Por Rafael Marchetti Marcondes
Futebol e reforma tributária, dois trending topics cujo distanciamento é apenas aparente. Em verdade, estão intimamente relacionados, ainda que não se note à primeira vista.
No Brasil, futebol é termo recorrente e assunto diário. Junto ao Poder Legislativo, ganhou relevância neste ano diante da possibilidade de passar no Congresso Nacional projeto de lei que pretende impulsionar os clubes brasileiros a se profissionalizarem, por meio da sua transformação em empresas.
Já a reforma tributária é um clamor nacional e, em especial, do empresariado, que sonha com um sistema mais simples, com menos burocracia e uma redução da carga fiscal. Ganhou holofotes com a entrega pelo ministro Paulo Guedes de um projeto de lei que busca criar a Contribuição sobre Bens e Serviços, a CBS, fruto da reunião do PIS e da COFINS.
Mas afinal, o futebol e a reforma tributária têm alguma relação? A resposta, inegavelmente, é sim, por mais improvável possa parecer essa aproximação. E digo mais, trata-se de uma vinculação profunda. Passo a explicar.
A esmagadora maioria dos clubes brasileiros de futebol hoje está constituída sob a forma de associações civis sem fins lucrativos. E a nossa legislação, mais especificamente a Medida Provisória nº 2.158-35/2001, prevê um tratamento especial a essas instituições. A norma prevê para os clubes constituídos sob a forma associativa o recolhimento do PIS à alíquota reduzida de 1% sobre a sua folha de salários (art. 13), e uma isenção para a COFINS (art. 14), isto é, exime tais entidades do recolhimento da contribuição.
Assim, grande parte dos clubes de futebol brasileiro hoje paga somente o PIS à alíquota de 1% sobre a folha de salários e não recolhe nada a título de COFINS, enquanto empresas que não gozam desse regime diferenciado, na maior parte das vezes, se submetem ao regime não cumulativo das contribuições, no qual o PIS é cobrado à alíquota de 1,65% e a COFINS à alíquota de 7,6%, ambos incidentes sobre a receita bruta. Inegável, sob a perspectiva tributária, os benefícios de um clube de futebol se declarar uma associação civil sem fins lucrativos no Brasil.
Acontece que essa prerrogativa pode estar próxima de um fim, e há dois possíveis caminhos que podem levar ao término desse regime especial concedido aos clubes.
O primeiro deles está no Projeto de Lei nº 5.082/2016, já aprovado na Câmara dos Deputados e atualmente no Senado Federal sob a relatoria do senador Romário Faria, que estabelece que os clubes de futebol, a despeito de se organizarem sob a forma de associações ou sob a forma empresarial, serão tributados igualmente. Isto é, acaba-se com o privilégio das associações civis sem fins lucrativos no futebol.
É bem verdade que esse projeto ainda permite uma tributação reduzida do PIS e da COFINS, que passariam, juntamente com o IRPJ e a CSL, a ser cobrados a uma alíquota conjunta de 5% sobre a receita bruta; ao passo que as empresas seguiriam tendo que pagar 34% da sua renda a título de IRPJ e CSL, e 9,25% da receita a título de PIS e COFINS.
Em suma, pela proposta que tramita pelo Congresso, clubes de futebol seguiriam beneficiados em relação a outros contribuintes, mas perderiam o benefício de nada pagar a título de COFINS e de recolher somente 1% da folha de salários a título de PIS.
O segundo caminho que pode levar ao fim da situação privilegiada dos clubes de futebol desponta no Projeto de Lei nº 3.887/2020, apresentado recentemente pelo ministro da Economia Paulo Guedes, que propõe uma reforma tributária, a começar pela cobrança do PIS e da COFINS.
O governo federal, sob o pretexto de simplificar a tributação e acabar com o excesso de regimes diferenciados, propõe o fim de parte dos benefícios fiscais, dentre eles, o concedido aos clubes de futebol que se organizam sob a forma de associações civis sem fins lucrativos. Com isso, tais entidades passariam a ter que oferecer a integralidade das suas receitas de atividades institucionais à tributação pela CBS – que se propõe a substituir o PIS e a COFINS – à alíquota de 12%, substancialmente maior ao que atualmente é pago pelas agremiações desportivas.
Enfim, com a entrada em vigor da CBS, os clubes de futebol, independentemente de como estiverem constituídos, se como associação civil ou como empresa, passarão a ter que tributar suas receitas à alíquota de 12%.
Resumindo: o cenário proposto pelo Projeto de Lei nº 5.082/2016 (clube-empresa), sob a perspectiva fiscal, agrava a situação dos clubes, que atualmente praticamente nada pagam de PIS e COFINS, porém ainda os deixa em vantagem em relação a outras empresas. Ao passo que a proposta trazida pelo Projeto de Lei nº 3.887/2020 (CBS), ao substituir as referidas contribuições, onera consideravelmente as entidades desportivas. Ao que parece, a coisa está feia para os clubes de futebol!
Mas um ponto que merece atenção. Hoje o Projeto de Lei nº 5.082/2016 está mais avançado do que o Projeto de Lei nº 3.887/2020. O projeto do clube-empresa já vem sendo debatido a mais tempo, está mais maduro e já foi aprovado na Câmara dos Deputados (resta agora apenas o Senado), enquanto o projeto de lei que trata da reforma tributária, mais especificamente da CBS, ainda é recente, nem sequer foi levado a votação, seja na Câmara, seja no Senado.
Em razão do estágio em que se encontra cada projeto de lei, seria natural aguardar primeiro pela aprovação do Projeto de Lei nº 5.082/2016 (clube-empresa) e depois pelo Projeto de Lei nº 3.887/2020 (CBS). Acontece que não faz o menor sentido se aprovar primeiro uma proposta que cria um regime tributário diferenciado para os clubes de futebol, para, logo em seguida, com a aprovação da reforma tributária, acabar com esse regime ou, ao menos, modificá-lo substancialmente.
O bom senso manda aguardar primeiro um desfecho da reforma tributária, para depois avançar com a criação do clube-empresa, pois, desse modo, não haveria o risco de se criar um regime inaplicável ou, ao menos, seria evitado o retrabalho de reformular uma lei recém-editada.
Se o bom senso irá prevalecer, é difícil dizer, especialmente em um ambiente tão permeado pela política como é o Poder Legislativo. O que se pode afirmar com segurança é que, a avançar qualquer um dos projetos, a “mamata tributária” dos clubes, se não acabar, vai diminuir, e muito.
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Rafael Marchetti Marcondes é doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em Sport Management pelo ISDE e FC Barcelona. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito Tributário na EPD e no IBET. Advogado. Consultor no escritório Pinheiro Neto.