Ao longo do tempo, o futebol se transformou de um simples esporte bretão a uma das atividades mais rentáveis do mundo, capaz de atrair investidores, patrocinadores, adeptos e cada vez mais consumidores. Isso porque, deixou de ser apenas uma modalidade esportiva para entrar no ramo do entretenimento. Hoje em dia, devido a enorme concorrência nesse setor do mercado e aos avanços tecnológicos, o público que frequenta os estádios demanda muito mais do que um jogo de futebol.
Por conseguinte, o que antes representava somente um escudo, em um uniforme que entrava em campo, passou a ser um ativo comercial, veículo de exposição de grandes empresas, espelho da expectativa do próprio torcedor e, automaticamente, plataforma propulsora para o desenvolvimento econômico, esportivo e estrutural do próprio clube. Os uniformes que antes eram, de maneira orgulhosa, para o torcedor mais nostálgico, totalmente lisos, se converteram em um meio fundamental para monetização da atividade e, diretamente, para a existência do clube.
Da mesma forma, o entorno do futebol também evoluiu. O crescimento da importância das redes sociais foi impactante para todas as gerações. No ramo desportivo, não poderia ser diferente, principalmente aquilo atinente à produção de conteúdo.
Atualmente, o conteúdo desejado, bem como o perfil do público, mudou abruptamente em comparação com a década passada. A maneira de se consumir o espetáculo, os produtos e serviços oferecidos pelos clubes foi alterada. O grande objetivo desse artigo é provocar um debate acerca da maneira de se pensar nos negócios nas entidades de prática do desporto.
Sendo assim, através de algumas simples constatações, já se pode observar que as mudanças foram gigantescas: quem consegue assistir uma partida inteira de futebol sem entrar em uma rede social e compartilhar algo sobre o jogo, mesmo que uma simples frase? Quem ainda não ficou em êxtase com o lançamento de um artigo do clube, exposto através de um vídeo em uma rede social, adquirindo-o logo em seguida? Como um vídeo de apresentação de um novo jogador movimenta tantos torcedores, provocando-os a comprar algum artigo do time de coração e assinar o programa de sócio torcedor?
Podemos afirmar que cada entidade desportiva deve explorar aquilo que se tem de melhor, identificando o perfil do seu público, do seu torcedor e dos potenciais consumidores, de uma maneira geral. Sob esse viés, evidentemente, nem todos os times possuem uma vasta torcida para possa ser explorada. Igualmente, os objetivos de cada equipe são distintos.
Com efeito, o modelo da Sociedade Anônimas do Futebol ainda é recente aqui no país e estamos em um processo de transição, que demanda tempo para que todas as partes possam se acostumar a um proprietário, ao seu modelo ou ao alinhamento de expectativas a curto e médio prazo.
Na Europa, com um sistema mais longevo e consolidado, os torcedores têm perfeita consciência de que seu time não poderá lutar por título, que o objetivo é uma classificação a uma competição internacional de segunda linha ou, até quem sabe, evitar um possível rebaixamento.
Há proprietários/acionistas que apostam na formação de jogadores na categoria de base para depois vendê-los, como também na aquisição de direitos econômicos de jogadores de ligas periféricas esperando sua valorização e futura revenda. São maneiras de tornar um clube sustentável e rentável, dentro das regras de fair play financeiro, gerando lucro para o seu proprietário.
Do mesmo modo, os denominados clubes de massa, também estabilizam suas receitas, na medida em que é difícil conseguir colocar mais torcedores que a capacidade do estádio permite, aumentar a adesão ao programa de sócios se não há possibilidade de comparecer a uma partida devido a tamanha concorrência, o valor arrecadado com patrocínios se os espaços do uniforme do clube já estão totalmente ocupados.
Diante de tantas variáveis e particularidades, algumas reflexões surgem na mente dos leitores: como aumentar as receitas para quem já está no topo? Como criar um modelo alternativo àquele que aposta na revelação e compra e venda de jogadores? Como gerar um maior engajamento da sua torcida? A resposta é inovação.
O investimento em inovação, em se adequar às novas tecnologias e tendências, sempre com o objetivo de proporcionar uma melhor experiência ao torcedor, o engajamento e interação do consumidor com os próprios clubes e jogadores, como, por exemplo, os fan tokens, é primordial para gerar novas receitas e isso independente do modelo.
