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Guerra na Ucrânia abre paradoxo no esporte: direitos humanos x direitos humanos. O juiz será o TAS

A Guerra na Ucrânia nos expõe ao absurdo. Diante da derrota da humanidade, não existem soluções mágicas. Caminhos encontrados pelo esporte para se posicionar contra a decisão da Rússia e provocar pressão interna na tentativa de ajudar a acabar com as bombas são inéditos, e atingem não só o país, como entidades associativas e atletas. As decisões diante do caos provocam também um paradoxo: na proteção à vida, o movimento esportivo agride outros direitos fundamentais.

E nesse caminho difícil e com muito mais interrogações do que respostas, o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) será protagonista

Cada vez mais o Tribunal Arbitral vem se consolidando como referência jurídica dentro da cadeia esportiva, ganhando legitimidade e aceitação de cortes estatais. Entendendo a importância dos regulamentos esportivos, mas avançando na compreensão de que eles precisam dialogar com princípios de direito, direitos fundamentais e humanos, ele vai criando uma jurisprudência cada vez mais forte, que tem servido também como inspiração para caminhos legislativos.

Foi a partir dessa leitura, por exemplo, que atletas transexuais têm conquistado o direito de competir, que atletas intersexuais como Dutee Chand acabaram com uma verificação de sexo absurda e puderam disputar as Olimpíadas do Rio, que atletas muçulmanos têm conseguido competir sem abrir mão de sua fé.

E esse olhar, em atenção ao que dizem tratados internacionais de direitos humanos, ao que determina a Convenção Europeia de Direitos Humanos e as próprias decisões de Tribunais internacionais de direitos humanos, tem sido decisivo para que suas decisões sejam cada vez mais legítimas.

E isso estará em pauta na discussão atual.

Esqueça a muito comentada “incoerência do movimento esportivo diante de outras guerras”. Erros não podem ser escudos para a perpetuação do absurdo. E por mais que a equidade seja um princípio basilar da hermenêutica jurídica, não podendo ser renegada a depender da conveniência dos agentes envolvidos, uma nova rota é sempre possível.

Precisamos nos concentrar no que estará em jogo. O movimento esportivo pode banir um atleta pela sua nacionalidade? Pode proibir alguém de trabalhar por causa de uma guerra em que ele também é uma vítima? E, mais, uma federação internacional pode obrigar um atleta a se manifestar contra a guerra colocando em risco a vida de pessoas como condição de elegibilidade?

O caso do tenista Medvedev é importante.

Foi notícia que o atual líder do ranking mundial de tênis masculino, o russo Daniil Medvedev, corre o risco de ficar de fora do torneio de Wimbledon, que será realizado entre o final de junho e começo de julho, caso não se manifeste contrário ao presidente de seu país, Vladimir Putin, por conta da invasão militar na Ucrânia.

Em um comitê do parlamento britânico, o ministro dos esportes, Nigel Huddleston, foi questionado sobre a participação do tenista em Wimbledon e respondeu dizendo que “alguns requisitos estão sendo considerados”.

Por enquanto, atletas russos e bielorrussos estão autorizados a disputar os torneios da ATP e da WTA, porém, somente sob a bandeira neutra (sem o nome e bandeira de seus países).

Assim como Medvedev, vários atletas russos estão sendo proibidos de trabalhar e tendo vários direitos atacados por conta da guerra. Muitos deles são contrários à invasão e nenhum deles participou da decisão de avançar com tanques.

No necessário posicionamento do esporte contra a guerra, assumindo o papel que tem de pressão, como outros organismos internacionais e transnacionais, ele precisa respeitar alguns limites ou não?

Claro que a punição aos países em face à guerra deveria atender a ampla defesa e ao contraditório. E assim, inclusive, eles poderiam se manifestar a respeito da guerra. O esporte deve sempre ser instrumento de incentivo aos direitos humanos. Impedir nações que decidem violar os direitos humanos pode até ser uma ferramenta de combate, porém essas decisões precisam ter critérios transparentes. E entender o caso dos atletas nesse momento passa a ser crucial.

Os casos se tornarão brigas jurídicas e o TAS terá que dizer se atletas como Medvedev também terão que pagar por um erro cometido pelo presidente do seu país. Ou se, mesmo diante da necessidade de se posicionar a favor da vida e contra o absurdo da guerra, o esporte não pode esquecer da proteção de direitos humanos. Numa guerra, não existe caminho fácil.

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