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Garcia x Davis e a cláusula da não-reidratação no boxe

Depois de anos de expectativa, dois dos lutadores mais empolgantes e populares do boxe na atualidade ficaram frente a frente diante de um público de 20.842 pessoas, com o tricampeão de cinco divisões Gervonta Davis (29-0, 27 KOs) saindo vitorioso depois de acertar uma potente mão esquerda no corpo que causou uma reação retardada de Ryan Garcia (23-1, 19 KOs) e acabou levando-o ao nocaute técnico.

Enquanto o árbitro Thomas Taylor realizava a contagem, Garcia tentou se levantar, mas sentia dores visíveis e foi considerado derrotado aos 1:44 do round. A vitória marcou quatro nocautes consecutivos para Davis, que detém o título dos pesos leves da WBA, além de conquistas anteriores nos pesos superpena e superleve.

Gervonta Davis vs Ryan Garcia foi umas das lutas mais antecipadas dos últimos anos, pois ambos os lutadores – carismáticos e cheios de seguidores em redes sociais – estavam ávidos para se enfrentar por um longo tempo.

Como Garcia está na divisão dos superleves, ambos foram colocados sob uma cláusula de hidratação para uma suposta luta justa.

De acordo com a cláusula de reidratação, Ryan Garcia não podia pesar mais do que 146 libras no dia da luta. Isso colocaria os dois lutadores na mesma categoria de peso.

Durante o século XIX e novamente no início do século XX, a popularidade do boxe provocou a formação de divisões de peso para eliminar a desvantagem de competidores menores terem de ceder peso excessivo a seus oponentes. Algumas dessas divisões de peso tiveram origem nos Estados Unidos, outras na Grã-Bretanha.

Como as regulamentações melhoraram desde a década de 1920, as mortes no boxe caíram significativamente.

No entanto, há um ponto que une as mortes no ringue de boxe e as lesões cerebrais traumáticas: o ato de cortar peso.

O corte de peso é quando um lutador se desidrata antes de um combate para pesar uma quantidade acordada pré-luta. As pesagens são feitas 24 horas antes da luta e alguns atletas costumam “cortar” de 10 a 15 libras antes da pesagem para ganhar peso.

Em geral, esses cortes de peso podem deixar o lutador entorpecido devido ao intenso processo para se chegar à categoria definida no contrato.

A opinião geral é que o corte de peso é um problema que todos os envolvidos em esportes de combate conhecem, mas sobre o qual não se encontra solução perfeita, pois seria extremamente difícil para os promotores/órgãos governamentais controlar o peso de cada lutador e, se um deles conseguir explorar o corte de peso, os demais terão de fazer o mesmo para equilibrar o campo de jogo.

Uma coisa é que, se um lutador se pesa oficialmente no dia acima do limite, isso deixa o oponente em uma posição em que ele está claramente em desvantagem e pode cancelar a luta.

Em 1983[1], ocorreria uma luta de unificação dos pesos-leves marcada entre Eddie Mustafa Muhammad e Michael Spinks, e Muhammad pesou 180 libras, 5 libras acima do limite.

Foi sugeriu então por Muhammad que a luta não fosse pelo título, mas Spinks ficou furioso, pois ele fez os sacrifícios necessários para atingir o peso, achando que Muhammad também deveria ter feito o mesmo e, por isso, a luta foi cancelada.

Essa era uma luta muito importante, mas nunca aconteceu de fato, o que fez com que os patrocinadores e as empresas de TV perdessem muito dinheiro e, depois disso, foi decidido que as pesagens seriam realizadas no dia anterior e que os lutadores poderiam se reidratar durante a noite para reduzir esse risco.

Embora algumas vezes existam cláusulas de reidratação nos contratos de luta e outras vezes os lutadores possam chegar a pesos ridículos na noite da luta, eles nem sempre são obrigados a fazer uma segunda pesagem, o que os deixa livres para pesar muito mais no ringue que o acordado.

Para a desidratação extrema que ocorre durante um corte de peso de 24 horas sem o uso de uma injeção intravenosa, que é proibida na maioria dos estados norte-americanos, simplesmente não há tempo suficiente para se reidratar adequadamente.

Os boxeadores entram nas lutas desidratados, o que os deixa muito mais vulneráveis a uma lesão cerebral traumática.

Como um esporte com muito dinheiro em jogo que pode mudar vidas, os lutadores levam o corte de peso ao extremo para obter uma vantagem. E um prazo de 24 horas para a pesagem incentiva cortes extremos de peso.

Os esforços mínimos de criar mais classes de peso e limitações sobre quanto peso os lutadores podem recuperar até a hora da luta não desincentivaram tal prática.

O boxe já é um esporte perigoso, portanto, proteger os lutadores de perigos desnecessários tem sido a lógica por trás da criação de comissões atléticas, da implementação de testes de drogas, do uso de luvas e dos requisitos de segurança nos eventos.

Crédito imagem: Ryan Hafey/Premier Boxing Champions

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REFERÊNCIAS

RODRIGUEZ, Robert G. The regulation of boxing: A history and comparative analysis of policies among American States. Carolina do Norte, EUA: McFarland & Company, Inc., Publishers, 2009. ISBN 978-0-7864-3862-4.

[1] REMNICK, David et al. Muhammad Too Heavy. In: Washington Post. Site, 16 jul. 1983. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/archive/politics/1983/07/16/muhammad-too-heavy/46a710d7-569a-4008-a016-a824c2b6cdd9/. Acesso em: 30 abr. 2023.

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