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Jogo do Tigrinho: banir ou permitir?

Nas últimas semanas só se fala no Jogo do Tigrinho. Enquanto personalidades divulgam irresponsavelmente o jogo como uma forma de se tornar milionário, de se alcançar o sucesso, ou um meio de ascensão social, diariamente são noticiados golpes gigantescos que levam milhares de pessoas a perdas financeiras de difícil reparação. Para atrair jogadores, as celebridades fazem de tudo, posam com carrões importados, em mansões, exibem maços de dinheiro e tudo o que se pode imaginar em termos de ostentação. Até onde isso vai chegar?

O funcionamento do jogo é simples e não deveria trazer problemas. Trata-se de um jogo de chance com temática inspirada no zodíaco chinês. Para jogar o Fortune Tiger (nome original do Jogo do Tigrinho), as pessoas devem se inscrever na plataforma, fazer depósitos em dinheiro e rodar bobinas para apostar na roleta.

Vence a partida quem tiver a sorte de combinar três símbolos nas linhas de pagamento, algo parecido com uma máquina caça níquel. Segundo os sites que disponibilizam o Jogo do Tigrinho, seu RTP (return to player) costuma ser superior a 95%. Isto é, teoricamente, esse percentual indica a probabilidade do jogador ter retorno do dinheiro apostado.

Digo teoricamente pois hoje no País não há verificação dos RNGs (randon number generators) – dispositivos responsáveis pela aleatoriedade dos jogos – das plataformas que disponibilizam o Jogo do Tigrinho nem dos jogos que seguem a mesma lógica como o Fortune Rabbit (jogo do coelho), o Fortune Mouse (jogo do rato), o Fortune Gods (jogo dos deuses) e o Fortune Ox (jogo do boi).

Em países que regulam o iGaming, como é conhecida essa modalidade de jogo, todas as plataformas, para oferecerem um produto desse gênero, passam por uma certificação de um laboratório internacional a fim de ser assegurado que os resultados são, de fato, randômicos e que não existe manipulação por parte do operador. Avalia-se e certifica-se a idoneidade do RNG.

No Brasil, entretanto, isso não acontece. O motivo é simples, apesar de presente em todos os cantos do País e oferecido por diversas plataformas que operam offshore, não há qualquer regulamentação a respeito. Proliferam-se plataformas irresponsáveis que direcionam seus jogos a menores e manipulam os resultados, de forma a restringir, ou até mesmo impedir, que o jogador possa sair-se vencedor em um jogo de chance. O resultado é manipulado de forma que o jogador só perca e a casa apenas ganhe.

Do jeito como as coisas estão hoje no Brasil, não se tem segurança se uma plataforma que oferece o Jogo do Tigrinho ou semelhante teve seu RNG certificado ou mesmo se tem o RNG de forma a assegurar a aleatoriedade do jogo.

Os jogos eletrônicos conhecidos como iGaming, aliás, são proibidos no território nacional, mas oferecidos a brasileiros a partir de sites hospedados em países estrangeiros que permitem essa modalidade de jogo. Uma loucura, não?

Como o Brasil seria capaz de punir empresas que se encontram fora dos seus limites territoriais? Simplesmente não pode, lhe falta competência. Pode-se tentar evitar a divulgação desse tipo de jogo? Sim, certamente é possível. Agora, se será eficaz essa tentativa de conter a divulgação do Tigrinho e suas variantes, tenho minhas dúvidas. Trata-se de uma prática que se expande de boca em boca. As redes sociais ainda podem ser restringidas, mas a divulgação corre, e muito, por meio de mensagens privadas e grupos fechados. É praticamente correr atrás do rabo. Inviável.

E como chegamos a essa situação? Vale uma breve retrospectiva dos fatos. Em 2018, com a legalização das apostas esportivas por meio da Lei 13.756, casas de apostas foram autorizadas a explorar as apostas esportivas no Brasil, ainda que aqui não pudessem se instalar por ausência de regulamentação. A demora do Governo Federal em providenciar a regulamentação (já se passaram mais de 5 anos – 4 anos da gestão Bolsonaro e caminhamos para 1 ano da gestão Lula) gerou uma expansão descontrolada dessa atividade.

A reboque da aposta esportiva, veio o iGaming. Internacionalmente é comum que as mesmas plataformas que oferecem apostas esportivas ofereçam o iGaming. Isso começou a ser feito no Brasil sem que as autoridades públicas contivessem o problema que estava por vir. Hoje apostas e iGaming formam um mercado bilionário. Estima-se que a movimentação financeira dos operadores no ano de 2024 supere os R$ 15 bilhões. O mercado é gigantesco e, como disse anteriormente, está descontrolado pela omissão do Governo Federal, especialmente na gestão passada.

Muitos falam, especialmente depois de seguidas denúncias de golpes aplicados à população em proibir o jogo e mesmo a atividade (iGaming). Essa medida, por mais que pareça o caminho mais rápido de se acabar com os crimes que são performados a partir da internet, não vai resolver o problema. Afinal, o jogo já é proibido. Reforçar essa proibição não vai levar a lugar nenhum, até porque, na prática, já temos visto todos os dias que mesmo proibido, esse jogo continua na boca do povo.

Outros dirão que então é preciso reprimir, fiscalizar e assegurar que as punições serão aplicadas e cumpridas. Novamente, não entendo que esse seja o caminho mais eficiente.  Esse é um caminho que requer pessoal qualificado e investimento em equipamentos. Recursos humanos e tecnológicos são caros. Ainda assim, o País estaria de mãos atadas, pois como disse, essas plataformas não ficam no Brasil, mas no exterior.

A alternativa viável é uma só. Reconhecer a existência desse problema e tratá-lo, ao invés de simplesmente repudiá-lo. O Brasil tem é que regulamentar a atividade de iGaming, somente assim, trazendo a atividade para a legalidade e estabelecendo diretrizes é que o Governo Federal poderá fazer com que plataformas sérias se instalem no Brasil, permitindo uma adequada fiscalização e controle. Somente com a legalização o País irá conseguir obter recursos com o iGaming para investir na qualificação do pessoal e tecnologias de monitoramento para checar a existência e o funcionamento dos RNGs das plataformas.

O jogo não é fácil, e para pularmos de fase, a jogada inicial é regulamentar. O Projeto de Lei 3626/23 propõe a regulamentação das apostas e do iGaming. Regular somente apostas e deixar para depois o iGaming é ignorar um problema presente, é ser conivente com os golpes, que seguirão sendo dados, é se omitir para os problemas que jogos como o do Tigrinho, sem o devido controle, podem trazer para a população.

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