O futebol feminino da Inglaterra conquistou uma importante vitória na luta por mais direitos. As jogadoras dos 24 clubes que disputam a Super Liga (primeira divisão) e a segunda divisão do país receberão em breve, pela primeira vez na história, o direito à licença maternidade e auxílio para doenças de longo prazo. As mudanças foram aprovadas após um acordo entre a Associação de Futebol (FA, na sigla em inglês) e a Associação de Futebolistas Profissionais, e são consideradas extremamente necessárias para o desenvolvimento da modalidade.
“O reconhecimento desse direito é uma grande conquista para as profissionais do esporte, que muitas vezes tem que escolher entre a maternidade e a carreira profissional no meio esportivo. É algo de extrema relevância, que deve ser – cada vez mais – reconhecido para as atletas de todas categorias esportivas”, avalia Luciane Adam, advogada especializada em direito trabalhista.
“É muito importante para reforçar o compromisso dos países republicanos e democráticos em relação aos tratados internacionais ratificados em que se comprometem a não discriminar o trabalho da mulher”, ressalta o advogado especializado em direito desportivo Rafael Ramos.
O advogado trabalhista Higor Maffei Bellini, atuante em casos envolvendo atletas mulheres, acredita que o reconhecimento desses direitos serve para fazer o futebol feminino crescer e passar maior segurança, do ponto de vista trabalhista, tanto para as jogadoras quanto para os clubes.
“Essas regulamentações vêm ajudar ao futebol feminino, fazendo com que as atletas sejam cada vez mais tratadas como empregadas, o que realmente são. No futebol, quando a jogadora tem o direito a licença maternidade o clube se sente mais à vontade para fazer contratos mais longos do que o que é feito atualmente, que tem a grande maioria girando entre 10 e 12 meses”, ressalta.
As discussões sobre o direito de licença maternidade para atletas profissionais aumentaram nos últimos anos, principalmente depois que grandes estrelas do esporte feminino, como a jogadora Alex Morgan e a tenista Serena Williams, passaram a protestar publicamente a favor do reconhecimento.
As duas tiveram que fazer uma pausa temporária em suas carreiras esportivas para se tornarem mães. Serena inclusive conquistou o Australian Open, primeiro Grand Slam da temporada, durante os primeiros meses de sua gravidez.
“Toda vez que se reconhece o direito de uma atleta de futebol de engravidar e ter mantido o seu contrato de trabalho, podendo também gozar da licença maternidade, deixa claro para todas as mulheres que desejam começar a jogar futebol que estas não terão de escolher entre ser mães e continuarem a serem jogadoras”, acrescenta Higor.
Os detalhes do acordo entre as entidades inglesas deverão ser anunciados em breve, no entanto, ele já é visto como um grande avanço. De acordo com um estudo realizado em 2017, apenas 3% dos principais clubes do mundo oferecem algum tipo de auxílio para as mães.
No Brasil, a situação não é diferente. Apesar de haver o reconhecimento da licença maternidade na Constituição Federal, a Lei Pelé (Lei 9.615) – responsável por determinar as normas e diretrizes para a condução do esporte no território brasileiro – não fala sobre o tema.
Mas o que falta para o direito à licença maternidade das atletas passar a ser reconhecido por aqui? Para os especialistas, a resposta está em uma mudança na legislação e de mentalidade, já que o futebol feminino ainda é muito menosprezado e com menos importância que o masculino.
“Do ponto de vista interno, no Brasil, em qualquer espécie de trabalho, as mulheres têm direito a licença maternidade, garantido pelo art. 7, XVIII, da CF/88 e arts. 391 a 392 da CLT. A Lei Pelé está vazia sobre o trabalho desportivo e está superada tanto pela falta de normas específicas, quanto por disposições desconexas com a realidade. Há anos defendemos em nossas escritas a existência de uma lei específica somente para o Trabalho Desportivo, como existe em Portugal, Espanha, Itália, etc. Só assim, podemos resolver esta acomodação devida a mulher em decorrência de sua gestação”, explica Rafael Ramos.
“Aqui estamos distantes porque infelizmente na nossa cultura o futebol feminino apenas nasceu na década de 1980, quando deixou de ser proibido. A modalidade é vista como um apenso do departamento de base masculino e não como um departamento próprio”, afirma Higor.
O advogado também cita os clubes como um dos responsáveis pela falta de desenvolvimento do futebol feminino. “Eles tratam as jogadoras como amadores, não registrando a Carteira de Trabalho e Previdência Social lhe subtraindo os direitos trabalhistas e previdenciários. Se os clubes tratassem as atletas como profissionais bastaria a aplicação das leis trabalhistas e previdenciárias para garantir que todas tenham o necessário direito a uma gestação protegida legalmente”, conta Higor.
“A discriminação do esporte brasileiro é tanta, que as atletas mulheres são reprimidas para não engravidar. No geral, as jogadoras sentem muito medo de perder a carreira atlética com uma gestão inesperada ou até mesmo planejada. A falta de uma Lei específica sobre o Trabalho Desportivo, que preveja, dentre outras questões, o direito de a mulher atleta profissional engravidar, ter acesso a efetiva licença maternidade e estabilidade provisória, acaba por restringir-lhe acentuadamente o acesso aos direitos laborais gravídicos”, finaliza Rafael Ramos.
A decisão da Inglaterra deverá pressionar as outras ligas e principalmente a Fifa, entidade máxima do futebol, para que tomem medidas no mesmo sentido.
Crédito imagem: Reuters
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