Por Alécio Ciaralo, sócio-fundador do escritório CCLA Advogados
Um recente triunfo jurídico obtido pelo CCLA Advogados representa um marco significativo na interpretação da legislação tributária aplicada ao esporte, especificamente no que tange à isenção de ISS (Imposto Sobre Serviços) para agentes de futebol em transferências internacionais de atletas. Trata-se de uma decisão judicial pioneira que não apenas estabelece um precedente importante, mas também sinaliza uma mudança potencial na forma como o sistema tributário brasileiro lida com as complexidades do mercado esportivo global.
Dados divulgados pela Fifa indicam que apenas na última janela de transferências, que se encerrou em setembro de 2024, ocorreram 517 transações do Brasil para o exterior, representando uma movimentação de 277 milhões de dólares no período.
A legislação brasileira, em sua essência, prevê isenção de impostos para a exportação de serviços. No entanto, a interpretação restritiva adotada pela Prefeitura de São Paulo, que resulta na cobrança do ISS de intermediários em transferências internacionais de jogadores, criou um contencioso tributário significativo. A prática da fiscalização pressupõe a cobrança do ISS dessa operação de forma indistinta, bastando que conste na Nota Fiscal emitida pelo intermediário algum clube sediado no exterior, ocasião em que o imposto é exigido com multa de 100%, além da imputação do crime de sonegação fiscal.
Antes de levar a discussão ao judiciário, o escritório testou a tese na via administrativa, com obtenção de êxito parcial relacionado apenas com a intermediação na transferência de atletas entre clubes sediados no exterior, sendo mantida a exigência do ISS quando a transferência parte de um clube brasileiro.
Esta prática não apenas onera os profissionais do setor, mas também coloca os agentes brasileiros em desvantagem competitiva no cenário internacional. A argumentação bem-sucedida do CCLA Advogados baseou-se na premissa de que a intermediação na transferência de atletas de clubes brasileiros para clubes estrangeiros configura, de fato, uma exportação de serviços, qualquer que seja o conceito de resultado que se aplique, seja a teoria do resultado-utilidade, seja o resultado-consumação. Esta interpretação alinha-se perfeitamente ao espírito da lei que visa fomentar as exportações brasileiras, incluindo as de natureza intangível, como serviços.
As implicações desta decisão são profundas e multifacetadas. Ela oferece uma base mais sólida para os agentes operarem, reduzindo incertezas fiscais e permitindo-lhes competir mais efetivamente no mercado global. Não seria absurdo afirmar que a postura mais agressiva do Fisco Paulistano fomenta a guerra fiscal entre os municípios e a fuga de capitais, principalmente pelo fato de outras municipalidades próximas não restringirem o conceito de resultado auferido no exterior para fins de caracterização da exportação de serviços. Além disso, e adentrando ao aspecto federal, também potencializa o redirecionamento dessas receitas para empresas sediadas em paraísos fiscais.
Embora esta decisão seja indubitavelmente positiva para o setor, é crucial considerar suas implicações mais amplas. Por um lado, ela corrige uma distorção que prejudicava injustamente os profissionais brasileiros; por outro, levanta questões sobre a necessidade de uma revisão mais abrangente da legislação tributária aplicada ao esporte. É importante notar que, enquanto esta decisão beneficia diretamente os agentes, ela também pode ter um impacto indireto positivo nos clubes e atletas brasileiros. Com custos reduzidos de intermediação, as transferências internacionais podem se tornar mais atrativas, potencialmente aumentando o fluxo de talentos e recursos financeiros no futebol brasileiro.
Apesar deste avanço significativo, o caminho à frente ainda apresenta desafios. A municipalidade pode recorrer da decisão, prolongando a incerteza jurídica. Garantir que esta interpretação seja adotada uniformemente em todo o país pode ser um trabalho demorado e o setor precisará se ajustar a esta nova realidade, o que também pode levar tempo e exigir mudanças nas práticas estabelecidas.
Em suma, a decisão obtida pelo CCLA Advogados representa mais do que uma vitória isolada. É um passo significativo em direção a um tratamento fiscal mais justo e coerente para o setor esportivo brasileiro. Ao reconhecer a natureza global do mercado de transferências de atletas e alinhar a interpretação legal com esta realidade, o judiciário brasileiro demonstra uma compreensão mais sofisticada das dinâmicas do esporte moderno.
Sabemos que compreender a complexidade da tributação no âmbito esportivo é algo delicado, que requer especialização e muita dedicação. À medida que o setor evolui, será crucial manter um diálogo contínuo entre profissionais, autoridades fiscais e legisladores para garantir que o arcabouço legal continue a apoiar o crescimento e a competitividade do esporte brasileiro no cenário global.
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Mais sobre o autor:
Alécio Ciaralo Filho, advogado e consultor em São Paulo. Sócio da área Tributária e fundador do escritório Caús, Ciaralo, Loureiro & Andraus Advogados (CCLA Advogados). Membro da Comissão de Assuntos Tributários da Federação Paulista de Futebol. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto de Ensino e Pesquisa, INSPER, em São Paulo.