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Hormônios, direitos e princípios

O Tribunal Arbitral do Desporto, de Lausanne (CAS), validou a regulamentação da IAAF que impõe a atletas como Caster Semenya que se mediquem para reduzir os níveis de testosterona produzidos naturalmente pelo seu corpo, de molde a serem elegíveis a participar em determinadas competições de atletismo.

Para mim, tal viola a reserva da vida privada. Põe em causa a autodeterminação da identidade do gênero e expressão do gênero. Coloca em crise o direito à proteção das características físicas/sexuais. Afronta o direito ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade humana, inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Estigmatiza, marginaliza atletas que, pela sua condição física, são mais vulneráveis, no desrespeito pela dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do Olimpismo, constante da Carta Olímpica.

Afronta o direito ao desporto, ao restringir, a meu ver, de forma arbitrária, desproporcionada (ainda que, claro, a ética desportiva, a integridade das competições, sejam, por si, fundamentos bem razoáveis), a elegibilidade para participação de certas mulheres em determinadas competições (não todas as competições, o que também não será despiciendo…). Ora, a Carta Olímpica, texto a que as federações internacionais devem obediência, enquadra a “prática desportiva” como “um direito humano”, que não deve ser objeto de “discriminação de qualquer tipo”. Também a Carta Internacional da Educação Física e do Desporto da Unesco consagra o desporto como “um direito fundamental de todos”, dando na sua nova versão ainda mais enfoque a esse direito no prisma do princípio da igualdade, na vertente da não discriminação.

Mais: há aqui uma discriminação em razão do gênero, em regras que se focam na elegibilidade … das mulheres, em competições … de mulheres, no hiperandrogenismo … feminino. Ora, uma das mais importantes convenções de direitos humanos da ONU, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, prescreve que a igualdade entre homens e mulheres pressupõe as mesmas possibilidades de participar ativamente nos desportos.

Se Semenya é um exemplo de hiperandrogenismo, tal se deve ao fato de o seu corpo produzir um nível excepcionalmente alto de testosterona, mas de forma natural. Ora, se um atleta não é responsável por violação de normas antidopagem quando se demonstre que os níveis da substância proibida no seu corpo são produzidos endogenamente, por que razão se “punem” as atletas intersexo por idêntico motivo? Valerá a pena reler outro acórdão do CAS, no Caso Chand, que lembra que há atletas de elite com mais visão, mãos maiores, mais capacidade aeróbica, superior resistência à fadiga, uma variação genética que os favorece em relação a de músculos… e tudo de forma natural.

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