Entender que o futebol não passa somente pela sua torcida e que o público pode esperar mais do que aquilo apresentado nas quatro linhas, explorando, inclusive, a cidade onde está localizado. Um dos maiores especialistas na área de negócios no futebol, César Grafietti[1], chama a atenção da possibilidade de usufruir dos turistas que frequentam a cidade.
Nessa esteira, ele cita dois exemplos de clubes italianos, estabelecidos em cidades altamente turísticas e que levam o mesmo nome: o Venezia e Como. Cidades paradisíacas que recebem rotineiramente milhares de turistas dispostos a gastar nesse período de férias. Para isso, além da necessidade de ser ter um produto atrativo, com times de qualidade (os dois times frequentam atualmente a Série B, sendo que o Venezia estava na Primeira divisão até o ano passado), deve-se criar algo que possa gerar um sentimento de pertencimento a aquela pessoa que está visitando a cidade.
Tornar que o simples tour pelo estádio ou o comparecimento a uma partida da equipe local vire uma rota obrigatória para os turistas parece ser um desafio enorme para os proprietários, mas, ao mesmo tempo há um grande potencial a ser explorado. A título de ilustração, o estádio do Como está a poucos metros de um dos lagos mais conhecidos e bem frequentados do mundo. Entretanto, ninguém é cativado somente pela paisagem, há uma necessidade de se ter um projeto eficiente.
Criar vínculos entre o clube e a sociedade local é fundamental, pois fazer com que o turista se sinta na obrigação de viver um dia como habitante daquela cidade é o que o fará despender, tempo e dinheiro, em troca dessa experiência. Esse potencial de receitas é reconhecido também quando se vai estipular um preço de venda das ações do clube.
O Barcelona parece explorar muito bem essa parte. A história do clube, da cidade e do povo catalão parecem se misturar. O seu estádio está sempre lotado de turistas, que deixam milhões de euros anualmente em visita guiada pelo estádio e na própria loja de produtos. Obviamente, a tradição esportiva, os recentes resultados e craques desse século contribuíram muito para o aumento exponencial das vendas de artigos e da visitação.
Grandes capitais pelo mundo, como, por exemplo, Roma, Paris e Londres também precisam ser exploradas turisticamente pelos clubes de uma maneira mais eficiente. Por outro lado, além do turismo local, essas entidades contam com uma legião de fãs fora da sua cidade, do seu país e até do seu continente e há anos entenderam a importância disso.
Para tanto, fazem partidas de pré-temporada nesses países, abrem lojas oficiais e escolinhas de futebol local voltada ao público jovem. Chegam até em mudar o horário da partida para atender essa demanda de audiência vinda do exterior. É fundamental a compreensão e o apoio da Liga que organiza a competição, pois ambos são os principais interessados no incremento da arrecadação e valorização do produto
Um dos exemplos mais recentes de provocação dos torcedores que vivem fora da cidade das partidas vem do Flamengo. A equipe carioca disponibilizou a confecção de patches na camisa, com bandeiras ou símbolos do Estado de origem do atleta, o que logo foi estendido aos torcedores. Essa sensação de pertencimento e acolhimento com os fãs de fora do Rio de Janeiro teve bastante êxito nas vendas.[2]
Conforme o exposto, não há um modelo certo e muito menos errado para se fazer o futebol. Contudo, há modelos alternativos que podem ser tão eficientes quanto os tradicionais. Além disso, a criatividade e inovação são fundamentais para a expansão das receitas e, consequentemente, em um time mais competitivo ou a maiores lucros para o proprietário, dependendo do objetivo do clube. Decerto, a interação com a torcida e a sensação de pertencimento a aquele movimento/cidade são preponderantes na hora de se criar laços, que resultarão em ganhos econômicos.
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[1] Futebol e o negócio além das quatro linhas – Opinião – InfoMoney – última consulta: 24.08.2022
[2] Venda dos patches dos estados é sucesso no Flamengo; confira o ranking dos que mais compraram | flamengo | ge (globo.com) – última consulta: 24.08.2022