Tão logo o atacante Robinho foi condenado definitivamente pela Corte de Cassação de Roma, terceira e última instância da justiça italiana, por violência sexual em grupo contra uma mulher albanesa, em 2013, diversos questionamentos sobre sua prisão tomaram conta das redes sociais. Apesar do ex-jogador do Santos, Atlético-MG e Milan não poder ser extraditado para a Itália por conta da legislação brasileira, conforme explicou o Lei em Campo anteriormente, seu nome será incluído na “lista vermelha” da Interpol, que na prática representa um pedido de prisão provisória em cerca de 195 países para cumprimento de sua pena.
Diante da impossibilidade de extradição por conta da nacionalidade (art. 5º, inciso LI da Constituição Federal), a justiça italiana pedirá para que ele cumpra a pena de prisão em território brasileiro. É isso que foi confirmado por Stefano Opilio, diretor-geral de relações internacionais e cooperação judiciária do Ministério da Justiça da Itália, em entrevista ao ‘ge’.
“No caso da impossibilidade da extradição, vamos pedir a execução da pena no Brasil”, disse Opilio.
Essa possibilidade traz inúmeras discussões no campo jurídica, uma vez que há um “conflito” de leis.O Lei em Campo conversou com especialistas em Direito Penal sobre as chances de Robinho cumprir sua pena aqui.
“Como não cabe a extradição, a justiça italiana pode solicitar a transferência de execução (por meio da Lei de Imigração 13.445/2017, arts. 100 e 101), ou seja, executar a pena aqui já que não pode ser executada lá”, avalia o advogado criminalista João Paulo Martinelli.
“Considerando a interpretação dada até agora pelo STJ, de que a Transferência de Execução de Pena também pode se dar em casos de brasileiros natos, todos os demais requisitos parecem presentes no caso. Assim, parece alta a probabilidade de a condenação italiana ser homologada, com a subsequente expedição de mandado de prisão”, entende o advogado Davi Tangerino.
“O nosso Código Penal fala da homologação da sentença estrangeira exclusivamente para fins de medida de segurança ou reparação do dano (art. 9º). Dessa forma, não cabe a homologação de sentença estrangeira para a execução de pena de reclusão. Se esse processo for encaminhado ao Brasil para fins de reparação do dano, há quem suscite a possibilidade de o próprio Ministério Público apresentar uma nova denúncia e instaurar um novo processo penal aqui, pelos mesmos fatos, para chegar a uma condenação com as provas que foram obtidas na Itália. Particularmente, não tenho registro de um caso similar, tenho registros de outros casos em que a cooperação foi solicitada e brasileiros foram inteiramente processados, condenados e cumprem pena aqui. O caso do Robinho é complexo, não tem um precedente”, conta Cecília Mello, advogada e ex-desembargadora federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Segundo o artigo 9º do Código Penal Brasileiro, “a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II – sujeitá-lo a medida de segurança. Parágrafo único – A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça”.
No acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre Brasil e Itália, feito em 1989 e modificado em 1993, ficou definido no parágrafo 3º do artigo 1º, que “a cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”.
No entanto, a Lei de Migração (13.445/17), nos artigos 100 a 102, prevê a transferência de execução de pena para os casos em que a extradição não é possível devido à nacionalidade.
Questionado pelo Lei em Campo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que inúmeros brasileiros que cumprem pena no exterior solicitam para serem transferidos para o Brasil por meio do instituto da transferência de pessoas condenadas prevista nos artigos 103 a 105 da lei 13.445/17 e também em tratados internacionais firmados pelo Brasil. Esse instituto possibilita ao condenado cumprir a pena em seu país de origem.
“No caso em que há uma sentença de outro país contra um brasileiro e ele já se encontra no Brasil, uma vez que não é possível a extradição, o Estado estrangeiro poderá solicitar a transferência de execução de pena prevista nos artigos 100 a 102 da lei 13.445/17 para que essa pena seja transferida e aplicada no Brasil. O pedido deve partir do Estado estrangeiro e ser enviado ao Brasil por via diplomática ou diretamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública”, afirmou a pasta.
“Para ser preso no Brasil é necessário que haja homologação da sentença condenatória aqui. A homologação é o ato de transformar a sentença estrangeira em documento nacional para ser cumprido. A nova lei do estrangeiro e o acordo de cooperação entre Brasil e Itália permitem que a pena seja cumprida aqui, mas o trâmite é muito moroso”, explica Martinelli.
“Toda essa discussão tem levado a questionamentos sobre uma forma de homologar integralmente a sentença condenatória aqui no Brasil, para fins de execução da pena em sua plenitude. De qualquer maneira, a iniciativa deve partir do Estado italiano e, assim, parece que vai ocorrer. Teremos uma discussão ampla sobre o tema, inclusive sobre a necessidade de talvez modificarmos a nossa legislação”, analisa Cecília Mello.
Segundo uma apuração do ‘UOL Esporte’, nos últimos três anos (de janeiro de 2019 a janeiro de 2022) a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República (SCI – PGR) recebeu somente um pedido de transferência de execução da pena. O pedido foi feito pela Suíça e está tramitando no STJ.
De acordo com a Secretaria de Cooperação Internacional da PGR, “a transferência de execução de pena envolve a homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, não há prazo para o trâmite do processo, que segue as regras do Tribunal e as especificidades do caso concreto”.
Entenda o caso
O caso aconteceu na boate Sio Café, durante a madrugada do dia 22 de janeiro de 2013. Na época, a vítima, uma jovem albanesa, comemorava seu aniversário de 23 anos. Além de Falco e Robinho, um dos principais jogadores do Milan na ocasião, outros quatro brasileiros foram denunciados por terem participado do ato. Como todos já haviam deixado a Itália no decorrer das investigações, eles não foram acusados, sendo apenas citados nos autos do processo.
Em novembro de 2017, Robinho e Falcon receberam o primeiro veredicto, do Tribunal de Milão, após longa investigação da justiça italiana: foram condenados a nove anos de prisão por cometerem violência sexual em grupo. A corte se baseou no artigo “609 bis” do código penal italiano, que fala da participação de duas ou mais pessoas reunidas para ato de violência sexual, forçando alguém a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade “física ou psíquica”, no caso sob efeito de bebidas alcóolicas. Já o parecer da segunda instância, Corte de Apelação, ocorreu em 2020.
Nesta quarta, o último capítulo dessa triste história. A Corte de Cassação não aceitou o recurso dos advogados do jogador e confirmou a condenação de Robinho e de seu amigo Roberto Falco.
Crédito imagem: Getty Images
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