Por Carlos Ramalho
No mês de fevereiro, alguns casos de violência contra equipes de futebol, ganharam as páginas da mídia e chamaram a atenção da sociedade brasileira diante da audácia dos atos praticados por vândalos travestidos de torcedores.
No dia 24/02, o ônibus com a delegação do Bahia, que trafegava com destino a Arena Fonte Nova em Salvador para enfrentar o Sampaio Correia pela Copa do Nordeste foi atacado com uma bomba. O goleiro Danilo e o lateral Matheus acabaram se ferindo por estilhaços e tiveram que ser conduzidos para atendimento médico hospitalar. Danilo, inclusive, sofreu um corte profundo próximo aos olhos. Mesmo diante da situação o Bahia optou pela realização da partida.
Na mesma data, a van que transportava a equipe do Náutico, após desembarcarem no aeroporto Internacional de Recife, foi atingida por objetos. A janela do veículo se quebrou e por muito pouco não machucou gravemente algum dos passageiros. Os supostos protestos violentos se deram em razão da equipe ter sido eliminada da Copa do Brasil pelo Tocantinópolis por 1 x 0 no dia anterior.
Já no dia 26/02 o ônibus da delegação do Grêmio foi atacado em Porto Alegre com pedras, nas imediações do estádio do Beira-Rio onde disputaria o clássico contra o Internacional pelo Campeonato Gaúcho. O meio-campista Matías Villasanti foi atingido na cabeça e sofreu traumatismo craniano e concussão cerebral. Ele chegou a ser internado, mas recebeu alta no dia seguinte. Dada a gravidade da situação o Grêmio se recusou a jogar, tendo a Federação Gaúcha decidido por adiar a partida.
Para que possamos discorrer a temática proposta, cediço que a resposta deve ter origem através de análise das infrações tipificadas pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Nessa senda, entendo que o capítulo que trata das “infrações relativas a administração desportiva, as competições e a Justiça Desportiva”, que compreende os artigos 191 a 233 é o local onde se deve perquirir em busca da solução proposta.
Antes, porém, imprescindível discorrer sobre praça de desporto.
O Parágrafo 3º do art. 282 do CBJD estabelece que “Para os fins deste Código, os termos “partida”, “prova” ou “equivalentes” compreendem todo o período entre o ingresso e a saída dos limites da praça desportiva, por quaisquer dos participantes do evento”.
Pela leitura do dispositivo acima surge uma celeuma. Qual seria o limite geográfico da praça desportiva? Seria os arredores do local do evento? Quantos metros? Quilômetros?
Essa questão, contudo, será objeto de uma análise a ser publicada em texto futuro.
Pois bem.
A meu sentir as disposições do CBJD que versam sobre praça de desporto, dizem respeito ao local da realização do evento esportivo, o que corrobora, através de uma leitura integrada com o disposto no art. 282 acima transcrito.
É o que se extrai, por exemplo, do art. 219 que dispõe sobre penalidade para quem “Danificar praça de desportos, sede ou dependência de entidade de prática desportiva”.
A previsão recai sobre danos ao local de realização do evento.
Já o Parágrafo único do art. 243-D (Incitar publicamente o ódio ou a violência) dispõe que “Quando a manifestação for feita por meio da imprensa, rádio, televisão, Internet ou qualquer meio eletrônico, ou for praticada dentro ou nas proximidades da praça desportiva em que for realizada a partida, prova ou equivalente, o infrator poderá sofrer, além da suspensão pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, pena de multa entre R$ 50,00 (cinquenta mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Ou seja, novamente se verifica que a praça desportiva se configure como o local de realização do evento.
E ainda o § 2º do art. 243-G que versa sobre (Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência) dispõe que “A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Nessa senda, a Justiça Desportiva é a competente para processar e julgar as ocorrências, conforme tipificação adequada, oriundas da praça desportiva, incluídas, a título exemplificativo, infrações atinentes ao art. 211, 213 do CBJD.
E, ultrapassados os limites da praça desportiva?
A meu sentir, salvo melhor juízo, e, respeitando os entendimentos contrários, a única previsão legal constante do CBJD encontra-se emoldurada no art. 203, senão vejamos.
Art. 203. Deixar de disputar, sem justa causa, partida, prova ou o equivalente na respectiva modalidade, ou dar causa à sua não realização ou à sua suspensão. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e perda dos pontos em disputa a favor do adversário, na forma do regulamento.
§ 1º A entidade de prática desportiva também fica sujeita às penas deste artigo se a suspensão da partida tiver sido comprovadamente causada ou provocada por sua torcida.
§ 2º Se da infração resultar benefício ou prejuízo desportivo a terceiro, o órgão judicante poderá aplicar a pena de exclusão da competição em disputa.
§ 3º Em caso de reincidência específica, a entidade de prática desportiva será excluída do campeonato, torneio ou equivalente em disputa.
§ 4º Para os fins do § 3º, considerar-se-á reincidente a entidade de prática desportiva quando a infração for praticada em campeonato, torneio ou equivalente da mesma categoria, observada a regra do art. 179, § 2º.
O referido artigo elenca duas hipóteses para não disputa de partida. A primeira sem justa causa, ou seja, uma condição omissiva de forma deliberada pela equipe. E a segunda uma ação de dar causa à sua não realização ou à sua suspensão.
Conforme se verifica, de acordo com o § 1º, o clube incorrerá na penalidade se a suspensão da partida tiver sido comprovadamente causada ou provocada por sua torcida.
Ora, indiscutivelmente, o tipo infracional se aplica a equipe mandante ou visitante ou a ambas, acaso tenham se omitido ou contribuído diretamente ou através de suas torcidas para a prática infracional prevista no artigo.
E, nesse contexto, a conduta atípica pode ser configurada em local diverso que extrapole o contexto da praça desportiva.
Suponhamos, por exemplo, uma delegação que sofra um ato de violência no trajeto do aeroporto para o hotel ou para o estádio que resulte na não realização da partida?
Cediço que configurada hipótese contida no art. 203, a Justiça Desportiva terá competência esportiva, para julgamento, mesmo tendo o fato ocorrido fora da praça desportiva.
Por fim, cumpre registrar o mais amplo e irrestrito repudio a atos de violência, seja dentro ou fora de campo.
Que o amor vença a violência!
“Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição“
Legião Urbana – Perfeição
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Carlos Ramalho é Administrador; Bacharel em Direito; Pós-Graduado MBA em Consultoria e Gestão Empresarial; Membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDDJ); Assessor da Presidência da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD); Auditor Auxiliar do Pleno do STJD do Futebol; Auditor do Pleno do STJD da Confederação Brasileira de Futebol de 7; Organizador e Autor de livros e Artigos.