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Gallardo, a lei e a omissão

Na última semana ocorreu o julgamento do “Caso Gallardo” pela Conmebol, que teve como resultado a penalização do técnico com suspensão de quatro jogos em competições da entidade e mais o pagamento de multa no valor de U$ 50 mil.
Segundo a direção do Grêmio, agremiação diretamente interessada no deslinde do julgamento, nas palavras de seu presidente, a instituição maior do futebol sul-americano teria se apequenado ao não punir o River Plate e reverter o resultado de campo, o que colocaria o clube gaúcho na final da Libertadores.
Para quem não acompanhou o caso, Gallardo, técnico do River Plate, estava suspenso quando da ocorrência da partida de volta da semifinal da Libertadores em Porto Alegre, não podendo comunicar-se com sua comissão técnica ou ter contato direto com sua equipe. Entretanto, em total desrespeito à sanção recebida, de forma descarada, utilizou radiocomunicador para contato com seu assistente técnico, tendo descido ao vestiário no intervalo do jogo no qual sua equipe acabou classificada para a final, após a virada ocorrida no segundo tempo, quando o time argentino, depois de estar perdendo por um gol de diferença, acabou vencendo pelo placar de 2 x 1.
Insatisfeito com o resultado de campo, o Grêmio ingressou com reclamação na Conmebol pedindo a eliminação do River Plate com base nos arts. 19, 56 e 76 do Regulamento Disciplinar do certame.
O resultado da ação tricolor você já conhece. Minha opinião sobre o resultado do julgamento? Foi injusto.
Em primeiro lugar, com todo o respeito aos profissionais que defenderam a agremiação gaúcha, não havia como ser revertido o resultado de campo em razão das atitudes do técnico Gallardo, em que pese estas devessem ser punidas de forma mais severa do que ocorreu.
Para a reversão do resultado de campo, o regulamento prevê, para o caso em estudo, o seguinte requisito: “fato grave” de uma das equipes envolvidas que “determine o resultado de uma partida” ou escalação indevida (art. 19, 1, e 56, 1, a e c).
O desrespeito do técnico à suspensão recebida não é fato determinante para o resultado da partida. A tentativa do Grêmio foi equiparar a atuação do técnico à escalação de um atleta de forma irregular, fato este que também conduz à reversão do resultado de jogo (art. 19, 3).
De outra sorte, técnico não é “escalado” para a partida, sendo essa hipótese cabível apenas para jogadores que participem efetivamente do jogo.
Prosseguindo, caso o regulamento entendesse que a escalação de jogador, de forma irregular, caracterizasse fato que determinasse o resultado de campo, por certo não haveria necessidade de estabelecer essa nova hipótese dentro do mesmo artigo que prevê a cláusula geral para a punição, como ocorre no citado regramento.
Imaginemos que a determinada lei preveja que todo automóvel que não estiver emplacado estará sujeito a multa. Não há necessidade de, em uma alínea seguinte, referir que um Corvette que não esteja emplacado também estará sujeito à mesma penalidade, pois seria redundante. Haveria necessidade de complementar o dispositivo caso estivéssemos nos referindo a veículo que não fosse um automóvel, mas uma motocicleta, por exemplo.
Dessa forma, somente haveria reversão de resultado de campo no caso específico de escalação de jogador de forma irregular (não há previsão para atuação de técnico suspenso, e esta não se equipara à “escalação”), o que não ocorreu, ou por ato do River Plate que determinasse o resultado de jogo, o que também não ocorreu. Nunca é demais lembrar que não é possível sanção sem que exista lei que a preveja. Assim, correta a decisão que não reverteu o resultado de jogo.
De outro modo, ainda que a reversão do resultado de jogo não seja possível, a sanção aplicada ao técnico Gallardo foi por demais branda, tendo em vista que este, deliberadamente, desrespeitou a punição recebida.
Principiologicamente, entendo que tem maior gravidade o descumprimento da pena do que a infração cometida que a tenha gerado. Não cumprir uma decisão é desrespeitar a autoridade e mandar a ela um recado claro de que se está acima da lei e que não é preciso cumpri-la. A autoridade máxima do futebol sul-americano deveria ter imposto penalidade capaz de impedir que o fato se repetisse, finalidade esta que, com todo o respeito, o número de jogos e o valor pecuniário imposto não atingem.
Por fim, não podemos esquecer que referido regulamento era conhecido de todos os clubes que participaram do certame, e, contra ele, jamais se opuseram ou pediram esclarecimentos sobre eventuais lacunas existentes. Os clubes, todos, sempre mais preocupados consigo mesmo do que com o esporte em si, somente reclamam de regulamento e federações quando são diretamente atingidos. Quando as atitudes, muitas vezes autoritárias e à margem da lei, das entidades que organizam o futebol atingem outras agremiações, silenciam e se omitem como se a lesão ao direito ocorrida nunca pudesse lhes atingir.
O Grêmio esteve sozinho no Paraguai! Primeiro, porque, quando estava acompanhado, antes do início da Copa Libertadores, não questionou o regulamento. No fim, porque os clubes continuam achando que o mal que atinge o adversário é o seu bem, e que jamais estarão em situação semelhante!
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Rodrigo Mussoi Moreira é advogado formado pela PUCRS com especialização em Direito Civil e Processo Civil pela Uniritter. Sócio do escritório Sieczkowski, Ulrich & Cirne Lima Advogados Associados, em Porto Alegre/RS.

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