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Legislação falha “alivia” punições contra racistas no futebol

É lugar-comum, até por ser ainda uma grande verdade: futebol é espelho da sociedade. Pro bem e pro absurdo.

O racismo existe e é crime. E tem muita gente que não tá nem aí.

Importante antes explicar a diferença entre o crime de racismo e o de injúria racial (é muito comum as pessoas se confundirem).

E é simples.

Na injúria a ofensa é dirigida a determinado indivíduo de cor ou etnia diferente… É considerada injúria racial a ofensa feita a determinada pessoa com referência à sua raça, etnia, cor, religião ou origem.

No ordenamento brasileiro, a injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

O crime de racismo, diferentemente, é discriminação contra um grupo social por causa de sua raça, etnia, cor, religião ou origem.

O crime de racismo está previsto na Lei n. 7.716/1989, que determina que essa conduta discriminatória é aquela direcionada a determinado grupo. Alguns exemplos: impedir o acesso de grupos minoritários para frequentar determinado ambiente, não empregar pessoas em função da cor ou religião, etc. Esse crime é inafiançável e imprescritível, e sua pena é de um a três anos de prisão, mais multa.

Portanto, o que tem se repetido nos estádios no Brasil e no mundo é o crime de injúria racial!

A Europa se vê diante de uma onda de manifestações condenáveis. Atletas como Sterling e Aubameyang foram hostilizados recentemente.

Na Inglaterra, jogadores, técnicos e comunidade esportiva se uniram e promoveram um boicote às redes sociais por 24 horas em protesto contra essa série de insultos.

Mesmo assim, pouco se pune no esporte. Principalmente no Brasil.

Ah, mas teve o Grêmio eliminado na Copa do Brasil no “Caso Aranha”. Agora teve o Juventude punido e o torcedor afastado dos estádios por dois anos.

Sim, mas vá atrás de mais exemplos… Difícil encontrar.

Mas se racismo é crime e a Justiça comum condena, por que muito pouco acontece na Justiça Esportiva?

Por causa da nossa legislação esportiva. Ela nem sequer tipifica o crime de injúria racial nas leis do esporte.

O Zeca Cardoso conversou com especialistas no Brasil e na Inglaterra para explicar essa história.


 

Casos de racismo no futebol brasileiro acontecem há anos. Gritos de “macaco” vindo das arquibancadas direcionados aos jogadores negros já foram ouvidos em diversas praças esportivas. Xingamentos entre atletas também já ocorreram.

Só no ano de 2019 são 14 casos registrados. Mas, na grande maioria das vezes, os acontecimentos não chegam ao tribunais desportivos. “Para o caso ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), é necessária uma denúncia por parte da Procuradoria, o que às vezes não acontece”, explica o advogado especialista em direito esportivo Luiz Marcondes.

Em diversas situações, clubes são punidos apenas com multas, não existindo nenhuma perda desportiva. Exceção à regra, o Grêmio, em 2014, foi eliminado da Copa do Brasil após torcedores gritarem ofensas racistas contra o goleiro Aranha, do Santos. O clube gaúcho é reincidente. Na partida contra o Fluminense, foi possível ouvir o grito de “macaco” para o atacante Yony González, do clube carioca.

O artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) trata do ato discriminatório relacionado a preconceito de raça, sexo, cor. A pena vai de multa a suspensão, se for praticada por atores envolvidos diretamente no jogo (jogadores, comissão técnica etc.). Para torcedores, a legislação prevê que a infração deve ser “praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva”, e a pena será com perda de pontos da partida. Em caso de reincidência, perda do dobro da pontuação.

“A pena visa quem, o torcedor individual ou a coletividade? Ela precisaria ser mais clara, dar menos margem de interpretação, seja para a Procuradoria, seja para o auditor do STJD, e aí nós teríamos uma efetividade maior”, detalha Marcondes.

Na Justiça Desportiva, o ato de racismo é enquadrado como discriminatório (abrange outros tipos de atitudes não relacionadas a cor e raça). No Código Penal existe uma legislação específica para injúria racial e racismo. Como analisa o advogado Gustavo Lopes: “No racismo nós temos um ato que viola o direito de alguém em virtude da raça. Na injúria racial nós temos uma ofensa”.

Portanto, atitudes racistas podem ser levadas aos tribunais da Justiça comum. Em 2010, o zagueiro Manoel, à época no Athletico-PR, foi chamado de macaco por Danilo, que defendia o Palmeiras. O atleta do alviverde foi suspenso pelo STJD por 11 partidas e também condenado na Justiça comum. Algo raro por aqui, mas perfeitamente possível no âmbito legal.

“O ato dentro de campo pode ensejar uma punição desportiva e uma criminal. Dependendo do ato, dependendo da forma, e até do interesse do lesado, isso pode ser avaliado em duas frentes”, esclarece Luiz Marcondes.

Um exemplo atual de como as punições contra o racismo são, em sua maioria, apenas pecuniárias aos clubes é o caso do Juventude. O clube gaúcho foi condenado pelo STJD na quarta-feira (15) a pagar multa de R$ 10 mil por xingamentos contra o atleta Gustavo Bochecha, do Botafogo, em partida válida pela Copa do Brasil. O torcedor, que foi identificado e retirado do estádio, está proibido de frequentar o Alfredo Jaconi por 720 dias.

Mas esse crime não é exclusividade dos campos brasileiros. Na Europa, cânticos racistas são frequentes. Na Inglaterra, em particular, muitos casos aconteceram na última temporada. Na Premier League, a primeira divisão inglesa, atletas como Sterling e Aubameyang foram alvos de xingamentos e até bananas foram arremessadas.

A advogada Vanessa Souza, que vive na Inglaterra, detalha o aumento do número de atentados racistas. “Depois do Brexit, as pessoas se tornaram mais agressivas. Mostram um lado racista, xenófobo, homofóbico, na sociedade como um todo. E isso, claro, se reflete no futebol”, afirma a advogada. O Brexit é o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, iniciado em 2017 e com previsão para terminar em 2019. A mais nova data para a conclusão dos trâmites foi marcada para outubro deste ano.

Nesta temporada, os principais jogadores da Premier League fizeram um protesto contra a onda racista na Inglaterra. “Em 18 de abril deste ano, a Associação de Jogadores de Futebol Profissional (PFA, sigla em inglês) organizou um protesto liderado por Danny Rose, lateral esquerdo do Tottentham, após uma série de ataques racistas. Eles fizeram um boicote de 24 horas nas mídias sociais”, conta Vanessa.

Atletas estão unidos por uma causa, mas a Justiça não é muito eficiente. E tem até uma visão diferente do ato racista, como explica Souza: “Existe uma corrente na Inglaterra que diz que não pode ser considerado propriamente racismo. Porque não existiria o dolo, pois seria um momento de emoção, e não existe, efetivamente, a intenção da injúria. Por isso, existe uma dificuldade para punir, ou seria necessária a criação de uma nova legislação a respeito”.

Advogada especialista em leis da tecnologia, Vanessa Souza confessa que já foi procurada por um jogador brasileiro, vítima de racismo no país, em busca de respostas sobre o que poderia ser feito. “Já fui consultada por um atleta se seria possível ativar as regras da União Europeia, que, na verdade, em sua legislação, promove o esporte e veda qualquer tipo de racismo, fazendo, assim, com que a Premier League e a Associação de Futebol Inglesa (FA, sigla em inglês), internacionalmente, tomem atitudes mais duras, mesmo que a legislação britânica não tenha uma medida tão eficaz.”

Por Zeca Cardoso

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