Desde a promulgação da Lei 14.193/21, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol, diversas discussões sobre o modo de quitação das obrigações se revelaram.
O art. 13 da Lei da SAF prevê o modo como o clube ou pessoa jurídica original poderá de quitar suas obrigações, possibilitando o pagamento direto aos credores; concurso de credores por meio do Regime Centralizado de Execuções previstos na própria Lei 14.193/21; ou por meio de recuperação judicial ou extrajudicial.
O caput do art. 13 produziu o entendimento de parte dos juristas que por clube entende-se toda entidade desportiva, a despeito do regime jurídico adotado, sendo esse critério de crucial relevância para aplicação da referida legislação, e o ponto nevrálgico do debate.
Para avivar a discussão sobre o tema, decisões do TRT 2ª Região, Processo da Associação Portuguesa de Desportos), TRT 1ª Região (processo do Fluminense Futebol Clube), do TJSC (processo do Avaí Futebol Clube) reforçando a possibilidade de dissociar a interpretação da Lei da SAF, aplicando-a às entidades que não se constituíram (e sequer pretendiam) em SAF.
Em vista a tutelar os princípios da efetividade da execução, da eficiência administrativa (art. 37, caput, CF), da razoável duração do processo ao credor (art. 5º, LXXVIII, CF), da cooperação judiciária, da economia processual, a necessidade de preservar a função social da empresa e das entidades de prática desportiva, e a premência do crédito trabalhista, além de preservar “a essência conciliatória da Justiça do Trabalho como pacificação social”, e a busca por maior segurança jurídica quanto aos Procedimento de Reunião de Execuções (PRE), a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho publicou o Provimento CGJT nº 01, de 19 de agosto de 2022, para uniformizar o posicionamento dos Tribunais Regionais sob o aspecto da constituição da Sociedade Anônima do Futebol.
Além de prever um modelo de Regime Centralizado de Execuções próprio, a Lei nº 14.193/2021 dilatou os prazos para quitação de dívidas trabalhistas em relação ao que dispõe o Procedimento de Reunião das Execuções na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.
Na pretensão de tornar os “mais eficazes e menos onerosos”, a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho determinou, por meio do aludido Provimento, em seu art. 153, que o Regime Centralizado de Execuções da Lei nº 14.193/2021 destina-se única e exclusivamente aos clubes (associação civil dedicada ao fomento e à prática do futebol – art. 1º, §1º, inc. I), e a pessoa jurídica original (sociedade empresarial dedicada ao fomento e à prática do futebol – art. 1º, §1º, inc, II), que tenham constituído a Sociedade Anônima do Futebol pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol (art. 2º, II).
O provimento empreendido partiu do “Grupo de Trabalho para estudos e atualização sobre a reformulação e aprimoramento dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho que tratam da reunião de execuções no âmbito da Justiça do Trabalho”, instaurado pelo Ato nº 17/CGGJT/28.03.2022.
O papel da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, vale citar, é fiscalizar, disciplinar e orientar questões administrativas dos tribunais regionais do trabalho, orientados por meio de Regimento Interno. Em vista disso, parte da competência da CGJT é “expedir provimentos para disciplinar os procedimentos a serem adotados pelos órgãos da Justiça do Trabalho, consolidando, inclusive, as normas respectivas”.
Ainda, vale citar a disposição dos parágrafos e artigo consecutivo ao citado artigo do Provimento, que assim determinam:
§ 1º A Sociedade Anônima do Futebol que tenha interesse na elaboração e execução de plano para pagamento do passivo trabalhista observará a disciplina de procedimento de reunião de execuções prevista para os demais devedores (PEPT), sendo vedada a utilização das regras previstas nesta Subseção, independentemente de os clubes ou pessoas jurídicas originárias serem beneficiados, ou não, pelo regime de RCE.
§ 2º Quando se tratar de entidade de prática desportiva constituída nos termos do art. 2º, II, da Lei nº 14.193/2021, para efeitos de PRE, deverá ser apresentado o fluxo de caixa e a sua previsão por 3 anos, bem como indicadas as receitas ordinárias e extraordinárias, incluindo todas as formas de ganho de capital.
