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Games matam?

A imprensa noticiou que o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, teria associado games à violência nas escolas, numa suposta crítica aos jogos que retratam armas, luta, tiro, mortes e comportamentos violentos.

Esse tema não é novo. A tragédia de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999, trouxe tal problemática à tela. Discussões em torno do jogo Mortal Kombat são ainda anteriores, datando de 1992/1993, pois a violência retratada no Fatality – uma das formas de finalizar o combate – era tão gritante a ponto de resultar numa espécie de CPI no Senado norte-americano, finalizada em 1994. O resultado foi a criação do rating, isto é, da classificação indicativa que até hoje é utilizada pela indústria de jogos para recomendar a faixa etária e o conteúdo envolvido.

Ok. Afinal, games matam?

A resposta vale um milhão de dólares. O debate é extenso e existem opiniões para todos os lados, de fundado cunho médico, psicológico e social.

Contudo, o que é certo é que o tratamento dado pelo Presidente da República é midiático e raso, nada contribuindo ao debate. Ao contrário, não é raro que políticos se utilizem de tal narrativa para desviar o foco dos problemas fundamentais que alimentam o comportamento violento em diversos níveis e nichos sociais.

Com efeito, a sociedade é exaustivamente alimentada com noticiário de comportamentos violentos, criminalidade e desvios de conduta. Há programas de televisão que se dedicam, vaziamente, a expor crimes e mais crimes, sob o suposto viés de que estariam prestando um (des)serviço à população em geral, quando em verdade exploram, com sensacionalismo, as feridas decorrentes das desigualdades econômicas e dos diferentes Brasis dentro de suas violentas metrópoles.

Assim, é leviano e pouco saudável imputar aos videogames a culpa pela violência que assombra a sociedade contemporânea e que resulta, tristemente, em massacres como do de Suzano, por exemplo, cuja ocorrência guarda clara similitude à tragédia de Columbine, mencionada no início deste texto.

Aliás, a sociedade brasileira é profundamente alimentada por hábitos advindos da cultura norte-americana. O brasileiro consome a norte-americanização há décadas, com frequência, sem sequer perceber. Fast food, esportes, filmes, costumes, roupas, turismo, religião e políticas públicas (war on drugs, por exemplo, é uma política global de combate ao tráfico de drogas encabeçada pelos EUA e amplamente reproduzida no Brasil), dentre outras práticas.

Natural que comportamentos positivos e negativos sejam absorvidos pela sociedade brasileira. Mesmo as Fake News, cujo mal é imensurável, se revelam um fenômeno global, mas que ganhou muito destaque na conturbada campanha presidencial norte-americana de 2016 entre Hillary e Trump.

Assim, o combate à violência nas escolas e na sociedade em geral não se resolve numa singela e, até mesmo, desprovida de embasamento científico, cruzada contra os games e sua riquíssima (na positiva acepção da palavra) indústria.

Não se pode ignorar, por outro lado, que o Estado – e os próprios pais, mães e responsáveis legais por crianças e adolescentes – observem e alertem acerca de conteúdo potencialmente danoso. Isto não se limita aos games, mas a toda forma de veiculação de informações, de um simples grupo de Whatsapp à navegação na Web, acesso a programas televisivos e jornalísticos, filmes, séries, documentários em geral.

O Estatuto da Criança e do Adolescente impõe, por exemplo, uma incipiente obrigação de advertência de conteúdo e comercialização lacrada de publicações que contenham material impróprio a crianças e adolescentes, o que perfeitamente se aplica aos games.

Não se trata, frise-se, de censura. Trata-se de informação, prevenção, controle parental e, sobretudo, de políticas afirmativas.

Nesse espectro, não compete ao Presidente da República se limitar a bravatas vazias, em reuniões ministeriais, como noticiado pela imprensa, mas exigir de seus Ministros e de órgãos públicos e privados correlatos o diálogo e a construção, com embasamento científico, e práticas voltadas, ainda que minimamente, à mitigação da violência nas escolas e na sociedade em geral.

Vale aqui, trazer o exemplo de Andorra, pequeno país europeu que deixou de lado bordões defasados e pensamentos distantes da realidade social e editou uma vanguardista legislação sobre games e eSports – Lei 8 de 2021[1] –, cujo texto prevê a criação de uma comissão interministerial, vinculada ao Ministério da Economia local, composta por membros dos Ministérios da Saúde, do Esporte, da Casa Civil e do Interior. O objetivo desta comissão é olhar para o setor dos games, de modo técnico, e propor melhorias que possam permitir o desenvolvimento saudável da atividade econômica, em plena cooperação com as empresas que nele operam.

Portanto, é leviano e controverso dizer que games matam. Ao revés, é importantíssimo que o Governo Federal deixe de lado as retrógradas bravatas midiáticas que tem lançado sobre os games e eSports e passe a seguir exemplos de países vanguardistas, alinhados à contemporânea dinâmica social.

Crédito imagem: CsGO

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[1] https://www.consellgeneral.ad/fitxers/documents/lleis-2021/llei-8-2021-del-29-d2019abril-d2019esports-electronics

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