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Ladrão que rouba ladrão…

Na próxima semana o Corinthians estreia na pré-Libertadores. Até ontem, o Corinthians tinha chances de enfrentar a desumana altitude de Oruro, na Bolívia. A altitude da cidade boliviana, quase 4.000 metros acima do nível do mar, reconhecidamente traz grandes dificuldades aos adversários, muito mais do que a própria capacidade técnica do time local.

Isso nos faz parar e refletir sobre uma outra questão: até onde esse tipo de benefício pode ser aceito?

Temos no esporte uma série de regras que buscam colocar os competidores em iguais condições, proibindo uma série de vantagens que não são obtidas por meio do treinamento e aperfeiçoamento técnico e tático. Essas vantagens não esportivas são chamadas de doping.

O doping mais conhecido e discutido é o doping bioquímico, no qual o atleta ingere substâncias para que seu desempenho físico fique melhor de alguma forma. Algumas substâncias favorecem o ganho de massa muscular, outras a perda de peso, outras aumentam a concentração, e todas são proibidas.

Mas não é só o uso dessas substâncias que é considerado doping. Temos várias outras formas de infração à igualdade de condições que são consideradas doping. Algumas são proibidas, outras são permitidas e algumas são proibidas apenas em algumas modalidades específicas.

Temos, por exemplo, o doping mecânico. Um caso que repercutiu bastante foi o uso de motores em bicicletas utilizadas para provas de ciclismo de longa duração. Esses motores davam uma clara vantagem aos ciclistas que utilizavam essas bicicletas, fazendo com que a competição se tornasse injusta para os atletas que seguiam as regras. Philippe Brunel[1] afirma que o primeiro a usar esse tipo de motor na bicicleta foi o americano Lance Armstrong, uma lenda, antes do ciclismo e agora do doping.

Outro tipo de doping que está em alta neste século é o doping eletrônico. Ainda que muita gente não considere os e-sports como esporte, nos dias de hoje é impossível ignorar esse que é um fenômeno de renda e público. E quanto maior a quantidade de dinheiro envolvida, mais as pessoas vão tentar encontrar formas de obter vantagens. Uma das formas que já foi descoberta é o uso de equipamentos (teclado e mouse) com códigos pré-programados. Com esses códigos, jogadores conseguiriam executar algumas ações de maneira mais fácil que os concorrentes, tendo assim uma vantagem.

E por que não citar também o doping financeiro? Esse tipo de vantagem foi muito comum na última década, com bilionários adquirindo clubes na Europa e injetando uma grande quantidade de dinheiro na contratação de jogadores e pagamento de salários. Com isso, clubes até então pouco tradicionais passaram a ter elencos repletos de estrelas e ganhar grandes competições. Para combater esse tipo de desequilíbrio, várias regras de fair play financeiro vêm sendo criadas nos últimos anos.

Todas essas formas de doping são comentadas e combatidas mundialmente. Elas afetam a competição, provocam desequilíbrio e tornam as condições de disputa menos justas. Nenhuma delas, no entanto, coloca em risco a saúde dos atletas adversários. E é aí que surge o grande questionamento: por que o doping ambiental não é combatido pelas federações internacionais?

O doping ambiental nada mais é do que o uso de condições extremas para a prática esportiva, com o objetivo de gerar um benefício na competição. Entre essas práticas, a mais conhecida é o uso da altitude extrema. Mais do que apenas mudar a velocidade da bola, em razão da menor resistência do ar, a altitude extrema reduz a capacidade física dos atletas adversários, geralmente não adaptados a essas condições.

Praticar exercícios físicos em ambientes com pouco oxigênio afeta diretamente a capacidade do sangue de levar oxigênio às células. A hipóxia que é observada em grandes altitudes é um fator que expõe atletas não aclimatados a riscos de graves problemas de saúde, como edemas pulmonares ou cerebrais, além dos riscos decorrentes do aumento da frequência cardíaca[2].

As equipes que são obrigadas a jogar nessas condições, em razão do calendário, dos custos e de legislações trabalhistas, raramente tem possibilidade de fazer um período de aclimatação adequado para a partida. Com isso, seria necessário recorrer a medicamentos para reduzir os impactos e os riscos da prática esportiva nessas condições.

Ocorre que as substâncias que poderiam aliviar esses efeitos são proibidas pelo Código Mundial Antidoping. Essa proibição é razoável em situações normais, uma vez que podem oferecer vantagens aos atletas que delas fizerem uso. Em situações de altitudes extremas, no entanto, o uso dessas substâncias mais do que benefício esportivo tem o objetivo de preservar a saúde dos atletas.

Nesses casos, deveria ser concedida a Isenção de Uso Terapêutico. As substâncias que em geral provocam desequilíbrio na competição, em casos como esse, gerariam equilíbrio de condições e, mais importante, reduziriam os riscos de problemas de saúde aos atletas. A autorização de uso nessa situação, mais que uma questão de equilíbrio e competição justa, é uma questão de saúde para os atletas.

[1] Brunel, P. (2018). Rouler plus vite que la mort. B. Grasset.

[2] de Araújo, R. C. (2009). Efeitos da exposição à altitude no desempenho físico.

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