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Lei contra transgêneros no esporte é inconstitucional. Entenda

Se o Projeto de Lei 346/2019, do deputado estadual Altair Moraes (PRB-SP), que estabelece o sexo biológico como único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no estado de São Paulo, for aprovado, a lei já vai nascer inconstitucional.

“Este PL não deveria nem passar pela Comissão de Constituição de Justiça da Assembleia Legislativa. O inciso I do artigo 217 da Constituição Federal garante a autonomia das entidades desportivas, dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento. Esse projeto de lei fere as resoluções da ONU e da Unesco, das quais o Brasil é signatário. Esse é um problema de direito constitucional e de direito internacional”, analisou o advogado Wladimyr Camargos, especialista em direito esportivo.

O projeto, que ainda não tem data para ser votado no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, veta a participação de transexuais em qualquer modalidade em equipes que correspondam ao sexo oposto ao de nascimento. Quem não cumprir a lei será multado em 50 salários mínimos. O projeto entrará em vigor 180 dias depois de aprovado.

Na tribuna da Assembleia Legislativa, o deputado defendeu o projeto. Segundo Altair Moraes, “trata-se de uma questão fisiológica, tendo em vista que a formação do corpo masculino é diferente da do corpo feminino”.

“No campo do direito internacional dos direitos humanos, os Princípios de Yogyakarta estabelecem que os Estados devem garantir que todos os indivíduos possam participar de esportes sem discriminação em razão de orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou características sexuais”, afirma o advogado especialista em direitos humanos Vinicius Calixto.

Segundo ele, uma lei como essa, se aprovada, pode provocar uma série de sanções a quem cumpri-la.

“Os clubes e as entidades de São Paulo podem ser punidos e podem ficar de fora das competições nacionais e internacionais. Pode haver retaliações do sistema esportivo”, avalia Calixto.

Se o projeto de lei for aprovado, vai impactar diretamente a atuação da jogadora Tiffany Abreu, do Sesi Bauru. Tiffany, 33, é a primeira atleta transgênero a ter autorização para disputar a Superliga. Ela foi liberada pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB) para atuar na competição após passar por cirurgia de mudança de sexo. Até os 31 anos, Tiffany participou de várias edições do torneio masculino no Brasil, além de torneios na Europa e na Ásia.

Nas quartas de final desta edição da Superliga, Tiffany foi envolvida em uma confusão após o técnico Bernardinho, do Sesc-RJ, eliminado do torneio, ser flagrado após um ataque da jogadora afirmando: “Um homem, é foda!”. O treinador pediu desculpas a Tiffany no dia seguinte e alegou que estava falando sobre o gesto técnico da jogadora, e não da sua força.

“Nesse tipo de situação, o que nós vemos é a Lex Sportiva ao lado das normas dos direitos humanos, do respeito, enquanto o Estado tenta aprovar uma lei discriminatória. O esporte pode ter um papel fundamental na defesa e na promoção dos direitos humanos, e esse tipo de situação evidencia isso”, diz Calixto.

Um caso que ficou famoso pela pressão da opinião pública contra uma lei considerada preconceituosa foi o do All-Star Game da NBA em 2017. O final de semana do jogo das estrelas da principal liga de basquete do mundo estava marcado para Charlotte, mas foi levado para a cidade de Nova Orleans depois que o Parlamento do estado da Carolina do Norte aprovou uma lei que proibia pessoas transgênero de frequentarem os banheiros com os quais elas se identificavam. Depois de um intenso boicote ao estado, a lei foi revogada. Neste ano, o All-Star Game foi, enfim, realizado em Charlotte.

Em entrevista ao jornal “O Dia”, o deputado Altair Moraes afirmou que quer manter os princípios individuais e coletivos no esporte.

“O Projeto 346/2019, que propôs o sexo biológico como único critério definidor do sexo competidor para fins de escalação em equipes femininas ou masculinas, é apenas um dos vários projetos que estou elaborando a fim de trazer moralidade às partidas para benefício dos clubes, atletas e torcedores”, alegou Moraes.

O PL 346/2019 está em andamento e seguirá o trâmite comum da Assembleia Legislativa. Caso aprovado, seguirá para sanção ou veto do governador João Doria (PSDB).

Para Wladimyr Camargos, se o projeto for aprovado, haverá uma grande batalha jurídica. “O meio para derrubar essa lei será uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Primeiro no Tribunal de Justiça de São Paulo, podendo se arrastar até o Supremo Tribunal Federal (STF)”, finalizou.

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