Por Adelmo Schuindt, Rogério Tavares e Vitória Reis
O futebol brasileiro em 2022 vive um momento no mínimo curioso. Para quem se acostumou a ver clubes gastando sem o menor controle, dívidas sendo acumuladas sem responsabilidade alguma e rombos internos cada vez maiores, estranho é ouvir por todos os cantos do país, palavras como governança corporativa, gestão transparente, recuperação judicial, regime centralizado de execuções, entre outras expressões modernas e que fazem parte do dicionário de empresas saudáveis ou que buscam a reestruturação.
Obviamente, que muito dessa transformação de atitude vem da entrada em vigor da Lei 14.193/21, chamada Lei da Sociedade Anônima do Futebol. Com ela, nossos clubes de futebol podem se transformar em empresas e em consequência conquistarem um acervo de benefícios.
Assim, parece que ao se transformar em S/A, o time terá todos os seus problemas resolvidos e que a solução demorou demais para surgir no Brasil. No entanto, primeiramente é fundamental destacar que a solução para o mau funcionamento de muitas associações esportivas não é uma questão de lei e sim de péssima gestão. Aliado a isso, fundamental lembrar que não é de hoje que no país já existe a possibilidade da transformação de clubes de futebol em empresa.
Tudo começou com a Lei 8672/93, (a Lei Zico). Lá se vão quase 30 anos. Ela já possibilitava às entidades desportivas se transformarem em empresa. O tempo mostrou que sem grandes benefícios fiscais, os dirigentes preferiram manter suas entidades sem fins lucrativos e com gestões completamente às escuras.
A Lei 9615/98 (Lei Pelé) surge para acabar com a farra. Época de CPI do futebol, muita discussão, corrupção, denuncia e pouquíssima solução. Com a lei Pelé o clube ficou obrigado a se transformar em empresa. O Futebol Brasileiro ganhou um tempo para preparar o terreno para transição, todavia, o utilizou para derrubar a obrigatoriedade e se tornar empresa continuou sendo uma faculdade.
Décadas se passam, gestões e diretorias se atropelam, enquanto as dívidas se acumulam. Parecia um caminho infinito em direção à insolvência geral (salvo raríssimas exceções).
Em 2015, mais uma tentativa de sanear contas desse rol de caloteiros. O governo cria o Profut. Um programa que facilita o parcelamento de dívidas federais para àqueles que demonstrassem modernização da gestão, responsabilidade fiscal, transparência e governança corporativa.
A intenção é inegavelmente boa, porém, é fato que se cria uma desigualdade no cenário nacional, pois as regras de governança só servem a quem aderir ao programa, mas e os outros atores do futebol brasileiro? Quem não deve hoje aos cofres públicos, pode estar falido amanhã e nesse interim muita irresponsabilidade acontecer. Não há como o Estado só criar regras para quem está devendo. Inevitavelmente se cria uma desigualdade que não faz parte dos princípios esportivos.
Mais uma tentativa que rendeu poucos frutos. Mas o debate sobre o assunto não parou, ao mesmo tempo que ocorria um sucateamento no futebol do país, sempre lembrando que existem as exceções.
Eis que surge a Lei da SAF com seus inúmeros benefícios, principalmente o regime tributário bem mais interessante. Além disso há a possiblidade de exposição no mercado de capitais, o regime centralizado de execuções perante juízo único, e o benefício da recuperação judicial que, inclusive, algumas associações, já estão se antecipando e a utilizando por analogia, tema praticamente pacificado pelo judiciário.
Por outro lado, como S/A um clube mal administrado poderá ir à falência e ter todas as consequências cíveis, e desportivas do feito. E dentro dessa esteira de governança exigida, um fato novo pode surgir no próximo ano para colocar péssimas administrações ainda mais contra a parede. A nova lei Geral do Esporte, que vai substituir a Lei Pelé, aprovada ontem na Câmara dos Deputados, vai tipificar o crime de corrupção privada no âmbito do futebol possibilitando a responsabilidade civil e criminal de dirigentes esportivos que poderão ser condenados a até 4 anos de prisão por gestão fraudulenta.
Foram décadas de administrações que praticamente jogaram o futebol mais vitorioso do mundo no fundo do poço. Que os novos ventos jurídicos tragam uma onda de modernização sem volta ao esporte mais popular do país.
E por falar em modernização, nada mais atual e moderno do que a preocupação global com proteção de dados e privacidade, em todos os ramos, todas as esferas e intimamente ligados ao conceito dessa governança corporativa.
Toda e qualquer sociedade empresária, ou mesmo entidades sem fins lucrativos, como as associações esportivas, terão que se adequar à Lei Geral de Proteção de Dados (conhecida como LGPD), que entrou em vigor em 2020 e determina uma modificação significativa na forma como os dados pessoais são tratados.
Na esfera dos clubes de futebol, por exemplo, para muito além dos dados de seus funcionários, jogadores, os clubes possuem também milhares de dados pessoais dos programas de sócio torcedor, dados estes de extrema importância e que, inclusive já sofreram vazamento em alguns clubes brasileiros, como Palmeiras e Internacional, no ano de 2020.
Com estas profundas transformações na forma de gestão dos clubes, permeando assuntos acerca da sua natureza jurídica, governança e proteção de dados, de fato a tão sonhada modernização na forma de se repensar um clube de futebol é mais do que bem vinda: é necessária!
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Adelmo Schuindt: Advogado especializado em direito digital e proteção de dados.
Rogério Tavares: jornalista e advogado
Vitória Reis: advogada especialista em processo civil, direito civil e consumo.