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Jogadores e técnicos são obrigados a trabalhar mesmo com avanço da pandemia no Brasil? Especialistas respondem

O Brasil é hoje o epicentro da Covid-19 no mundo. Nesta quinta-feira (4), o país voltou a um número alto de mortos pela doença: 1.786 nas últimas 24h. No futebol a situação não é diferente, e campeonatos estaduais começaram a ser suspensos. Dessa forma, coube aos técnicos Abel Ferreira, do Palmeiras, e Lisca, do América-MG, demonstrarem preocupação e questionarem a continuação do futebol brasileiro em meio a pandemia.

Pensando nisso, uma pergunta se faz necessária: os atletas e técnicos que não se sentirem seguros serão obrigados a trabalhar? O Lei em Campo ouviu especialistas sobre isso.

“A obrigação do empregado trabalhar durante um momento de pico de casos de contaminação na pandemia é tema novo e polêmico em alguns aspectos. Não há uma regra definida, sendo casuística. É responsabilidade do clube ou de qualquer empregador manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com base na Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXII. Portanto, o atleta tem o direito de exigir medidas rigorosas e eficazes que protejam a sua integridade num todo”, ressalta Theotonio Chermont, advogado especialista em direito desportivo.

A Constituição Federal, no art. 7º, XXII, prevê como direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Além disso, a legislação é transparente ao determinar que o empregador (clube) é responsável pela saúde e integridade de seus empregados (atletas). Isso está previsto também na Lei Pelé e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

“Em lugares que não poderá ter partidas por conta das restrições, os atletas e treinadores podem se recusar a trabalhar sem qualquer consequência jurídica contra eles. A CLT prevê como motivo para rescisão indireta do contrato de trabalho o empregador exigir trabalho do empregado em atividades que possam causar mal considerável (art. 483, ‘c’), ou seja, de forma indireta autoriza o empregado a recusar, dentro da máxima quem pode o mais pode o menos”, avalia Domingos Zainaghi, advogado trabalhista.

Para Theotonio Chermont, questões dessa natureza podem ter diversas interpretações jurídicas justamente por ainda ser uma “novidade”.

“Não há dúvidas que a questão é subjetiva e pode haver entendimentos distintos. Muitos clubes vão alegar que todas as medidas de segurança estão sendo tomadas em conjunto com a CBF e que, portanto, não existe justificativa para se recusar a prestar serviços. Até que ponto tais medidas são 100% eficazes? Quais as consequências decorrentes de uma contaminação no ambiente de trabalho que acarrete problemas sérios ou mesmo o óbito?”, questiona o advogado.

“Nosso país parou, gente. Não tem lugar nos hospitais, eu estou perdendo amigos, amigos treinadores. É hora de segurar a vida. Aqui no Mineiro tudo bem, é mais perto, mas como vão levar uma delegação do norte para o Sul. Presidente Caboclo, pelo amor de Deus, Juninho Paulista, Tite, Cléber Xavier, autoridades. Nós estamos apavorados”, desabafou Lisca.

Já Abel Ferreira provocou uma reflexão: “Gostaria de apelar à responsabilidade de todos. Quando cheguei aqui (ao Palmeiras), fiquei um bocadinho espantado, porque na Europa, pelo menos em Portugal, tivemos dois lockdowns, com todo mundo ficando em casa e só saindo para comprar alimentos essenciais. E, quando cheguei ao Brasil, vi que as regras tinham que ser mais apertadas”.

O jovem técnico português também disse estar assustado com a situação atual do Brasil: “Fato é que assusta ver a quantidade de mortos, independente de ser um ou dois mil, cinco mil é exatamente igual. Porque eu gosto muito de futebol, adoro futebol, sou apaixonado por futebol, mas futebol sem vida não é nada e para mim a vida está acima daquilo que é o futebol”.

A situação de fato não é animadora, muito pelo contrário. Diversos estados brasileiros estão próximos do colapso hospitalar, uma vez que a taxa de ocupação das UTIs (Unidade de Terapia Intensiva) destinadas às pessoas com Covid-19 estão acima dos 80% em todas as regiões.

O caos reflete no futebol. Somente nesta semana: os Campeonatos Cearense e Catarinense foram suspensos pelos próximos 15 dias, e o Corinthians foi atingido por um surto de Covid-19, com 20 pessoas contaminadas, sendo nove jogadores e 11 funcionários.

“Muito embora a atividade desportiva esteja permitida (em alguns lugares), cabe aos empregadores zelarem pela saúde e bem-estar de seus empregados, não podendo expô-los a risco de doenças. Levando-se em consideração que o Brasil atravessa o pior momento desde o começo da pandemia – tanto em número de contaminados quanto de mortes – e os recentes casos de grande número de contaminações dentro das equipes, o momento é de extrema cautela e até mesmo de revisão sobre a continuidade dos campeonatos”, alerta Luciane Adam, advogada especializada em direito do trabalho e colunista do Lei em Campo.

Apesar do cenário trágico, a discussão sobre uma nova paralisação geral do futebol brasileiro parece estar totalmente fora de cogitação e a tendência é de que o futebol seja mantido. Os clubes temem sofrer um trauma financeiro semelhante ao da parada de 2020, que continuam trazendo consequências, e alegam que os protocolos adotados nas competições são eficientes e seguros.

Na prática, isso é diferente. Há duas semanas, o delegado de segurança da Conmebol e vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Roberto Cicivizzo, morreu em decorrência da Covid-19 na Argentina. O dirigente foi ao país para participar da final da Copa Sul-Americana, em janeiro.

O Lei em Campo já contou que não existe protocolo que garanta segurança com os deslocamentos, principalmente viagens semanais, e sem o real isolamento dos atletas. Especialistas ouvidos pelo blog citaram o sistema de “bolhas”, o mesmo usado pela NBA na última temporada, como uma alternativa. No entanto, a medida para estar distante da realidade brasileira.

Na noite desta quinta-feira, o ge noticiou que o Ministério Público vai recomendar à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a suspensão de todas as partidas de futebol no Brasil.  Uma carta, assinada em conjunto pelos presidentes das comissões estaduais que tratam da segurança nos estádios, deverá ser entregue à entidade brasileira nos próximos dias.

Até o momento, a CBF não se manifestou sobre uma possível paralisação.

Uma coisa é fato, será necessário que os responsáveis por organizar o futebol brasileiro avaliem bem o que será feito nas próximas semanas, porque a situação parece mais crítica do que nunca.

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