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Futebol, política e liberdade de expressão

A recente notificação da CBF enviada ao Atlético-MG reacendeu debates sobre manifestações políticas nos estádios. O documento se refere à exibição de faixas de uma torcida organizada do clube que contém as palavras “antifa” e o rosto da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco. Em caso de descumprimento, o Atletico-MG poderia ser denunciado pela procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Do ponto de vista estritamente técnico, a notificação tem suporte legal e regulamentar (nacional e internacional). O Regulamento Geral de Competições (RGC) da CBF prevê em seu artigo 1° que os participantes das competições nacionais devem “colaborar de forma a prevenir manifestações político-religiosas[1]”. Esta posição de neutralidade política também está refletida no próprio estatuto da CBF, que a menciona diversas vezes. Tais determinações não estão nos regramentos da CBF por acaso. A FIFA é, oficialmente, entidade neutra em questões de política e religião[2] e, principalmente, exige de seus membros associados que assim também o sejam[3], fazendo constar expressamente em seus próprios estatutos.

É importante ressaltar que tais determinações por neutralidade política não são específicas e detalhadas o suficiente para que possamos determinar que tipo de manifestação política é vedada: política partidária, política interna de clubes, política interna da CBF? Como não há especificidade, a interpretação pode abranger todos estes aspectos e ampliar a restrição das manifestações das torcidas. A aplicação da norma acaba sendo subjetiva.

Recentemente a FIFA se posicionou favoravelmente às manifestações dos atletas na Bundesliga em relação aos eventos ocorridos nos Estados Unidos desencadeados, entre outros, pelo caso George Floyd[4]. Entendeu a entidade que as manifestações dos atletas vão ao encontro do que a FIFA defende em seu estatuto no que se refere à contrariedade ao racismo e à discriminação. Ao se posicionar desta forma, a FIFA flexibiliza sua posição de neutralidade política, já que os protestos que ocorrem nos Estados Unidos desde o caso George Floyd não se resumem somente à uma expressão de contrariedade ao racismo, mas possuem forte cunho político.

No que se refere ao suporte legal da notificação da CBF ao Atlético-MG, prevê a Lei n°10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) que é condição de acesso e permanência do torcedor no recinto desportivo a não utilização de bandeiras para outros fins que não o da manifestação festiva e amigável. Esta determinação está disposta no artigo 13-A, inciso X da Lei, que foi incluído pela Lei n°12.663/2012, a controversa Lei Geral da Copa. Esta Lei foi contestada na Ação Direta de Constitucionalidade n° 5.136 sob o argumento de limitar a liberdade de expressão, contrariando a Constituição Federal que garante a livre manifestação de pensamento no artigo 5°, IV. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal rejeitou o argumento e considerou a Lei constitucional, entendendo válida a “ponderação do legislador para limitar manifestações que tenderiam a gerar maiores conflitos e atentar contra a segurança dos participantes de evento de grande porte[5]”.

O entendimento do STF na ADI n° 5.136 não foi unânime. Na ocasião, o então Ministro Joaquim Barbosa afirmou que, “se outros direitos forem respeitados, não há razão para restringir a expressão do público nos jogos da Copa ao que os organizadores e o governo entendem como adequado, mas a expressão deve ser pacífica, não impedir que outros assistam às partidas”. De fato, os demais incisos do artigo 13-A já fazem referência às limitações ao exercício da liberdade de expressão reconhecidos pela própria Constituição Federal e por tratados internacionais, tais como a proibição de portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo.

Ora, se a manifestação do torcedor não inclui mensagens ofensivas, mas única e exclusivamente uma posição política, qual a justificativa para a proibição à luz da Constituição Federal?

O debate sobre a mistura de esporte com política não é novo, pacífico ou unânime. Obviamente não pretendo esgotá-lo nesta coluna, mas penso que ainda que eu não concorde com o posicionamento político que aqueles torcedores atleticanos exibiram, não cabe ao Estado ou a uma entidade privada tolher seu direito fundamental, constitucionalmente posto.

……….

[1] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/201912/20191210210852_304.pdf

[2] Artigo 4 do Estatuto da FIFA

[3] Artigo 15, “a” do Estatuto da FIFA

[4] https://www.fifa.com/who-we-are/news/stop-racism-stop-violence

[5] https://www.conjur.com.br/dl/acordao-lei-copa.pdf

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