Por José Quintana Jr
Fim de semana, mais uma rodada dos estaduais espalhados pelo país e mais um novo caso de racismo no futebol. Desta vez, a vítima foi o goleiro Adriel do Grêmio, que relatou ter sido vítima de ofensas de cunho racista na partida contra o Brasil de Pelotas, no Estádio Bento Freitas pelo Campeonato Gaúcho. O mais impactante é a frase do atleta sobre o episódio: “Triste saber que vai ocorrer de novo”.
O pensamento do jovem goleiro, de apenas 21 anos de idade, segundo os dados de levantamento do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, não está equivocado. Em 2020, ao todo, foram 31 casos de racismo no futebol. Em 2021, até outubro, 41 casos, um aumento de aproximadamente 30%. Mas a principal estatística é estarrecedora é que apenas 10% dos casos sofrem algum tipo de punição.
A pergunta que surge é: qual o papel da Justiça Desportiva para que essa realidade mude em um futuro próximo no esporte brasileiro? O primeiro passo, unificar a forma de punição aos clubes e aos torcedores.
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, prevê em seu artigo 243-G, caput, a seguinte redação, verbis:
Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). § 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). § 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009). § 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE 29 de 2009).
No artigo frio da lei, caso a infração seja praticada simultaneamente por “considerável” número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, o clube também será punido com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida. No entanto, por não haver uniformidade para o que de fato poderia ser chamado “considerável”, quanto ao quórum mínimo de pessoas ao cometer o ato discriminatório, esse pode ser o gargalo para a falta de punição em aproximadamente 90% dos casos, segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Um exemplo desta falta de uniformidade, está no julgamento ocorrido em agosto de 2014, o famoso “caso Aranha”. O Grêmio foi punido com a perda de pontos do jogo diante do Santos, por consequência, foi eliminado da Copa do Brasil do mesmo ano, após cerca de cinco torcedores na Arena do Grêmio fazerem sons e gestos chamando o goleiro Aranha de “macaco”. Cumpriu-se o artigo, compreendendo-se que o número de pessoas era considerável. Uma punição inédita, que parecia se tornar um marco no combate ao racismo no futebol. Porém, quase 08 anos depois, nunca mais se repetiu. Só a título de nova exemplificação, em dezembro de 2021, torcedores do Athletico Paranaense, pelo menos dois, conforme as imagens divulgadas no dia da decisão, fazem sinal passando a mão no braço, “destacando a pele branca”. No mesmo jogo, uma mulher no camarote do estádio fez uma imitação de um macaco. Até a data da publicação desse artigo, nenhuma sansão foi apurada.
A punição do caso Aranha poderia ter se tornado referência, uma espécie de “a partir de agora, acabou a tolerância contra o racismo”. Mas as estatísticas demonstram o contrário. O STJD e demais entidades da justiça desportiva possuem papel preponderante, são protagonistas, no combate ao racismo e qualquer outro tipo de crime e preconceito. Ou se punem todos severamente, ou sempre haverá espaço para as arenas esportivas se tornarem local de expressões criminosas que envergonham o esporte e a sociedade como um todo.
Está nas mãos da justiça desportiva mudar esse cenário para que a fala do jovem goleiro do Grêmio, Adriel, em um espaço curto de tempo não seja realidade: “Triste saber que vai ocorrer de novo”.
Crédito imagem: Flicker
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José Quintana Jr é jornalista, advogado e Pós-Graduando em Direito Desportivo (Cers)