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Impedimento de disputar competições oficiais por débitos judiciais trabalhistas e disputa de 4 jogos em 8 dias

O Ministério Público do Trabalho do Piauí (MPT-PI) moveu ação civil pública contra a falta de pagamento dos débitos judiciais trabalhistas do Flamengo do Piauí, sendo sentenciado pelo Magistrado de primeira instância da Justiça do Trabalho local uma vedação ao referido clube de disputar quaisquer competições oficiais.

A Lei n. 10.220/01 (Lei do Peão de Rodeio) prevê o impedimento de realização de competições de rodeio caso as entidades promotoras atrasem por mais de 3 meses os pagamentos de salários dos peões.

Este seria o único paradigma da ordem jurídica brasileira para tal decisão do mencionado juízo especializado, já que a própria Lei n. 10.220/01 equipara o peão de rodeio à atleta profissional nos termos da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé).

Em capítulo específico da obra recentemente publicada, “Curso de Direito do Trabalho Desportivo, Salvador: Juspodivm, 2021”, expressa-se que tal previsão legal é inteiramente inconstitucional, na medida em que ultrapassa o equilíbrio entre valorização social do trabalho humano e livre iniciativa (art. 1°, IV, da CF/88).

A Justiça do Trabalho conta com toda a força judicial executória prevista na Lei Processual para compelir os executados a cumprir suas decisões, utilizando-se de todos os tipos de coerções judiciais, até mesmo a força policial se preciso for, como por exemplo: expedição de multas, astreintes, penhoras de bens e receitas, curso forçado de tutelas efetivas ou inibitórias, etc., tudo quanto legalmente possível e previsto em Lei para a efetiva satisfação dos créditos trabalhistas.

Contudo, não cabe à Justiça do Trabalho impedir a realização do objeto social de um clube devedor, pois além de inexistir normatização para tal, acaba por restringir acentuadamente a livre iniciativa, a liberdade de exercício econômico ou fins sociais da pessoa jurídica empregadora, causando desequilíbrio na relação constitucional perseguida no art. 1°, IV, da CF/88 entre trabalho e capital.

Embora a valorização social do trabalho seja premente, esta não pode inviabilizar a atividade econômica, pois são dependentes entre si. A interdição do clube em praticar o seu principal objeto social, que é a participação em competições oficiais, profissionais ou não profissionais, intensifica mais ainda o desrespeito aos direitos trabalhistas, pois passará a não existir fonte de receita mínima para o saneamento de dívidas.

O Poder Judiciário Trabalhista detém outros meios mais eficientes de resgate dos débitos judiciais laborais, como os cotados acima e o vários mecanismos existentes de rastreamento de bens e repasse de receitas.

A única hipótese em que a Justiça do Trabalho poderia, indiretamente, inviabilizar a continuidade do objeto principal do clube seria em casos de a estrutura da entidade estar provocando trabalho degradante ou em situação análoga a de escravo.

Ainda assim, A Justiça Especializada do Trabalho não poderia proibir a participação da equipe principal clubística em competições oficiais (profissionais ou não profissionais), mas somente utilizar tutelas inibitórias, específicas ou de interdição de estruturas que pusessem em risco a saúde dos atletas e demais empregados do clube.

São exemplos de estruturas precárias: instalações de acomodações de atletas com rachaduras, sem banheiros, insalubres, com riscos de desabamento, centros de treinamentos com muitos buracos que provocam perigosas lesões aos atletas, etc.

No mais, suspender ou dissolver atividade principal de um clube, que se reflete, neste caso, na proibição de participar em competições oficiais, é matéria de competência exclusiva da Justiça Comum, em situações de antijuridicidade ou desvio ilícito do objeto social da pessoa jurídica (entidade de prática desportiva), não sendo motivo o inadimplemento/insolvência de dívidas cíveis e trabalhistas, levando-se em consideração que o clube punido é constituído sob o tipo “associação sem fins econômicos” (art. 5°, XVII a XIX, da CF/88 c/c arts. 44, I, 53 a 61 do CC/02).

Em outra polêmica da semana, notícias apontam que o Clube de Regatas Flamengo do Rio de Janeiro disputará, do fim de outubro para o início de novembro, 4 jogos em 8 dias.

No Brasil não há nenhuma Lei que preveja as horas de intervalo mínimo entre partidas, nem mesmo a Lei Pelé. A norma federativa da CBF há 15 anos costumava estabelecer um prazo entre partidas de 72 horas.

Com o passar do tempo e atualmente as normas federativas (Soft Law) reduziram esse intervalo interpartidas para 66 horas. Por consequência da pandeia do covid-19, no fim do ano passado a CBF e a FENAPAF acordaram com a intermediação do MPT15 uma diminuição do referido interstício entre partidas para 48 horas, enquanto durar a pandemia, de maneira excepcional e com a finalidade de reorganizar o calendário a permitir a volta da regular cedência de férias aos atletas até o fim do ano de 2021.

Neste momento, se houver um espaço de tempo mínimo de 48 horas interpartidas em competições da CBF é o que se permite em razão da pandemia. Todavia, relembre-se, não há norma pública nacional ou internacional, norma infralegal do Ministério do Trabalho ou sequer jurisprudência a respeito de qual deveria ser o intervalo mínimo entre partidas.

Por outra via, se os jogos não forem todos de competições promovidas pela CBF ou Federações brasileiras, a princípio o intervalo mínimo de 48 horas ou 66 horas não seriam obrigatórios quando se junta jogos nacionais e internacionais, já que as normas federativas brasileiras não necessariamente são impostas às competições da CONMEBOL ou da FIFA.

Em resumo, na falta de regulamento específico sobre o período mínimo entre jogos de competições internacionais e nacionais, a interpretação recai sobre asserções principiológicas de Tratados de Direitos Humanos que o Brasil ratificou, Direitos Fundamentais da Constituição Federal, ou ainda, baseia-se em matéria de direitos trabalhistas mínimos, previstos em normas públicas gerais sobre saúde, segurança e higiene do trabalho.

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