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Galvez na Copinha: solidariedade, ética e planejamento

O ano futebolístico do Brasil começa com Copa São Paulo de Futebol Junior, conhecida como Copinha. Em 2019 a competição chegou à 50ª edição e contou com a participação de 128 equipes.

O Galvez, única equipe do Acre na competição, protagonizou um fato bastante pitoresco. A equipe fez campanha histórica e classificou-se para a segunda fase; entretanto, como não esperava se classificar, havia comprado as passagens antecipadamente e não tinha recursos para regressar. A volta da equipe para o Acre acabou sendo custeada pelo Palmeiras, que eliminou os acreanos na segunda fase.

Logo a história correu a internet, com destaque para o ato solidário do Palmeiras, que gastou mais de 40 mil reais para garantir as passagens de volta ao Acre.

Os jogadores do pequeno clube do norte do país, após o sonho da classificação, livraram-se do pesadelo de não terem como voltar à sua cidade por falta de recursos graças à compaixão do alviverde paulista.

Doutro giro, o custeio da volta por parte da equipe responsável pela desclassificação não traria conflito ético?

Para essas questões, a CBF dispõe de um Código de Ética que, no art. 8º, estabelece:

Art. 8º. As pessoas naturais enquadradas na presente Seção deverão adotar as seguintes regras de conduta:

(i) não solicitar ou aceitar, a qualquer momento, brindes ou quaisquer vantagens de entidades que possam influenciar suas decisões ou gerar conflito de interesses;

(…)

(iv) não apresentar comportamento que possa colocar em dúvida a independência e imparcialidade dos entes relacionados ao futebol, incluindo manifestações em redes sociais.

Em tese, pode-se entender ter havido conflito de interesses quando a equipe desclassificada recebeu recursos financeiros de seu carrasco a ensejar dúvida sobre o resultado da partida.

Pode-se aplicar a máxima da “mulher de César”, ou seja, não basta ser honesto, tem que parecer honesto.

Vale dizer que o artigo 19, por seu turno, assim estabelece:

Art. 19. É proibido oferecer vantagem econômica com vistas a manipular o resultado de jogos ou de competições.

Por outro lado, o mesmo Código de Ética, no art. 2º, assim dispõe:

Art. 2º Constituem preceitos que orientam o futebol brasileiro e que devem ser observados por todos aqueles que dele participam, direta ou indiretamente:

(i) O futebol deve ser gerido de forma a promover o desenvolvimento social e a redução de desigualdades econômicas e regionais, devendo ser associado a projetos sociais e educacionais que visem essas finalidades;

Não estaria o Palmeiras, após ganhar desportivamente a partida, auxiliando o projeto social do Galvez e promovendo o desenvolvimento social e a redução das desigualdades sociais?

Portanto, o Estatuto de Ética da CBF pode trazer fundamentos para entendimento de infração ética ou de cumprimento de diretriz ética, de acordo com uma melhor investigação dos fatos e a interpretação dos conselheiros.

De toda forma, independentemente do entendimento, o caso Galvez escancara a necessidade de um real projeto de planejamento para inserção das equipes do Norte do país e dos locais menos desenvolvidos futebolisticamente nos certames nacionais.

O Galvez saiu do Acre com as passagens de volta compradas e sem possibilidade de remarcação, ou seja, as adquiriu nas tarifas mais baixas possíveis, que não admitem remarcação, decerto por não possuir recursos.

Marcou a volta, ainda, com a certeza da eliminação na primeira fase, e a alegria da classificação veio acompanhada do medo de não conseguir voltar.

Se, por um lado, tem-se uma linda história de superação e altruísmo, tem-se, também, a assunção do grande risco de deixar 20 jovens literalmente na rua e a quilômetros de casa.

Quantos “Galvezes” atravessam o país em busca de sonhos? Quantos “Galvezes” não chegaram ao conhecimento público porque foram eliminados nas primeiras fases da vida?

Se, de um lado, há imensa falta de planejamento, por outro há a ousadia típica do brasileiro, que é capaz de desembolar os mais complicados novelos e, como diz a música do eterno Gonzaguinha, é aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro
e, apesar dos pesares, ainda se orgulha de ser brasileiro¹.

Temos que acreditar, promover e investir na rapaziada para que a falta de planejamento do futebol brasileiro não se torne tão arriscada para a formação dos futuros atletas.

Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada
……….
¹ Acredito na Rapaziada (Gonzaguinha).

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