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Inter reclama do Athletico, que critica Palmeiras… Que se cumpra a lei!

Nenhum cidadão está acima da lei. Nenhum clube também. O Athletico Paranense reclamou da rede colocada na área reservada à torcida visitante no estádio do Palmeiras, mas não cede espaço para a torcida do clube rival em jogos na Arena da Baixada, o que provocou a revolta do Internacional. O mesmo Internacional que também reclamou da tela no Allianz Parque.

O fato é que o futebol insiste em tentar ser um universo paralelo, em que clubes ignoram a lei e simplesmente decidem como lhes convém. Se a Justiça mandar que a lei seja cumprida, tudo bem. Mas nem sempre. 

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Teimando contra fatos

O próprio Athletico já perdeu no STJD, no caso da “torcida humana”, um neologismo para impedir torcida adversária no estádio. O clube não cumpriu decisão do TJD-PR que determinava que ele cedesse espaços e vendesse ingressos à torcida do rival, o Coritiba. Simplesmente ignorou. Não cedeu espaço, nem vendeu ingresso. Perdeu na Justiça Esportiva estadual e nacional.

O Athletico segue alegando que a “torcida humana” representa valores da Declaração Universal de Direitos Humanos, dizendo que torcedores são “livres” e devem ser “respeitados” nos jogos no seu estádio. Um sofisma. Na verdade, o que tem acontecido é que torcedores visitantes não têm ido à Arena, já que a situação criou um clima de medo e tensão. Torcedores rivais já foram agredidos ao comemorar gol por lá. 

Agora o Athletico reclama do Palmeiras, que também trata de maneira diferente torcedor rival que vai ao estádio. Colocar uma rede que atrapalha a visão não é entregar aquilo que foi combinado com o consumidor na hora da compra do ingresso. E tudo isso está bem claro numa lei que protege quem consome futebol, o torcedor. 

(Esqueça seu clube e faça aquele exercício sempre necessário, coloque-se no lugar do outro. Claro que você ficaria revoltado se comprasse ingresso para assistir a um jogo e o clube que detém o mando do jogo colocasse uma tela na sua frente. Ficaria, e com razão.)

Torcedor tem lei que o protege 

Em 15 de maio de 2003, foi publicada a Lei 10.671, mais conhecida como Estatuto do Torcedor. Para entender a necessidade de se criar essa lei, é importante entender a realidade do futebol naquele ano. 

As fórmulas de disputa dos campeonatos eram decididas meses antes de a bola rolar; os clubes subindo de divisão em acordos de gabinete; os estádios muitas vezes superlotados, com ingressos sendo vendidos além da capacidade real. A situação era ainda pior: clubes endividados fazendo grandes contratações; evasão tributária; dirigentes esportivos nadando em um mar de impunidade (isso não mudou muito). Essa era a realidade do futebol brasileiro no início dos anos 2000. 

A lei veio apoiada pela pressão da opinião pública, imprensa e consumidores do esporte, que clamavam por mais organização, ética e transparência das entidades esportivas. A convivência com dano sem reparação se tornava cada vez mais repetida e absurda.

O Estatuto do Torcedor trouxe avanços importantes, a destacar: ingressos passaram a ser numerados, com torcedor passando a ter seguro por danos sofridos no evento esportivo; competições passaram a ter critérios de ascenso e descenso mais objetivos; criou-se a figura do ouvidor, que passou a receber críticas e sugestões sobre regulamento e tabela dos campeonatos; as entidades organizadoras do evento também passaram a ter responsabilidade civil e objetiva sobre danos causados ao torcedor, desde que provado o nexo de causalidade entre evento e dano sofrido; e o Estatuto também determinou a obrigatoriedade de uma ambulância e dois enfermeiros a cada 10 mil torcedores no estádio. São alguns exemplos.

Mais uma vez o intervencionismo estatal se fazia presente diante de um quadro de desorganização e irresponsabilidade das entidades esportivas. Importante destacar aqui algo que tem a ver com as duas questões que estão sendo debatidas agora no futebol brasileiro, sobre as arenas de Palmeiras e Athletico. 

Torcedor é consumidor 

Entre as marcas do Estatuto, o torcedor fica definitivamente caracterizado como consumidor de evento esportivo. A Lei 9.615/98, Lei Pelé, já fazia referência, no parágrafo 3 do artigo 42, à matéria, equiparando torcedores pagantes de eventos esportivos aos consumidores. Mas o artigo 2° do EDT foi além, agregando aos pagantes aqueles torcedores que apreciem, apoiem ou se associem a qualquer entidade de prática desportiva. No artigo seguinte, o 3°, ele determina que as entidades de prática desportiva, bem como as detentoras do mando de jogo, se equiparam à figura do fornecedor para todos os efeitos legais.

Escreveu o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Guilherme Augusto Caputo Bastos sobre o tema: “É inequívoca a natureza consumerista da relação havida entre os torcedores e as entidades vinculadas à prática esportiva, razão pela qual se entende que o EDT integra o microssistema de defesa do consumidor, cuja aplicação é convergente com o CDC”. 

O torcedor tem direitos e não só pode como deve cobrá-los. Se precisar, na Justiça. O tratamento discriminatório, ou o medo de assistir a um jogo sem segurança, estão indo contra o que a lei determina. O torcedor é consumidor, e precisa ser respeitado e protegido por quem organiza o jogo, equiparado pela lei à figura do fornecedor. 

O Estatuto do Torcedor trouxe avanços, mas não atingiu a plenitude dos seus objetivos. No ponto essencial da transparência, da responsabilidade administrativa e da ética, ele acabou derrubado pelo artigo 217 da Constituição Federal, que dá autonomia às entidades esportivas. Mas ainda existem caminhos para se retomar essa discussão, já que a lei deve ser sempre produto do consenso, não do confronto, também no esporte. 

Conversar para determinar as regras, e respeitá-las depois que elas estiverem em vigor. Esse tem que ser o compromisso de todo gestor responsável no esporte. Se ele não o fizer, a Lei 10.671/2003 está aí. 

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