Os clubes de futebol brasileiros tipicamente são constituídos por meio de associações desportivas sem fins lucrativos (“Clubes-Associações”). No entanto, há outras formas de organização, sendo crescente a constituição das Sociedades Anônimas do Futebol (“SAFs”), instituídas pela Lei n° 14.193, de 06 de agosto de 2021 (“Lei da SAF”), razão pela qual serão analisados de forma comparativa os impactos da reforma tributária para estes dois modelos.
Dentre as diferenças de normas de governança, controle, transparência, financiamentos e tratamento dos passivos da atividade do futebol que distinguem os clubes associativos das SAFs, destaca-se o regime tributário a eles conferidos. De um lado, os Clubes-Associações gozam de isenções fiscais que tendem a ser o grande atrativo para a organização sob esta forma jurídica. De outro, as SAFs apuram seus tributos (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e contribuições previdenciárias) de forma simplificada e unificada por meio do Regime de Tributação Específica do Futebol (“TEF”), disposto nos artigos 31 e 32 da Lei da SAF.
A eleição por um tipo societário ou outro vai além da questão tributária, na medida em que a SAF, até para não deixar de ser uma alternativa atrativa, possui carga tributária semelhante à dos Clubes-Associações.
O quadro comparativo abaixo lista as alíquotas aplicáveis na apuração dos principais tributos devidos pelos clubes de futebol:
Tributo | Alíquotas | |
Clubes-Associações | SAFs[1] | |
IRPJ | Isenção[2] | · Nos 5 primeiros anos: 5% sobre as receitas brutas mensais, deduzidas as relativas à cessão de direitos desportivos de atletas
· A partir do 6° ano: 4% sobre o total de receitas |
CSLL | Isenção[3] | |
PIS | 1% folha de pagamento[4] | |
COFINS | Isenção[5] | |
INSS | 5% receita bruta[6]
20% contribuinte individual[7] |
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ISS/IPTU – tributação conforme a legislação municipal (atualmente tornou-se relevante a tributação da receita com bilheteria pelo ISS) |
Com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 (“PEC 45”) em 15 de dezembro de 2023, o governo federal enviou ao Congresso Nacional na última quarta-feira (24/04) o Projeto de Lei Complementar n° 68/24 (“PLP 68”), propondo a regulamentação da tão comentada – e aguardada – Reforma Tributária.
A PEC 45 altera a atual forma de tributação indireta de bens e serviços, concentrando a tributação no denominado IVA Dual composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) – que substitui o ICMS e o ISS –, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”) – em substituição ao PIS/COFINS e IPI[8].
A partir do texto final da PEC 45 já era possível notar uma diferença de tratamento fiscal aos clubes de futebol, garantindo-se a redução de alíquotas em até 60% para atividades desportivas e, ainda, regimes específicos de tributação às SAFs.
Em relação às SAFs, a partir da divulgação e primeira análise do PLP 68 (artigos 281 a 285) é possível notar desde logo:
- a manutenção do regime de caixa;
- a inclusão do IBS e da CBS no rol de tributos abrangidos pelo TEF;
- a ampliação da base de cálculo do TEF, contemplando o total de receitas auferidas no mês, inclusive decorrentes de prêmios e programas de sócio-torcedor, cessão de direitos desportivos dos atletas, cessão de direitos de imagem, e transferência ou retorno de atleta;
- alteração das alíquotas concentradas para 4% a título de IRPJ, CSLL e contribuições previdenciárias; 1,5% para a CBS e 3% para o IBS;
- creditamento de IBS e CBS nas aquisições de atletas (direitos desportivos), inclusive do exterior;
- aplicação de regime transitório de 01/01/2027 a 31/12/2032, valendo-se integralmente a partir de 2033;
- definição de critérios de importação e exportação para fins de direitos desportivos do atleta.
Já em relação aos Clubes-Associações, o PLP 68 conferiu 60% de redução das alíquotas de IBS e CBS (artigo 130), a serem fixadas pelos entes federativos de acordo com os critérios de referência estabelecidos (estima-se o percentual conjunto de 26,5%) – i.e., de aproximadamente 10,60% –, com regime de transição entre 2026 e 2035.
Além disso, a incidência do IBS e da CBS também foi ampliada, dissociando-se das discussões travadas em torno do conceito de mercadorias e serviços, para abranger qualquer negócio jurídico oneroso, incluindo alienação por meio de compra e venda, permuta ou dação em pagamento, locação, licenciamento, cessão e concessão, empréstimo, doação, arrendamento mercantil, dentre outras.
A base de cálculo do IBS e da CBS incluirá acréscimos decorrentes de reajuste do valor da operação, juros, multas, acréscimos e encargos, descontos condicionados, valor do transporte cobrado como parte do valor da operação e tributos suportados pelo fornecedor. O PLP 68 esclarece que o IBS e a CBS não integram sua própria base de cálculo, assim com o IPI e descontos incondicionais.
Tributo | Alíquotas | |
Clubes-Associações | SAFs | |
IRPJ | Isenção | 4% |
CSLL | Isenção | |
INSS | 5% receita bruta (sem alteração)
20% contribuinte individual (sem alteração) |
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CBS | 10,6% (alíquota estimada de forma conjunta após a redução de 60% prevista para o setor) | 1,5% |
IBS | 3% | |
IPTU – tributação conforme a legislação municipal |
O quadro comparativo acima demonstra exclusivamente a diferença de alíquotas aplicáveis aos clubes de futebol, de acordo com a sua respectiva modalidade de constituição, a partir da reforma tributária em trâmite. A avaliação dos efetivos impactos fiscais depende de análise específica, a partir de dados concretos que consideram a natureza das receitas, o volume de transações locais, internacionais, dentre outras variáveis. De toda forma, é certo que os clubes de futebol já reúnem condições de estimar a tributação incidente a partir da reforma tributária proposta no PLP 68 e projeções de resultados para anos seguintes.
É de se destacar, finalmente, que as interlocuções com o Congresso Nacional durante a aprovação da PEC 45 foram bastante frutíferas, que o texto proposto ainda não é definitivo e que sua aprovação depende de maioria absoluta das duas Casas do Congresso (41 senadores e 257 deputados).
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[1] Conforme artigos 31 e 31 da Lei n° 14.193/21.
[2] Conforme artigos 15 e 18, inciso V, parágrafo único, da Lei n° 9.532/97.
[3] Conforme artigos 15 e 18, inciso V, parágrafo único, da Lei n° 9.532/97.
[4] Conforme artigo 13, inciso IV, da Medida Provisória n° 2.158-35/01.
[5] Conforme artigo 14, inciso X, da Medida Provisória n° 2.158-35/01.
[6] A receita bruta inclui os valores decorrentes dos espetáculos desportivos de que participem em todo território nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de transmissão de espetáculos desportivos, conforme artigo 22, §6°, da Lei n° 8.212/91.
[7] Artigo 21 da Lei n° 8.212/91.
[8] Haverá também a figura o Imposto Seletivo (“IS”), também denominado de imposto do “pecado”, que possui natureza extrafiscal e incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente e que não será abordado neste momento por não ser relevante ao tema proposto.