§ 3º O plano de concurso de credores do clube ou pessoa jurídica original, mencionados no caput deste artigo e que tenham optado pelo RCE do art. 13, I, da Lei nº 14.193/2021, deverá apresentar, como condição para aprovação, pagamentos mensais, nos termos dos arts. 10, I, e 15, § 2º, da citada lei, sem prejuízo de outras rendas próprias.
§ 4º Nos termos da Lei nº 14.193/2021, não haverá responsabilidade jurídica da SAF em relação às obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a tiver constituído, sejam elas anteriores ou posteriores à data da sua constituição, salvo quanto às atividades específicas do seu objeto social, respondendo pelas obrigações a ela transferidas na forma do § 2º do art. 2º da aludida lei, hipótese em que os pagamentos observarão o disposto nos arts. 10 e 24 da referida lei. Art. 153-A. O RCE é incompatível com o regime de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, sendo que, constatado requerimento nesse sentido, anterior ou posterior ao RCE trabalhista, este último não será deferido ou será extinto perante o respectivo Tribunal Regional.
O tema fora amplamente discorrido em diversos espaços no Lei em Campo, tal como o prazo e os requisitos para o requerimento da centralização das execuções (art. 15 e 16 da Lei da SAF), e a ordenação do pagamento e critérios de preferência (art. 17).
Para o momento, importa reforçar a interpretação do art. 14 da Lei 14.193/21, e sua valorosa menção ao art. 10, ao determinar que o clube ou pessoa jurídica original que opte por pagar suas obrigações por meio de concurso de credores por intermédio do Regime Centralizado de Execuções, deverá concentrar as suas execuções em juízo centralizado, distribuindo as receitas e valores arrecadados “por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente”.
Em linha com o teor do Provimento da CGJT, a acepção da lei se opera em convergência com a pretensão do legislador, fato este denominado pela hermenêutica como método teleológico de interpretação da lei, sendo esse formato de interpretação jurídica imprescindível para compreender o desígnio legislativo e a necessária adequação de sua aplicação.
A interpretação teleológica visa a finalidade da norma, a razão desta existir. Nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências comuns”.
Criada pelo doutrinador alemão Rudolf Von Ihering, o método teleológico de interpretação da lei demanda a pretensão e as razões que guiaram a produção da norma, sendo o norteada pela finalidade desta.
A Lei da SAF criou oportunos mecanismos para equacionar os passivos das entidades de prática desportiva previstos na Lei da SAF. Vale citar os meios de financiamento, vedação de qualquer forma de constrição ao patrimônio ou as receitas do clube ou pessoa jurídica original, sendo dispositivos pensados para preservar a atividade econômica da entidade, e com isso, assegurar a obtenção de receitas capaz de garantir a posterior distribuição aos seus credores, sem desmantelar de vez as finanças das agremiações.
O Direito prevê mecanismos para afinar a interpretação legislativa e afastar a temida insegurança jurídica. Tal como quando ocorre antinomias ou possível conflito aparente de normas, sobreleva-se o princípio da especialidade, que impõe que a norma especial prevalece sobre a norma geral, afastando a aplicação daquilo que confronta da lei especial, aplicando somente subsidiariamente quando necessário para integrar o Direito.
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho reinseriu a lei ao seu propósito. Dentre os atrativos da Lei da SAF (responsabilidade corporativa, governança, profissionalização), o modo de obrigação das dívidas previsto para a SAF volta a somar a lista de vantagens e atrativos da Sociedade Anônima do Futebol, cumprindo o intento para qual foi escrito.
O regimento unificado e a concentração das dívidas judicialmente reconhecidas em um juízo centralizador contribuem com a premente gerência do passivo judicial para que, em paralelo, seja reorganizada a distribuição das receitas e valores arrecadados aos credores.
O eloquente parecer empenha a interpretação teleológica no tocante ao tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas estabelecido na Lei 14.193/21, examinando seus institutos em linha com a objetividade precípua da lei. O modelo de RCE, especificamente previsto na Lei da SAF, como não podia deixar de ser, destina-se às entidades que se constituírem neste formato jurídico.
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