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Insignificância, esporte e tributos: como isso tudo se conecta?

No último dia 31 de maio se encerrou o prazo para a entrega da declaração do Imposto sobre a Renda (IR) para as pessoas físicas. Essa é uma data que inevitavelmente afeta a todos os brasileiros, sejam eles atletas, agentes ou pessoas comuns. A pouca familiaridade que o brasileiro tem com tributos, sempre acaba gerando uma série de inseguranças, especialmente porque o Leão, como popularmente ficou conhecido o Fisco no Brasil – assim como o animal que deu origem ao apelido – é bastante agressivo.

As inseguranças são diversas, mas a maior preocupação que tira o sono dos atletas e agentes esportivos é ter a certeza de que todos os seus bens e receitas auferidas ao longo do ano foram devidamente declarados. Ninguém quer correr o risco de deixar escapar um carro, uma conta bancária ou os rendimentos que teve em decorrência de um trabalho que fez.

Para os atletas que se destacam é normal firmar múltiplos contratos de patrocínio e participar de diversas campanhas de marketing. Para essa gama de profissionais, o desafio é não deixar nada de lado, não esquecer de nenhum contrato firmado, pois qualquer rendimento equivocadamente omitido, já é suficiente para fazer com que o profissional caia na malha fina, isto é, nas garras do leão.

As consequências de informações equivocadamente prestadas são várias: (i) vão da simples dor de cabeça de prestar esclarecimentos às autoridades fiscais, (ii) passam pela lavratura de autos de infração para a cobrança dos valores devidos, acompanhados de juros e multas que podem variar de 75% a 150% do valor do débito; e (iii) podem chegar a acusações de crime contra a ordem tributária, trazendo repercussões criminais para o profissional que deixou recolher por completo seus impostos.

No caso que mais comumente se vê nessas hipóteses, tem-se a imputação de crime de sonegação fiscal, que segundo o artigo 1º, da Lei 8.137/90, pode resultar em pena de detenção de 2 a 5 anos, além da aplicação de multa.

Os cenários mais preocupantes, obviamente, são o de sofrer uma multa de 150% do valor devido, o que faz que simples esquecimentos possam resultar em débitos substancialmente maiores, e o risco de uma omissão fazer com que o atleta ou agente, tenha que responder a uma ação criminal.

A grande pergunta que surge é se faz sentido aplicar penas tão severas sobre condutas tão diminutas. Não seria apenar exageradamente simples equívocos? Vejam, o que se questiona aqui são condutas insignificantes que resultam em prejuízo ao Fisco e – que fique claro – não a clara tentativa de fraudar as autoridades fiscais ou mesmo a omissão de vultosas quantias.

O limite do que é escusável ou não em matéria tributária foi recentemente analisado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região nos autos da Apelação Criminal nº 0003647-69.2018.4.03.6105. O contribuinte havia sido condenado em primeira instância a pena de 2 anos de reclusão em regime inicial aberto, por cometer crime contra a ordem tributária.

A acusação foi de reduzir R$ 11 mil em IR no ano-calendário de 2010, ao deduzir despesas inexistentes (com médicos, educação e dependentes). Devido à aplicação de multa de 150% do valor do débito, a cobrança formalizada no Auto de Infração resultou em crédito superior a R$ 40 mil.

Relator do caso, o Desembargador Federal José Lunardelli, da 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao examinar o caso aplicou o princípio da insignificância, segundo o qual o Direito Penal somente deve intervir nos casos de “lesão de certa gravidade”. Nas hipóteses de “delitos de lesão mínima”, segundo o juiz, o acusado deve ser absolvido.

Conforme decidiu o Tribunal, “nessa linha de ideias, o princípio da insignificância é, em tese, aplicável aos delitos previstos nos artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.137/90, para afastar a tipicidade penal, quando evidenciado que o bem jurídico tutelado (ordem tributária) sofreu mínima lesão, desde que a conduta do agente revele pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social”.

Para fixar qual o limite do tolerável, a Corte se pautou no disposto na Portaria MF nº 75/2012, que dispensou a Fazenda Nacional de executar dívidas de até R$ 20 mil. Desse modo, se o Fisco está dispensado de cobrar valores até esse limite, também não faz sentido responsabilizar criminalmente os contribuintes que deixaram de recolher quantias até esse valor.

Um ponto bastante relevante que restou decidido foi que “os juros, a correção monetária e eventuais multas de ofício que incidem sobre o crédito tributário devem ser desconsiderados para fins de cálculo do princípio da insignificância”, já que não integram o objeto material do delito.

Como resultado do julgamento da Apelação Criminal nº 0003647-69.2018.4.03.6105 são extraídos algumas conclusões importantes: (i) a clara intenção de lesar o Fisco (ofensividade da conduta), omitindo intencionalmente rendimentos, não é tolerada, a despeito dos valores envolvidos; (ii) a omissão de rendimentos de até R$ 20 mil, se acompanhadas de reduzido grau de reprovabilidade, não pode ser punida criminalmente; e (iii) a Fazenda Nacional está dispensada de cobrar mediante Execução Fiscal valores inferiores a R$ 20 mil, o que não afasta a possibilidade da dívida se protestada em Cartório.

Para os atletas e agentes fica a seguinte lição: a entrega da declaração de IR deve ser sempre feita com muita atenção, para se evitar dores de cabeça com o Fisco. Pequenos equívocos que resultem em omissão de receitas de até R$ 20 mil, não podem ser objeto de Execução Fiscal e muito menos de ação criminal contra o profissional, quando muito, o que pode haver é o protesto da dívida em Cartório, mas nada além disso.

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