Na reta final do Campeonato Brasileiro da Série A de 2020, um assunto acompanha as costumeiras indagações acerca de quem será o vitorioso campeão e quais clubes enfrentarão o lamentoso descenso.
Notícias, boatos, instigações de torcidas rivais. São várias as procedências de especulação de prática da mala branca ou mala preta.
Por conceito, mala preta e mala branca consistem em práticas ilegais cometidas por pessoa que, na qualidade de terceiro interessado, alheio à administração da entidade de prática desportiva, concede vantagem, pecuniária ou não, ao(s) atleta(s), dirigente(s) da entidade de prática desportiva, integrantes da comissão técnica, ou a quem possa influenciar no resultado de uma partida/competição.
Atribuiu-se à mala branca a concessão de benefício para impulsionar a agremiação desportiva a busca pela vitória, estimulando, através desta prática, um desempenho acima do esperado.
Tendo em vista a finalidade da mala branca, há quem defenda que não se trata de ilegalidade, mas tão somente, “bicho externo”.
Por sua vez, a mala preta compreende a vantagem fornecida por terceiros ou até mesmo pelo adversário ao outro clube (atletas, dirigentes, comissão técnica), para que deixem de alcançar toda a sua potência na disputa em questão, atenuando consideravelmente a performance padrão do time, como forma de entregar o resultado do jogo.
Traduzindo em outras palavras do mundo do futebol: fazer corpo mole para perder a partida.
A partir da descrição dos conceitos de mala preta ou mala branca, seja para facilitar ou para dificultar a partida, fato é que ambas as práticas de corrupção direta caracterizam ilícito penal, desportivo e trabalhista.
Em âmbito penal, de acordo com o artigo 41-D da Lei nº 10.671/03 (Estatuto do Torcedor) aquele que dá ou promete vantagem, patrimonial ou não, para alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado pode incorrer em pena de reclusão de 2 a 6 anos e multa.
Além da mencionada tipificação penal, mala branca ou mala preta caracteriza ilícito disciplinar.
No tocante à competência da Justiça Desportiva, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva assenta sobre o tema em diversos dispositivos, valendo o destaque para o: i) artigo 241: “dar ou prometer vantagem indevida a intermediário, árbitro ou auxiliar de arbitragem, com o propósito de influenciar o resultado da partida”; ii) artigo 242: “dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva ou pessoa natural jurisdicionada da Justiça Desportiva, como atletas, dirigentes, comissão técnica (artigo 1º, §1º, VI,CBDJ) com a finalidade de influenciar o resultado da partida”; iii) artigo 243: “atuar com o propósito de prejudicar à própria equipe”; e iv) artigo 243-A: “atuar contra à ética desportiva com o propósito de influenciar o resultado da partida”.
O arcabouço jurídico trazido não deixa dúvidas acerca da antijuridicidade da prática de mala branca ou mala preta. Apesar disso, são práticas ilícitas de dificílima produção probatória.
Contudo, caso reste comprovada a dação ou a mera promessa de dar qualquer vantagem à membros de uma entidade de prática desportiva, a fim de manipular o resultado da partida, o terceiro que incorreu nesta conduta estará sob a égide dos ilícitos disciplinares estipulados no Código Brasileiro de Justiça Desportivo.
Não sendo um jurisdicionado da Justiça Desportiva (artigo 1º, §1º, inciso VI, CBJD), estará sujeito às penas do que dispõe o Estatuto de Defesa do Torcedor.
Além de se tratar da tipificação penal e disciplinar, cometerá ilícito trabalhista o atleta receptor da vantagem, seja para vencer ou perder o jogo.
Isso porque, nos termos do que dispõe o artigo 35, inciso III, da Lei Pelé, determina-se ao atleta a obrigação específica de exercer a atividade desportiva profissional conforme as regras da respectiva modalidade e às normas de disciplina e ética desportivas.
Tendo isto em vista, o atleta que recebe a mala branca como incentivo para potencializar o seu desempenho, ou mala preta com o propósito de sabotar a sua performance, viola o dispositivo legal da Lei Pelé.
Referida infringência representa transgressão disciplinar e ilícito trabalhista, podendo se configurar ato de improbidade ou de indisciplina que autorizam a despedida com justa causa, em concordância com o artigo 482, a) e h) da CLT.
Porém, este não é um entendimento unânime.
Por considerar bicho uma espécie de prêmio na seara trabalhista desportiva, o recebimento de incentivo individual ou coletivo para estimular o alcance do resultado positivo é interpretado por uma pequena parte da doutrina como “bicho externo”.
Entretanto, de forma diversa, defende-se que a mala branca corresponde a um ato desleal, contrário às regras disciplinares, ao espírito esportivo e à ética. A influência forçada do resultado de uma partida equivale a falsear a verdade desportiva, a pureza dos resultados, desrespeitando o equilíbrio competitivo e a incerteza dos resultados, corolários da ética desportiva.
Nesse sentido, ressalta a valiosa lição do professor Álvaro de Melo Filho, “mala preta e mala branca são duas faces da mesma moeda, e atacam, no mínimo, a integridade, a ética desportiva, a incerteza do resultado, o fair play financeiro e desportivo”.
Afinal, a influência antinatural é capaz de impactar de forma desleal todos os jogos relacionados e prejudicar a competição como um todo.
Contudo, não obstante a possibilidade de justa causa trabalhista ante à omissão na atuação do atleta na partida, como aludido acima, depara-se com o revés da produção probatória.
Sobretudo porque o atleta, na qualidade de empregado das entidades de prática desportiva, recebe valores do seu empregador, o que torna difícil a discriminação da natureza do que está sendo pago.
Ainda mais diante das atuais possibilidades de transações bancárias diretas que possibilitam transferências eletrônicas imediata de valores – como o PIX, capaz de facilitar a prática a que se propõe a nominação de mala preta ou mala branca digital.
A partir do raciocínio desenvolvido acima, pode-se ponderar se foi efetuada a prática de mala branca na situação veiculada na matéria, em que um torcedor transferiu R$ 1 milhão de reais ao S.C. Internacional para pagar a Cláusula do Medo¹, a qual determinava a impossibilidade de atuação do atleta cedido temporariamente ao time colorado em partidas contra o Flamengo, clube cedente.
Da mesma forma, se a mera declaração desse mesmo torcedor que iria pagar uma quantia ao S.C. Internacional para ganhar o jogo contra o Corinthians, por si só, caracteriza a consumação de mala branca.
De acordo com os posicionamentos acima descritos, a resposta é sim para os dois casos em tela.