A rodada do último final de semana da Série A do Campeonato Brasileiro foi marcada por fortes reclamações contra à arbitragem. As críticas foram feitas por João Martins, auxiliar de Abel Ferreira no Palmeiras, e pelo técnico Felipão, do Atlético-MG, após os empates com Athletico-PR e América-MG, respectivamente.
João Martins disse que seria “ruim para o sistema” o fato de seu time conquistar o Campeonato Brasileiro duas vezes seguidas. Na ocasião, o português reclamou da não expulsão de Zé Ivaldo no pênalti em Endrick logo no começo da partida.
Ao ser questionado na coletiva sobre os números de cartões recebidos por Hulk na temporada, o técnico Felipão respondeu dizendo que existe uma “ordem lá de dentro (da CBF)” para punir o atacante do Galo.
Na manhã desta segunda-feira (3), a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) divulgou um comunicado (confira na íntegra ao final da matéria) repudiando as falas do auxiliar técnico do Palmeiras. A entidade rebateu dizendo que a entrevista foi um “festival de grosserias” e uma tentativa xenofóbica de diminuir o Brasileirão no exterior.
A CBF afirmou que vai levar as declarações de João Martins ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) para que ele revele o “esquema ou o sistema no futebol brasileiro que não permite que o melhor vença”. A entidade, no entanto, não fez qualquer menção à fala de Felipão.
João Martins e Felipão podem ser punidos pela Justiça Desportiva?
Na visão do advogado Carlos Henrique Ramos, especialista em direito desportivo, as afirmações de ambos os profissionais são grosseiras, deselegantes e que dificilmente podem ser provadas. Segundo ele, trata-se da velha estratégia de “jogar para a torcida” e eximir-se de suas responsabilidades pelos resultados das partidas por meio de acusações vagas e amplas.
“Quanto ao auxiliar do Palmeiras, João Martins, não me parece ser caso de xenofobia. Não vejo em sua infeliz declaração um típico caso de ato discriminatório associado a ódio ou aversão a estrangeiro”, avalia.
Carlos Ramalho, advogado especializado em direito desportivo, segue o mesmo entendimento quanto ao enquadramento de xenofobia no discurso do auxiliar.
“A meu sentir, as declarações, por mais desastrosa, do ponto de vista de um integrante de uma entidade esportiva, que integra o sistema esportivo brasileiro, não encontra qualquer hipótese de enquadramento a hipótese de xenofobia. Isso porque, a meu sentir, a declaração não se amolda à previsão contida no art. 243-G do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) que dispõe sobre a pratica de ‘ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência’”, afirma.
Para o advogado Carlos Henrique Ramos, João Martins e Felipão poderão ser denunciados por infração ao artigo 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
“Tanto João Martins quanto o Felipão podem ser denunciados pela Procuradoria do STJD por infração ao art. 258 do CBJD, o qual diz respeito a assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras do Código. O próprio artigo cita o desrespeito aos membros da equipe de arbitragem ou reclamações desrespeitosas contra suas decisões como exemplos de condutas que poderiam ser enquadradas no referido tipo infracional. A punição seria a de suspensão de 1 a 6 partidas”, entende o especialista.
“Entendo que ao deixar ‘no ar’ possíveis manobras, sem especifica-las, incorre em possível afronta a ética esportiva, e a meu sentir, poderiam ser enquadrados nos termos do art. 258 do CBJD que dispõe sobre a hipótese de o agente assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras expressas do CBJD”, acrescenta Carlos Ramalho.
“Os dois podem ser denunciados no artigo 243-F, que pune aquele que ofende alguém em sua honra com a pena de, no mínimo 4 partidas de suspensão. O artigo prevê punição de 1 a 6 partidas, mas como a infração teria sido cometida contra árbitro, a pena deve ser de no mínimo 4 partidas. Pode ser que a denúncia seja realizada no artigo 258. § 2º, II, que pune quem desrespeita os membros da equipe de arbitragem com suspensão de 1 a 6 partidas. Lembrando que será um ou outro; ou no 243-F ou no 258. § 2º, II; não os dois ao mesmo tempo. Antes disso, porém, entendo ser pertinente a instauração de um inquérito para averiguar a veracidade das declarações dos dois. São acusações extremamente graves e, se forem reveladas verdadeiras, deverá haver punição aos envolvidos”, analisa Fernanda Soares, advogada especializada em direito desportivo.
No início da tarde desta segunda-feira, o Palmeiras respondeu à nota oficial da CBF, considerada pelo Alviverde como “agressiva”. O clube listou questionamentos à entidade e reforçou sua indignação com o que considera ser “reiterados erros graves da arbitragem”.
Confira a íntegra do comunicado da CBF
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) lamenta profundamente o que se viu ontem (02/07) por parte do auxiliar técnico do Palmeiras, João Martins, designado para a entrevista coletiva pós jogo. O ato lamentável foi muito além das reclamações semanais da arbitragem. O que ocorreu, de fato, foi um desfile de grosserias e uma tentativa infantil e até xenofóbica de reduzir a relevância do futebol brasileiro na Europa, mostrando inclusive desconhecimento do próprio campeonato que disputa, que já teve tricampeões, bicampeões, com vários times ganhando seguidamente.
O comportamento do jogador brasileiro, que o funcionário em questão tanto critica, não corresponde à realidade, na medida em que o Brasil é o país do mundo que mais tem jogadores atuando no exterior, inclusive na própria seleção portuguesa.
A atual gestão da arbitragem da CBF nunca, em nenhum momento, esteve tão transparente e se expôs tanto, dando satisfações públicas semanais, inclusive reconhecendo eventuais erros. Somos o único país do mundo a oferecer avanços tecnológicos nos estádios, com os telões mostrando os lances da partida em tempo real. Inclusive, o lance em questão, alvo de reclamação, foi acompanhado por todo o estádio, por jogadores e torcedores. A CBF, através de sua comissão de arbitragem, quer assim dar total transparência aos lances duvidosos que normalmente ocorrem durante as partidas.
Nunca a entidade investiu tanto no aprimoramento da arbitragem. Nesta segunda-feira (03/07), por exemplo, os árbitros designados para a próxima etapa da Copa do Brasil estão em treinamento no Rio de Janeiro. E também hoje à tarde, e pelos próximos 15 dias, as árbitras vão passar por cursos, treinamentos e aprimoramento técnico. Os investimentos são expressivos e com foco na constante melhoria da qualidade do quadro de arbitragem. Avanços esses que somos pioneiros no mundo.
Equívocos de arbitragem, de jogadores, técnicos, acontecem em todos os lugares, inclusive e, principalmente, na Europa. São parte do processo, do mecanismo do futebol, que não é feito por máquinas. Portanto, nada justifica o que se viu ontem e que foi amplamente divulgado pela imprensa em todo o mundo.
A CBF está encaminhando o vídeo contendo as declarações do profissional do Palmeiras ao presidente e ao procurador do STJD para que ele revele qual seria o esquema ou o sistema no futebol brasileiro que não permite que o melhor vença.
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