“A objeção, o desvio, a desconfiança alegre, a vontade de troçar são sinais de saúde: tudo o que é absoluto pertence à patologia.”
O coronavírus está praticando o antijogo e os impactos financeiros da pandemia no esporte serão imensos. As principais perdas de receita devem acontecer nas vendas de ingressos, redução de sócios-torcedores, venda de produtos, corte nas verbas de TV e patrocínios, segundo estudos1. Apenas as perdas do mercado esportivo profissional global devem superar os US$ 15 bilhões de dólares americanos, valor que supera a casa dos R$80 bilhões na cotação da moeda brasileira hoje.
O futebol europeu, o mais forte no mundo, também será muito impactado. As perdas em 2020 dos 20 principais clubes podem chegar perto dos € 3 bilhões. Todas as fontes de receita serão prejudicadas. E na conexão com o futebol sul-americano em geral, mas especialmente o brasileiro, será natural a perda de valor disponível para investir em transferências, o que pode chegar a ser 40% menor que em 2019, algo muito ruim para os nossos clubes.
Em solo tupiniquim, os impactos podem ser gigantescos, com perdas superando os R$ 2,5 bilhões apenas para os 20 principais clubes brasileiros. Somente em transferências estes clubes podem perder entre R$500 e R$ 800 milhões. E quais são as alternativas que os clubes brasileiros terão para essa crise?
A comercialização dos direitos econômicos sobre jogadores de futebol com investidores, prática muito utilizada pelos clubes para a captação de receita após o fim do “passe”, poderia ser uma grande alternativa para o momento vivido. Entretanto, desde meados de 2015, essa negociação foi expressamente proibida pelo sistema federativo-associativo FIFA, com a criação do artigo 18 ter do Regulamento de Status e Transferência de Jogadores.
Mesmo sem um grande debate do tema com a principal região interessada, a região sul-americana, essa fonte de receita foi banida. Os principais argumentos utilizados para a proibição eram: as questões ética e morais de ver o atleta como ativo financeiro, a possível violação da integridade das competições desportivas, a dinâmica do negócio buscar transferências constantes, gerando instabilidade contratual, e a prática ser colidente com a ideia do fair play financeiro.
Em que pese a nobreza dos ideais protegidos com a proibição, acreditamos que a regulamentação de tais práticas era o caminho mais racional a ser trilhado já naquele período, todavia, com a atual crise, poderia ser a vacina contra a pandemia financeira que está a contaminar o nosso futebol. Por isso a importância de toda a comunidade jurídico-desportiva se lançar às pesquisas para encontrar a vacina adequada, sem que seus componentes agridam outros pontos vitais.
Mas o que é uma vacina?
Vacina é “uma substância derivada, ou quimicamente semelhante, a um agente infeccioso particular, causador de doença. Esta substância é reconhecida pelo sistema imunitário do indivíduo vacinado e suscita da parte deste uma resposta que o protege de uma doença associada ao agente.”3 No caso dos direitos econômicos sobre jogadores de futebol, o agente causador da doença é a ausência de recursos financeiros, e a substância que dará a proteção é o valor financeiro investido.
A vacina é composta, em geral, por 4 componentes: o antígeno, o solvente, os conservantes e os adjuvantes. No caso da vacina para a pandemia financeira no futebol, alguns elementos que podem ser estudados para a sua composição são: definição do conceito de direitos econômicos; suspensão temporal ou definitiva do artigo 18 ter do RSTJ FIFA; permissão de cessão apenas para clubes com a obrigatoriedade de investimento de capital; padronização de contrato de cessão; registro de investidores e do contrato de cessão com a publicação para assegurar a transparência, obrigatoriedade da anuência do jogador, proibição de cessão de direitos de jogadores menores de 18 anos, limitação de porcentagem cedida, de número de jogadores por clube e por investidor; manutenção de proibição de cessão para agentes e do artigo 18 bis do RSTJ FIFA, e o destino prioritário dos recursos investidos para o pagamento de salários atrasados dos jogadores.
Agora é pesquisar, estudar e fazer as experiências com os elementos acima e outros, identificando e harmonizando o antígeno, os solventes, os conservantes e os adjuvantes para encontrar a vacina adequada, trazendo a OMS do futebol federado e as outras entidades que conhecem a saúde dessa região para o movimento.
“Quando os médicos diferem, o paciente padece.”4
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1. Friedrich Nietzsche
4. Confúcio