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Imensa bola azul, singela bola laranja

Ocorrem, neste mês de setembro de 2022,importantes competições do basquete de seleções: o EuroBasket, com partidas disputadas em múltiplas sedes (República Tcheca, Geórgia, Itália e Alemanha), em modelo semelhante ao da última Eurocopa de futebol, e a AmeriCup, sediada no Brasil.

Embora o tema da naturalização de atletas não chame tanto a atenção entre as seleções do continente americano que se enfrentarão na quadra do Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, no Recife, o cenário é bem diferente quando se examinam os elencos envolvidos no EuroBasket.

Metade das 24 seleções europeias que lutarão pelo título possuem atletas nascidos em países diversos daqueles pelos quais atuam, sendo que, conforme o Capítulo 1 do Livro 3 dos Regulamentos da FIBA, cada equipe que disputa torneios organizados pela entidade pode inscrever somente um jogador naturalizado.

O caso mais emblemático e polêmico é o do norte-americano Lorenzo Brown, cuja naturalização para atuar pela seleção espanhola no EuroBasket gerou reações negativas por parte de alguns atletas e motivou um pronunciamento da ABP (Associação de Jogadores Profissionais de Basquetebol), que criticou a convocação de alguém sem quaisquer raízes na Espanha, que nunca atuou no país e que sequer fala espanhol. Para a ABP, a mensagem enviada aos jogadores nacionais é muito prejudicial e tem um impacto negativo no presente e no futuro“.

Em 2015, Milos Teodosic, principal atleta da Sérvia à época, declarou que não atuaria mais pela seleção nacional se algum jogador naturalizado fosse convocado. Eis as contundentes palavras do armador: Se isso acontecer, nunca mais vou a um jogo da seleção, mesmo como torcedor. Para mim não é algo normal. (…) Não importa se podemos ganhar o ouro ou terminar em 10º lugar. Mesmo que um jogador naturalizado pudesse nos tornar campeões, eu não aceitaria (…) acrescentar alguém que não tenha nenhuma ligação com o nosso país”.  

Na Europa, de fato, as questões identitárias e as tensões causadas pelo nacionalismo e pelo passado de conflitos étnicos são efervescentes, o que, naturalmente, tem reflexos no esporte. À distância e sem uma compreensão mais profunda dos porquês das manifestações dos atletas espanhóis e de Teodosic, torna-se problemático fazermos juízos de valor.

Seja como for, discussões políticas, sociais e culturais à parte, é impossível negar a existência de uma relação direta entre o número crescente de atletas naturalizados e o processo de internacionalização da NBA, que contribuiu sensivelmente para uma evidente globalização do basquete.

Quando, no ano de 1986 e ainda no contexto da Guerra Fria, o lendário Comissário da NBA David Stern anunciou que o pivô soviético Arvydas Sabonis havia sido selecionado pelo Portland Trail Blazers, o anúncio veio acompanhado da frase, dita em tom de ironia, de que o basquete era “o jogo da América”, em referência ao fato de a modalidade ter sido inventada nos Estados Unidos. Curiosamente, no entanto, tal invenção veio das ideias de um professor canadense, James Naismith.

Esse detalhe da origem do basquete talvez fosse um presságio do que viria pela frente, com o esporte se tornando um dos mais populares do mundo e um fenômeno comercial em escala global muito graças à NBA. Aliás, no primeiro jogo oficial da liga, em 1946, havia um estrangeiro em quadra: Hank Biasatti, nascido na Itália, criado no Canadá e que fora soldado na 2ª Guerra Mundial.

O grande divisor de águas na integração entre o basquete jogado nos Estados Unidos e o basquete jogado no resto do planeta foi, certamente, a participação nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, do Dream Team, capitaneado por “Magic” Johnson e Larry Bird e estrelando Michael Jordan, dentre outros astros.

Dali em diante, a NBA e a geopolítica nunca mais se separaram. E, se é verdade que a liga norte-americana foi fundamental para o crescimento do basquete em outros países, também é verdade que a NBA deve boa parte de seu sucesso ao talento e ao carisma de atletas estrangeiros.

Uma boa leitura sobre o tema é o livro The (Inter) National Basketball Association: How the NBA Ushered in a New Era of Basketball and Went Global, do jornalista Joel Gunderson. Comoconteúdo em português, vale conferir o detalhado histórico contido no texto Uma Liga Global: a internacionalização da NBA dentro das quadras, de Fernando Cardoso, produzido no âmbito da empresa júnior formada por alunos de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP).

Na atualidade, a NBA viu o prêmio de jogador mais valioso ser concedido, nas últimas quatro temporadas, a dois estrangeiros: Giannis Antetokounmpo (grego, cuja família tem origem na Nigéria) e Nikola Jokić (sérvio). Ninguém ficará surpreso se o próximo vencedor da honraria for o jovem esloveno Luka Dončić, sensação nas quadras europeias quando, ainda adolescente, conquistou títulos pelo Real Madrid antes de ser selecionado pelo Atlanta Hawks e imediatamente trocado para o Dallas Mavericks em 2018. Antetokounmpo, Jokić e Dončić, a propósito, representam seus países na atual edição do EuroBasket.

A globalização também tem seus ônus: em outubro de 2019, Daryl Morey, então General Manager do Houston Rockets, publicou no Twitter uma mensagem de apoio a protestos ocorridos em Hong Kong, inicialmente motivados por um projeto de lei que permitiria, sob certas condições, a extradição de suspeitos de crimes para serem julgados pelo governo chinês. Isso desencadeou uma grave crise diplomática que afetou mais de uma dúzia de contratos da NBA na China, dentre eles os contratos com a TV estatal e com o canal de streaming que transmitia as partidas.

Obviamente, a globalização no basquete também se manifesta para além da NBA. A seleção brasileira masculina é prova disso: nas últimas décadas, a equipe foi treinada pelo espanhol Moncho Monsalve, pelo argentino Rubén Magnano e pelo croata Aleksandar Petrovic. A ida para a Europa de atletas brasileiros de destaque também já ocorre há bastante tempo, de Oscar Schmidt (que jogou na Itália nos anos 80) e “Magic” Paula (que atuou na Espanha entre 1989 e 1990) até a geração de Anderson Varejão, Tiago Splitter e Marcelinho Huertas.

Na AmeriCup, sem que isso tenha gerado grandes celeumas, jogadores relevantes de México (Paul Stoll) e Porto Rico (Tremont Waters) nasceram nos Estados Unidos e o norte-americano Scott Machadoestava na lista de pré-convocados da seleção brasileira para a competição.

Com mercados cada vez mais integrados, é inevitável que naturalizações aconteçam, não só no basquete, mas também no futebol, em outras modalidades esportivas e em inúmeros outros cenários. Quando se trata de esporte, contudo, o elemento naturalização acaba tendo um peso maior, pelo simbolismo que o ato de representar e defender a pátria adquire no ambiente do esporte.

Haverá Copa do Mundo em 2022 e o assunto, em breve, voltará à tona. Até lá e antes que comece a nova temporada da NBA, que os entusiastas do basquete possam desfrutar do EuroBasket e da AmeriCup sabendo que, nesta imensa bola azul vista do espaço pela primeira vez pelo russo Iuri Gagarin, pessoas de todas as nacionalidades amam quicar e arremessar uma singela bola laranja.

Crédito imagem: Jornalismo Júnior

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