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Legitimidade para apresentar notícia de infração disciplinar: o caso dos “cantos homofóbicos” da torcida do Flamengo

Nesta semana foi divulgada a decisão da 1ª Comissão Disciplinar do STJD do futebol, que condenou o Flamengo com multa de R$ 50.000,00 em razão de cânticos homofóbicos provenientes de sua torcida no Maracanã em partida contra o Grêmio, em disputa válida pelas quartas de final da Copa do Brasil[1].

O intuito do presente artigo é o de analisar a legitimidade do autor da notícia de infração disciplinar e não o mérito da decisão que ainda está pendente de recurso a ser julgado perante o Pleno do STJD e que merece uma análise aprofundada, sob pena de se banalizar institutos importantes e tipos penais que têm aplicação bem definidas e restritivas.

A notícia de infração disciplinar foi apresentada pelo Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ com imagens da torcida entoando o canto homofóbico, tendo sido apresentada a denúncia pela Procuradoria do STJD, com pedido de exclusão do clube carioca da próxima edição da Copa do Brasil em 2022.

O auditor relator deixou de aplicar a pena máxima requerida pela Procuradoria, porém determinou a de multa ao clube infrator, na medida em que, de acordo com o relator, ficou comprovado o ato discriminatório dos torcedores do Flamengo e o clube foi enquadrado no parágrafo 2º do artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)[2].

Nada obstante o mérito da decisão, o que deve ser discutido neste momento é a legitimidade do autor da notícia de infração.

Com efeito, o art. 74 do CBJD é expresso em autorizar que “qualquer pessoa natural ou jurídica, poderá apresentar por escrito notícia de infração disciplinar desportiva à Procuradoria, desde que haja legítimo interesse, acompanhada da prova de legitimidade.”

Em seu site o Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ se define como “a Articulação Nacional de Torcidas LGBTQIA+ que reúne os coletivos e torcidas clubes de futebol”. Sendo que a articulação “tem o papel de construir ações conjuntas visando combater LGBTfobia no futebol e a reaproximação da comunidade LGBTQ que foi afastada dos estádios por conta do preconceito.”[3]

Nota-se, portanto, que nada obstante a importante missão do Coletivo de Torcidas como instrumento de promover a quebra de tabus e preconceitos nas arenas desportivas, não há como enquadrar esta articulação na definição de pessoa natural ou jurídica.

Desta forma, é manifesta a ilegitimidade do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ para a apresentação de notícia de infração disciplinar.

Há muito que o STJD firmou o entendimento no sentido no qual o torcedor não tem legitimidade para apresentar notícia de infração disciplinar desportiva. O entendimento se justifica no argumento de que o Estatuto de Defesa do Torcedor oferece a este os meios próprios de manifestação por intermédio da Ouvidoria.

Outrossim, o artigo 6º do Estatuto de Defesa do Torcedor estabelece que deve haver, em toda competição, o ouvidor que forneça “os meios de comunicação necessários ao amplo acesso dos torcedores”.

Por esta razão é que a legítima manifestação do torcedor se concretiza através da ouvidoria que será a responsável por avaliar a pertinência dos fatos narrados e parte legítima para a apresentação de uma notícia de infração a ser apresentada ao Tribunal. A partir desta notícia de infração é que a procuradoria passará a ser instada a analisar e se entender pertinente, oferece a denúncia e a partir daí se inicia o processo desportivo.

Por outro lado, situação como a presente deve servir de alerta para a importância e necessidade dos clubes em adotarem campanhas de conscientização de suas torcidas para práticas que não sejam homofóbicas e nem racistas, pois além de se tratarem de crimes, podem acarretar punições severas.

Não há dúvidas de que a preservação do ordenamento jurídico-desportivo se sobrepõe a formalismos no tocante a proposição da notícia de infração. Contudo, no presente caso, não estamos diante de formalismos, mas sim de preservação de preceito objetivo contido no Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

……….

[1] Consta da denúncia recebida que no jogo, realizado em 15 de setembro, um grupo de torcedores rubro-negros entoou o grito de “Arerê, gaúcho dá o c* e fala tchê”

[2] Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

  • 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

[3] Disponível em: https://www.torcidaslgbt.com.br/

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