Pesquisar
Close this search box.

Grande time do ano, o Flamengo ainda não soube lidar com maior tragédia

O Flamengo merece todos os aplausos pelo que fez no campo neste segundo semestre, e pelo que tem feito como clube nos últimos anos. Mas essa euforia não pode esconder um erro que o clube insiste em não corrigir.

Tem algo de que não se pode abrir mão nunca, em nenhum tipo de negócio: a reputação.

E ela é construída com seriedade, ética, mas também com responsabilidade social.

No início do ano o Flamengo viveu uma tragédia. Depois de um incêndio no alojamento do Centro de Treinamento da base do clube, morreram dez jovens atletas. O presidente do clube, Rodolfo Landim, definiu o caso “como a maior tragédia dos 123 anos de história do rubro-negro”.

Completando 10 meses da tragédia, ainda não houve acordo com sete das famílias das vítimas. O Ministério Público pede R$ 2 milhões de indenização para cada família; o clube alega que o valor é exorbitante e não aceitou a oferta. Vale lembrar que o cálculo da indenização é feito com base em uma “projeção de carreira”, algo que no direito civil é tratado como direito de indenizar por “perda de chance”, e está regulado no nosso Código Civil.

No início do mês, em decisão assinada pelo juiz Arthur Arthur Eduardo Magalhães Ferreira, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Flamengo ficou obrigado a pagar uma pensão mensal de R$ 10 mil para cada família das vítimas fatais do incêndio no Ninho do Urubu. A decisão foi proferida em caráter liminar. O valor deve ser pago até que saia a decisão final do imbróglio envolvendo clube e familiares das vítimas. A ação foi formulada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O clube já avisou que vai recorrer, alegando que “… é um direito constitucional. Não reconhecemos o direito de eles [Ministério Público] em entrar com a ação [para representarem as famílias]”, nas palavras do vice-presidente jurídico, Rodrigo Dushee.

A discussão aqui não é jurídica. É sobre escolha. É sobre postura. É sobre compromisso.

Para mim, é claro, e óbvio: não se paga a ninguém pela morte de um filho. A perda é incalculável. O direito se esforça a fim de fazer uma matemática para tentar colocar um pouco de lógica na questão, em um exercício de imaginação de um ganho futuro. A ideia é, pelo menos, aliviar o prejuízo financeiro da perda.

O Flamengo insiste em negociar com algo que não se negocia: o valor de uma perda irreparável.

O clube não soube, desde o fatídico 8 de fevereiro, lidar com a tragédia. O advogado especializado em gestão Nilo Patussi escreveu à época para o Lei em Campo que “o Flamengo não estava preparado para lidar com um caso como esse. Nem com mecanismos internos de controle de riscos, nem com um procedimento adequado de gestão de crise”. A gestão profissional também passa por aí.

Depois de uma tragédia dessas, é fundamental lidar com os danos. E o dinheiro funciona não para pagar uma dívida que não tem preço, mas para mostrar o sentimento, a dor compartida, assumir o erro, pedir desculpas, se posicionar de maneira honesta diante do fato.

Calcular nessa hora não é tratar o caso como ele merece. E isso fica pior quando o clube mostra que dinheiro não é um limitador para essa negociação.

O Flamengo investiu cerca de R$ 50 milhões para ter Arrascaeta, que era do Cruzeiro. Pagou quase esse valor para tirar Gérson da Roma. Trouxe também reforços importantes, jogadores que poderiam continuar atuando nos principais clubes do mundo, como Felipe Luis e Rafinha.

Uma coisa não tem nada a ver com a outra? Tenho certeza de que todo torcedor do Flamengo, que ama seu clube e também se preocupa com sua administração e história, sabe que tem.

Investir no futebol, com o clube saudável financeiramente, é uma escolha legítima de qualquer direção. Esse não é o problema. É até um dever de um clube que tem como natureza o espírito competitivo, e uma história de conquistas para honrar.

O problema é deixar de colocar dinheiro em outra questão que também é urgente, a responsabilidade social. A reputação do clube.

Não faça contas. A matemática é bem simples nesse caso. O Flamengo teria que pagar os R$ 14 milhões para as sete famílias que ainda irão sofrer com o absurdo de uma perda precoce por toda a vida. Teria ainda um valor mensal de 10 mil reais. Seria mais do que os acertos que se tem visto com o poder público em tragédias parecidas, como na boate Kiss por exemplo. Seria.

Outro clube, sem dinheiro em caixa e mal administrado também teria outro tipo de negociação.

E o Flamengo não deve negociar. Nem precisa. Este é um valor possível para um clube que tem dinheiro, história, torcida e uma reputação a zelar.

Afinal, o Flamengo será sempre o time da massa.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.