Mais uma competição de olimpíadas se passou, muito se noticiou em diversos canais midiáticos sobre os gestos dos atletas durante as atividades em jogos e manifestações durante a concentração para competir. Tema que remonta a velha polêmica das vedações do art. 50 da Carta Olímpica.
O art. 50, n. 2, é amplo, porém clarividente no sentido de o Comitê Olímpico Executivo vedar quaisquer demonstrações ou propagandas em qualquer área dos jogos que sejam políticas, religiosas ou raciais, sob pena de sanções disciplinares das mais diversas aos atletas e delegações competidoras, que podem ser de advertência até desqualificação com a consequente perda de posição e medalha olímpica.
Consoante está-se diante de um tema extremamente controvertido, inicia-se pelo nicho religioso, abordando o gesto de Rayssa Leal (apelidada de Fadinha). Os jogos olímpicos são épocas de manifestação desportiva máxima de um atleta de alto rendimento em sua modalidade desportiva, ao praticar a sua atividade em busca do pódio pode ser natural para alguns que a sua dimensão espiritual e religiosa aflore imediatamente no início ou fim da prática desportista, pois enquanto seres humanos os competidores podem acreditar que forças divinas os ajudem bastante no ciclo de competição e de vitória, se for o caso.
Portanto, no caso da skatista Rayssa Leal o seu gesto em libras sobre acreditar numa vertente religiosa cristianista mais pareceu um extravaso de alegria, conquista que teria sido possível com a ajuda de sua entidade maior (Deus), aquilo que ela acredita e põe em identificação para os espectadores que creem no mesmo segmento religioso. Parece forçoso necessariamente interpretar que haveria uma manifestação de intolerância, de repúdio e supremacia religiosa, na medida em que inocorre qualquer sinal neste rumo, apenas existiu uma expressão feliz e introspectiva de uma atleta que se esforço muito, mas entende que sem a sua entidade superior (Deus) não haveria conseguido o pódio, bem como a sua caminhada na vida.
Sendo assim, a advertência do COI (Comitê Olímpico Internacional) ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) sobre a referida skatista é axacerbado, seja com a revisão ou não do art. 50, n. 2, da Carta Olímpica, violando tratados de Direito Humanos que pregam a convivência e respeito mútuto entre as religiões e não exclusão de algumas em detrimento de outras ou todas elas (arts. 2, n. 1, 18, da Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH; arts. 1, n. 1, 12, do Decreto n. 678/92-Convenção Americana sobre Direitos Humanos; art. 9o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem-CEDH).
Sobre o gesto/manifestação daquilo que seria político/religioso, como no caso da afegã breaker sinaliza em um tecido em forma de asas a aspiração de liberdade para as mulheres do Afeganistão, assim como a sinalização com as mãos da boxeadora do Congo a almejar o fim da violência, extermínio contra as mulheres na guerra civil de seu país, parece também bastante possíveis tais denúncias para o mundo, na medida em que o art. 50, n. 2, nem descreve questões de discriminação de gênero, e tais atitudes das jogadoras são expressões de defesa humana das mulheres, o que mais se compactua com os tratados de direitos humanos, a reforçar alguns documentos do próprio COI sobre a não discriminação de gênero (arts. 2, n. 1, 18, 19, da Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH; arts. 1, n. 1, 11, 12, 13, do Decreto n. 678/92-Convenção Americana sobre Direitos Humanos; art. 9o , 10o, 14o, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem-CEDH).
Mais uma vez, apenas em interpretação acentuadamente forçosa, adentraria-se no campo político religoso no tocante ao país Afeganistão, atualmente dominado pelo regime talibã (fundamentalista religioso), e em espectro político referente ao Congo. Nesses termos, entende-se incabível a sanção severa de desqualificação da afegã dos jogos olímpicos, mesmo que ela não tenha alcançado tecnicamente a qualificação para prosseguir na competição.
Por outro lado, tomando-se como exemplos os gestos/manifestações da técnica ginasta húngara e do vídeo da jogadora britânica de rugby, em que a primeira teria realizado um sinal com a mão direita que atualmente representa um duplo sentido, “ok” ou “supremacia branca (white power)” e que a segunda teria falado em vídeo postado em rede social, “se estivesse disputando com negras teria mais chances de vitória”, parece uma infração frontal ao art. 50, n. 2, da Carta Olímpica, nas vertentes raciais e políticas.
Parece, pode ter sido, conduta a ser investigada, na ocasião da treinadora ginasta, uma vez que naquele país ainda pode ser comum dos costumes utilizar tal atitude gestual com a mão direito para expressar “tudo correu bem”, embora seja algo demoder, ultrapassado, que fôra bastante utilizado no mundo ocidental nos idos dos anos 80’. Por outra dimensão, se o ato foi com a intenção de transmitir um significado mais atual de “supremacia branca (white power)”, a praticante da conduta deve ser rispidamente punida, pois teria perfeitamente incorrido na tipificação do art. 50, n. 2, no critério da não discriminação racial (arts. 2, n. 1, 7, da Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH; arts. 1, n. 1, 4, 5, 11, 24, do Decreto n. 678/92-Convenção Americana sobre Direitos Humanos; art. 14o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem-CEDH).
Em referência a jogadora britânica, comprovado o vídeo postado em rede social, partindo de sua pessoa, é inescusável a violação do art. 50, n. 2, já que resta claro neste verbete da Carta Olímpica a impossibilidade de qualquer gesto/manifestação de cunho discriminatório e racial, seguindo o padrão das normas internacionais e nacionais de direitos humanos fundamentais (arts. 2, n. 1, 7, da Declaração Universal dos Direitos Humanos-DUDH; arts. 1, n. 1, 4, 5, 11, 24, do Decreto n. 678/92-Convenção Americana sobre Direitos Humanos; art. 14o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem-CEDH).
Por fim, o art. 50 da Carta Olímpica não deve deixar de existir para que se possa manter uma estabilidade competitiva universal, sem instabilidades no transcorrer dos jogos, porém, as interpretações dos órgãos disciplinares do COI é que precisam atuar de maneira menos rígida e mais conexa com a realidade dos direitos humanos, sob pena de estar-se a fantasiar um mundo que não existe ou a entendê-lo como “maravilhoso: cheio de guerras, de discriminações diversas e com miséria em certos rincões”.
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