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Futebol, mulheres e poder

Seu lugar no campo de jogo começou aos oito anos quando os pais lhe inscreveram em uma liga local na Flórida. Com um ano de experimentações na nova atividade, a coordenação motora se desenvolvia mais nos movimentos dentro do campo do que fora dele. Com isso, o corpo aprendia exatamente o necessário pra desempenhar a incrível tarefa de ser um só com a bola.

Na tv, a seleção estadunidense estreava no Giants Stadium diante de 79 mil pessoas para a abertura do mundial de 99, e engatava a melhor campanha já feita até ali. Mia Hamm era a melhor jogadora da competição. Atacante por formação e meio campo por liderança, chamava a atenção dentro e fora dos gramados, onde contracenava com o Michael Jordan nos comerciais. O maior atleta do basquete. A maior atleta do futebol.

Menos pelas barbies que a Mattel fazia inspiradas na ídola, e mais pela formidável atuação entre as balizas, aos oito a pequena Gabriela Garton decidia que seria jogadora de futebol. Anos depois, saberia mais do que gostaria sobre parte do que passara a atleta mais valiosa do mundo ao percorrer o caminho tortuoso da profissionalização com os próprios pés. Na verdade, como haveria de escolher a posição debaixo das balizas, e não entre elas, mais adequado seria dizer que o caminho foi percorrido com as mãos. Aos oito anos, entretanto, essa não era uma preocupação.

O primeiro grande teste na modalidade estava em dedicar todas as terminações nervosas disponíveis para se concentrar e empurrar, ao lado de outras 90.000 pessoas, a então seleção de Mia Hamm contra as chinesas naquela final histórica disputada no Rose Bowl. O maior público do estádio desde a final do Mundial de 94. Recorde de audiência e receita. Primeiro tempo, 0 a 0. Segundo tempo, também. A vitória dramática veio nos pênaltis.

No dicionário, o reconhecimento acontece quando a memória admite a reprodução e a localização daquilo de que se recorda. No caso da Gabi, se reconhecer foi se ver. Filha de pai estadunidense e mãe argentina, se tornaria goleira da seleção sul-americana quase quinze anos depois. Descobriria ao longo do trajeto os percalços de um abismo que separa os gêneros, e que une jogadoras, treinadoras, dirigentes e espectadoras em um dos seus lados. Uma história que Pablo Alabarces diria ser sobre o futebol que se vem, e sobre a vergonha que não termina de se ir. Sobre futebol, mulheres e poder. Palavras que há muito teimam em não aparecer juntas na mesma frase, e que dá título pra esse que promete ser um dos melhores livros lidos nos últimos tempos.

Referência:

GUERRERAS – FUTBOL, MUJERES Y PODER. GARTON, GABRIELA

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