Para que um atleta tenha relação trabalhista comprovada é preciso enquadrá-lo nos parâmetros que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) determina: não eventualidade, subordinação e onerosidade. “Eu entendo que, se preenchidos estes requisitos, não tem porque o atleta não ter o registro na carteira de trabalho, já que, de fato, é uma profissão. Ele se dedica a uma jornada diária, responde a uma hierarquia, tem metas e tira dali o seu sustento”, analisa Luciane Adam, advogada especialista em direito trabalhista.
Esse também foi o entendimento da Justiça ao reconhecer o vínculo empregatício entre Carlos “Nappon” Rücker e a paiN Gaming. O gamer conseguiu, por meio de ação judicial, a assinatura da carteira de trabalho e mais R$ 60 mil de verbas rescisórias. “Nappon” fez parte da equipe bicampeã brasileira de LoL de maio de 2018 a abril de 2019. Em julho deste ano, processou o clube após rompimento conturbado do contrato.
“A PJotização (contrato como pessoa jurídica) e contrato de prestação de serviços é fraude. Portanto, não há discussão quanto ao vínculo empregatício. Todos os critérios para que ele seja configurado estão presentes neste caso”, avalia Nicholas Bocchi, advogado especialista em direito esportivo e eSports. O que ainda se discute é a forma correta de contratação.
O artigo 94 da Lei Pelé trata do contrato especial de trabalho esportivo, mas este não se aplica ao esporte eletrônico. “De forma alguma. Os jogos eletrônicos nada têm a ver com o contrato especial de trabalho desportivo, que exclusivo para o futebol. São coisas bem diferentes”, pontua Jean Nicolau, advogado especialista em direito esportivo.
Na prática, os clubes e jogadores de eSports tem tipos diferentes de contrato. Não há um padrão. Muitos deles são adaptações das duas regulamentações, CLT e contrato especial de trabalho desportivo. “O que não pode ser feito é o clube se aproveitar de pontos positivos pra si de ambas as leis. É o que se observa no caso (Nappon versus paiN Gaming). O contrato é todo irregular, tanto pela vigência quanto pela cláusula rescisória”, avalia Nicholas Bocchi.
“Um caminho que se está buscando é a regulamentação de profissões, visando garantir que esses empregados tenham os benefícios que a lei assegura, como fundo de garantia, contribuição social. E para garantir também que eles tenham tratamento igual a qualquer outro empregado, de qualquer outra empresa, apesar de fazerem uma atividade diferenciada”, pondera Luciane Adam.
O Projeto de Lei 383/2017 que dispõe sobre a regulamentação do esporte eletrônico está em discussão no Senado, mas é alvo de muitas críticas e debates. Um dos pontos mais polêmicos é a tentativa de enquadrar o eSports numa estrutura esportiva tradicional. A principal defesa do projeto está na possibilidade de estabelecer maior garantia jurídica para clubes e atletas.
“De qualquer forma esse acordo judicial (entre Nappon e paiN Gaming) é um símbolo. Os atletas até hoje não se uniram para ter uma associação. Uma vitória como essa, de um jogador, dá aos atletas uma carta para ser utilizada durante as negociações de contrato”, pondera Nicholas Bocchi.
Embora tenha sido um acordo, que não chegou a ser matéria de julgamento, é importante levar em consideração que a paiN Gaming acabou reconhecendo que o contrato tinha vínculo empregatício. “Isso não vincula a empresa a fazer acordo com qualquer outro empregado que busque os mesmos direitos. É apenas um indício de reconhecimento do vínculo, o que não relaciona o clube a qualquer outro caso além desse. O que pode acontecer é a paiN Gaming ou qualquer outra empresa se espelhar e ter a mesma conduta de reconhecimento. E aí nem seria necessário um processo judicial. No momento em que o jogador for contratado, já pode formalizar o vínculo de acordo com as regras da CLT”, finaliza Luciane Adam.