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Justiça Desportiva, direitos humanos e o acesso ao poder judiciário antes do esgotamento das instâncias desportivas

Por Carlos Ramalho

Em meados de maio do corrente ano escrevi para este portal sobre “A Hipossuficiência na Justiça Desportiva e o Duplo Grau de Jurisdição: Indagações Jurídicas sobre possível afronta ao art. 53, § 2º e 3º da Lei Pelé”,

e naquela oportunidade finalizei o texto com a seguinte indagação:

… sendo o atleta ou entidade de prática desportiva hipossuficiente, e não tendo esgotado todas as instâncias desportivas, em razão do entendimento majoritário, do não cabimento da gratuidade da justiça, poderia este recorrer ao Poder Judiciário antes de esgotar as instâncias da Justiça Desportiva?

Hoje volto a temática para discorrer brevemente sobre a questão.

O § 1º do art. 217 da Constituição Federal prevê que “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.

Conforme se verifica as instâncias da Justiça Desportiva encontram-se reguladas no art. 52 da Lei Pelé que prevê “… o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório”.

Não há dúvidas de que deve ser garantido aos jurisdicionados a ampla defesa e o contraditório, o que inclusive consta taxativamente da transcrição acima.

Contudo, uma coisa é a previsão legal e outra a prática dos tribunais desportivos. Isso porque, nem todos os jurisdicionados possuem recursos para pagar as custas processuais, daí porque a estes devem ser garantidos os meios para que possam fazer jus ao direito de acesso à justiça através da concessão da gratuidade da justiça.

Voltando ao questionamento inicial, entendo ser plenamente cabível o acesso ao Poder Judiciário na hipótese do não exaurimento das instâncias desportivas quando negado tal benefício ao jurisdicionado.

A um: porque a própria legislação dispõe que deve ser garantido a ampla defesa e o contraditório;

A dois: porque a Justiça Desportiva aplica penalidades de caráter sancionador, razão pela qual deve possibilitar todos os meios inerentes a defesa do acusado, ou seja, deve garantir o duplo grau de jurisdição;

A três: porque o acesso à justiça é direito fundamental, consagrado na constituição e em tratados internacionais;

A quatro: porque o poder judiciário não poderia se furtar a apreciação de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, Inciso XXXV CF/88);

A cinco: porque aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, Inciso LV CF/88);

A seis: porque a Convenção Americana de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário disciplina no Artigo 8 que “1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

A sete: porque o artigo 25 da referida Convenção prevê que “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção […]”.

Ora, “em sendo o acesso à Justiça uma garantia basilar para efetivação de direitos, não há como conceber a Justiça Desportiva como uma “Justiça de natureza Privada” em detrimento a pormenorizar os próprios direitos fundamentais”. [1]

Evidente, portanto, que em qualquer esfera em que direitos fundamentais não forem respeitados o próprio sistema de direitos e garantias fundamentais não se sustentara.

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[1] RAMALHO, Carlos Santiago da Silva. Justiça Desportiva e o Acesso de Jurisdicionais Hipossuficientes: Afronta ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório? In: Revista Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD). SERRA, Gabriel Caputo Bastos; ROMERO, Ana Cristina Mizutori (Organização), Ano 7, n.6 (JUL./DEZ.2021) – Brasília: ANDD, 2021.

Carlos Ramalho é Administrador; Bacharel em Direito; Pós-Graduado MBA em Consultoria e Gestão Empresarial; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDDJ); Assessor da Presidência da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD); Auditor Auxiliar do Pleno do STJD do Futebol; Auditor do Pleno do STJD da Confederação Brasileira de Futebol de 7; Organizador e Autor de livros e Artigos

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