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Invasão alienígena

30 de outubro de 1938. Dia em que os marcianos invadem a Terra. Pelo menos para os ouvintes da Rádio CBS nos EUA, ao escutarem Orson Welles narrar uma adaptação do livro “A Guerra dos Mundos” (1897) de H. G. Wells. O público não entende e entra em pânico. Muitos fugiram de suas casas, outros tiveram crises nervosas e houve inclusive casos de suicídio.

Na obra, um narrador não identificado relata a queda de um suposto meteoro numa fazenda de Nova Jersey, mas que era mesmo uma nave cheia de alienígenas com raios mortais e inclinados a exterminar a espécie humana.

Há inúmeros livros de ficção narrando invasões alienígenas. Na mesma proporção, a história apresenta incontáveis relatos testemunhais na vida real, porém jamais comprovados. Entretanto, na terra do Chupa-Cabra e do E.T. de Varginha, houve recentemente o registro de invasões a vários Centros de Treinamento por criaturas que caíram como um meteoro, assustando quem lá estivesse.

Porém, ao saírem dos módulos que os transportavam, pôde-se perceber que pertenciam à raça humana, embora fossem capazes de fazer coisas de outro mundo.

Não se sabe ao certo quem são esses indivíduos, como vivem e o que fazem para sobreviver, pois costumam invadir CTs em pleno horário de trabalho. Identificam-se apenas como pertencentes a grupos denominados “Torcidas Organizadas”, cuja enorme maioria é conhecida por promover a festa nos estádios de futebol.

Jogadores e comissões técnicas de Cruzeiro, Fluminense e Botafogo afirmaram que mantiveram contatos imediatos de terceiro grau com estes terráqueos de forma pouco amistosa, tendo sofrido empurrões e ameaças de todos os tipos.

Há também quem diga que alguns já foram vistos atirando “Objetos Não Voadores Identificados” (OVNIs) na direção desses profissionais, perto dos estádios e em aeroportos, com o objetivo de amedrontá-los ou até mesmo de provocar-lhes lesões físicas.

Em “Guerra dos Mundos”, o narrador, após escapar dos alienígenas, repara que as plantas marcianas começam a morrer, assim como os próprios marcianos. Tudo devido a uma bactéria contra a qual não tinham imunidade.

Os cidadãos de bem também são imunes à uma bactéria que seria acachapante para esses seres intraterrestres atormentadores dos profissionais do futebol: a aplicação da lei penal.

Ocorre que essa bactéria não se pega no ar, sendo preciso que as autoridades e as vítimas façam valer o sistema jurídico que protege a sociedade desses invasores.

E medidas contra essa gente são o que não falta.

Com efeito, a Constituição prevê expressamente no art. 5, inciso XI, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, […]”.

Regulamentando essa previsão constitucional, o Código Penal, para fins de punição, diz que a expressão “casa” compreende também qualquer compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

Por isso, aplica-se aos invasores o art. 150, parágrafo primeiro, do Código Penal, que pune o ato de entrar ou permanecer, em casa alheia ou em suas dependências, com o emprego de violência, arma, ou ainda por duas ou mais pessoas, com pena de detenção de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.

Diante dessa ressalva, os invasores, que normalmente destroem as instalações para entrar (como no caso da invasão ao CT do Fluminense, em que destruíram um muro), podem ainda ser indiciados pelo crime de dano qualificado previsto no. art. 163.

Tal dispositivo pune com até três anos de detenção e multa, aquele que destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia com violência à pessoa ou grave ameaça. E acrescente-se finalmente o crime de ameaça previsto no art. 147, com previsão de detenção de até seis meses.

É uma pena que o nosso E.T. de verdade (Estatuto do Torcedor) não tenha concebido um crime específico para essas invasões, pois além de cadeia poderia prever o banimento dessa gente dos estádios.

De qualquer forma, já existe punição suficiente. E como as invasões compreendem todos esses crimes, as penas do Código Penal devem ser aplicadas cumulativamente, de acordo com o seu art. 69.

 Assim, somando-se todas elas, quem invade centros de treinamento, destruindo tudo o que veem pela frente e ameaçando os profissionais, pode passar mais de cinco anos no mundo dos presidiários.

Mas talvez muitos anos de cadeia nem sejam o mais importante. O que importa mesmo é que haja punição, pois como lembra Cesare Beccaria no famoso “Dos Delitos e das Penas”, “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”.

É curioso que outros crimes cometidos no esporte também sejam relevados. Agressões entre atletas, xingamentos dirigidos por dirigentes e treinadores a árbitros, violência entre torcidas e tantos outros ilícitos penais são ignorados, como se o esporte fosse um mundo à parte, onde tudo é possível.

Tal proceder reflete doutrinas penalistas absurdas existentes nos anos 1930 e 40, que advogavam a tese de que os muros de uma arena desportiva seriam uma barreira intransponível para a aplicação do direito penal do Estado.

Por outro lado, estudos já demonstraram que criminosos se infiltram nas torcidas organizadas porque sabem que a benevolência com suas faltas ali cometidas é maior, o que só estimula a entrada de novos meliantes, num círculo vicioso que se retroalimenta.

Sentem-se imunes quando estão na verdade impunes. E a letra “P” que diferencia essas duas situações deve ser o “P” da Paralisia social que atinge ofendidos e até mesmo autoridades, que assistem inertes a tantos crimes que são cometidos bem na sua frente…

Em “Guerra dos Mundos”, os marcianos possuem uma arma que dispara bombas de fumo negro, que podem matar qualquer ser humano pelo caminho.

Nessa verdadeira guerra em que o esporte se meteu, há também uma fumaça, que coloca os infratores na penumbra e é capaz de destruir toda a paz social:

A impunidade.

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