importante perceber a sua essência e a importância que tem na vida das pessoas ao redor do mundo. O esporte sendo algo cultural, está atrelado a paixão e entretenimento de um povo ou local e por isso move toda uma indústria que trabalha para que possa acontecer.
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[1] https://www.forbes.com/profile/cristiano-ronaldo/?list=athletes&sh=66b9a18b565d
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Jorge Luis Gonçalves dos Santos, graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) em Florianópolis, SC, atualmente no 7º período. Tem certificado de Direito Desportivo pela PUC Rio e FUTJUR. Atualmente é membro do Grupo de Estudos de Direito Desportivo da PUC-PR e cursa Direito Desportivo Trabalhista com Bernardo Pozza.
Nathalia Medeiros de Carvalho, graduanda em direito pela universidade regional do noroeste do estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) de Ijuí, atualmente cursando o 4º período e membro pesquisadora do Grupo de Direito Desportivo da PUC-PR. Tem certificado de Liderança Feminina pela Universidade de George Washington e de Global Sports Management pela NYU.