O futebol feminino conseguiu uma importante decisão judicial a seu favor. A juíza Ana Paula Almeida Ferreira, da 23ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT), condenou o Fluminense a reconhecer o vínculo empregatício de uma jogadora, que não quis ter o nome revelado por medo de retaliação, em 2019. A informação foi revelada pelos jornalistas Diego Garcia e Thiago Braga, ‘UOL’, e confirmada pelo Lei em Campo.
A decisão pode ser considerada um marco para o futebol feminino, uma vez que abre precedente para que outras jogadoras busquem o mesmo direito.
“Esta decisão terá um efeito muito grande para o esporte feminino, não só para o futebol feminino, porque deixa claro que o gênero do atleta, não pode servir para distinguir entre amador e profissional, e que todos devem ser considerados como empregados quando obedecidos os requisitos dos artigos 2 e 3 da CLT”, afirma Higor Maffei Bellini, advogado especialista em direito desportivo.
O advogado ressalta que “o amadorismo dos esportes femininos, já que todas recebem salário, moradia e alimentação para defenderem os times, não pode ser mais tolerado”.
“Ainda mais em times que tem equipes masculinas, onde todos os jogadores têm carteira assinada, não pode ser aceito que o masculino seja admitido como profissional e com carteira de trabalho assinada, e o feminino como amador com fraudulentos contratos de imagem, para justificar o pagamento mensal feito a atleta. Esta decisão será tão importante e poderá marcar a justiça do trabalho, na luta pela igualdade de gênero em antes e depois dela”, completa.
O Lei em Campo contou essa história. O Tricolor minimizou a condição da atleta na Justiça ao negar um pedido para reconhecimento de vínculo empregatício de 2019, alegando que a modalidade feminina é inferior à masculina. Para sustentar sua contestação, o Fluminense citou no processo um trecho da Lei Pelé para dizer que o futebol, era e ainda é, segundo o clube, majoritariamente praticado por atletas do sexo masculino, com condições distintas, como receitas e transmissão.
Para o clube, as jogadoras mulheres, diferentemente dos homens, não poderiam ter o vínculo de emprego reconhecido, por serem amadoras.
No entanto, esse não foi o entendimento da juíza, que ressaltou ser “incabível a discussão sobre o gênero para que se verifique a existência dos requisitos configuradores da relação empregatícia, como faz entender a reclamada (Fluminense) em defesa, já que em patente afronta ao princípio da isonomia consagrada da nossa Carta Magna”.
A magistrada ainda afirmou que ao se analisar a Lei Pelé, fica claro que não há distinção entre o trabalho do atleta profissional de futebol masculino e feminino. Ana Paula também disse ter ficado comprovado que a autora da ação desempenhou atividade não amadora, uma vez que disputou competições oficiais com o nome do Fluminense, como o campeonato carioca e a Série A2 do Brasileiro entre setembro e dezembro de 2019.
“A Constituição da República realmente afirma a igualdade entre homens e mulheres e a sentença insistiu corretamente nesse argumento. Mas a própria Lei Pelé não faz distinção entre futebol masculino e feminino, como não o faz com relação a outras modalidades. A lei é aplicada a todos os praticantes, independentemente de sexo. Basta ser praticante de qualquer modalidade de forma profissional, ou seja, enquadrando-se nas normas trabalhistas com pessoalidade, não eventualidade, subordinação, dependência e recebendo salário, é o que basta para se estar diante de uma relação de emprego”, afirma Domingos Zainaghi, advogado trabalhista.
Thoetonio Chermont, advogado trabalhista, explica que “a ausência de contrato formal não obsta a caracterização do vínculo de emprego, sendo irrelevante se tratar de categoria feminina”.
“Caso comprovados os requisitos do art. 3o da CLT, a atleta será considerada empregada. Obviamente, estava sujeita ao cumprimento de horários, sanções disciplinares do clube, exigência de metas, não poderia participar de jogos em outras equipes, tendo que mostrar comprometimento com a função exercida, podendo ser inclusive excluída da equipe. Ou seja, estava subordinada ao clube, inexistindo a liberdade de prática que caracteriza o desporto amador. Importante é a prática, a natureza (profissional ou não-profissional) do atleta, não o desporto ou a modalidade em disputa em si. A atleta praticava atividade de alto rendimento seguindo as normas gerais da CLT e Lei Pelé, assim como obedecendo as regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados, não havendo que se falar em atividade lúdica”, completa Theotonio.
Exposto isso, a juíza deu procedência ao pedido da jogadora para o reconhecimento do vínculo empregatício, condenando o Fluminense a anotar a carteira de trabalho da mulher, na função de jogadora de futebol, com salário mensal de R$ 1,7 mil. Fora isso, o clube também terá que pagar salários atrasados de R$ 3,3 mil, 13º e férias proporcionais, FGTS e multas.
“Mesmo depois de mais de trinta anos, infelizmente ainda temos situações de discriminação em várias esferas.
Decisões judiciais que rechaçam práticas discriminatórias são imprescindíveis para rechaçar as práticas discriminatórias e aplicar os direitos constitucionais assegurados”, afirma Luciane Adam, advogada trabalhista.
Ao ‘UOL’, o Fluminense disse que a jogadora foi contratada sem vínculo de emprego e para disputar competições não profissionais, conforme determina a Lei Pelé. O clube ainda ressalta que nunca havia firmado contratos de trabalho com jogadoras mulheres.
“Na verdade, todas as atletas do time feminino de futebol do Fluminense eram amadoras, com contratos firmados na modalidade não profissionais, restando, mais uma vez, negada a existência de atleta feminina com contrato especial de trabalho desportivo”, disse o clube.
Por fim, o Fluminense afirma que vai recorrer da decisão judicial.
Crédito imagem: Fluminense
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