Quem busca ser um profissional do futebol precisa entender que vai lidar com algo gigante sobre os ombros: a pressão psicológica. A vigilância é permanente, a cobrança monstruosa, o êxito é algo raro. E, para colocar mais peso nesses ombros, um jogador carrega com ele o próprio sonho e o de toda a família. Muitos não aguentam a pressão.
Sim, essa pressão emocional começa na base. Em função disso, os clubes precisam assumir a responsabilidade que têm como formadores, não apenas de atletas, mas de seres humanos.
Existe uma exigência legal.
A lei do esporte, a Lei Pelé, no artigo 2, XI, trata “da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial”.
Tem mais, o artigo 29 da Lei Pelé diz que os clubes têm de “garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar”.
Mas não acredite que isso é o suficiente.
A imensa maioria dos clubes coloca um psicólogo de plantão e está cumprindo o que manda a lei. Até porque praticamente não existe vigilância e cobrança sobre o trabalho na base dos clubes pelas entidades esportivas e pelo poder público.
O dever do clube não é só legal, é também moral.
A imensa maioria dos atletas não irá viver o sonho do trampolim social que a bola representa.
Em coluna para o Lei em Campo, Luiz Costa trouxe reportagem da Sky News, “Youth football: What happens to those who don´t make it?“, sobre a realidade da base na Inglaterra.
A reportagem mostra que dos jovens que ingressam nas academias a partir dos nove anos de idade, menos de 0,5% se tornará atleta profissional capaz de viver através do esporte.
O futebol inglês tem de 10000 a 12000 jovens treinando em times ingleses, as chamadas academias. Só entre os times da Premier League, são mais de 3000.
O advogado Luiz Gustavo escreveu que “clubes da Premier League devem seguir as Regras de Desenvolvimento da Liga, permitindo a cada clube o registro de 250 jovens em sua academia. As academias devem encorajar os estudos por parte dos atletas bem como fornecem, na grande maioria, estrutura invejável para o ensino muitas vezes com estruturas melhores do que escolas particulares. “
Mesmo assim, muitos não aguentam a pressão.
Jeremy Wisten, de 18 anos, foi uma das vítimas dessa realidade e reacendeu a discussão sobre o papel que as academias de futebol desempenham no desenvolvimento de jogadores jovens e se a escala da operação tem caráter exploratório.
Jeremy foi um jogador muito promissor na base do Manchester City, mas após sofrer uma lesão foi dispensado pelo clube em maio de 2019. Ele foi encontrado enforcado em seu quarto em outubro do ano passado. Seus pais disseram que Jeremy ficou arrasado após sua dispensa pelo clube.
Um inquérito será realizado em poucos meses e o clube foi solicitado a fornecer uma declaração detalhando o apoio que foi dado a Jeremy durante seu tempo no clube e após sua liberação.
A reportagem apresenta crítica a respeito do número de jovens que estão sendo levados para as academias, sendo eles cada vez mais jovens. E não só isso.
Vários meninos, segundo a reportagem, disseram que acreditam que foram contratados simplesmente para atuar como “parceiros de treinamento” para um ou dois meninos de sua equipe que foram identificados como tendo potencial para progredir na carreira.
O futebol é mais do que um negócio. É também responsabilidade social.
Investir na base na busca de talentos é algo indispensável para o sucesso do negócio. Agora, cuidar daqueles que se entregam ao sonho é um dever dos clubes.
Educação, auxílio psicológico, acompanhamento médico.
Pais entregam os filhos aos clubes acreditando num sonho quase impossível. Prepará-lo para a realidade é o mínimo que o clube deve dar em troca.
Nem precisava ser compromisso legal, já que é uma responsabilidade social de todos nós: cuidar das crianças.