Há algumas semanas, tratamos aqui de aspectos básicos das leis de incentivo ao esporte, bem como dos principais elementos a serem observados desde a concepção até a prestação de contas de projetos executados com base na lei federal. Conforme ali exposto, são diversas as formas pelas quais o automobilismo pode se beneficiar desse mecanismo, desde a organização de competições até o custeio de temporadas de pilotos. Apesar da diversidade, é usual que a relação entre leis de incentivo e automobilismo dê-se no âmbito da prática do esporte de rendimento. E isso nos conduz ao tema do texto de hoje: a certificação de entidades esportivas.
Para compreender a relação entre a certificação e a lei de incentivo ao esporte, é preciso ter em mente que o esporte pode ser reconhecido em diferentes manifestações. Elas se encontram definidas pelo artigo 3º da Lei Pelé como (i) desporto educacional, (ii) desporto de participação, (iii) desporto de rendimento e (iv) desporto de formação. Não por acaso, o artigo 10 da Portaria 424/2020 do Ministério da Cidadania indica que cada projeto associado à lei federal de incentivo ao esporte deve se enquadrar em uma dessas manifestações – com a ressalva de que a norma considera o desporto de formação como parte do desporto de rendimento, diferentemente do que preconiza a lei.
A indicação da manifestação esportiva deve ocorrer no plano de trabalho, sendo de grande importância para definir regras específicas aplicáveis a cada caso. A título de ilustração, os limites máximos de valores para cada projeto, impostos pela Portaria 424/2020, variam conforme a manifestação do desporto de que se trata: R$ 5 milhões para desporto de rendimento, R$ 2,5 milhões para desporto de participação e ilimitado para desporto educacional. Outro exemplo é que a manifestação educacional é um fator de prioridade na tramitação dos projetos. E dentre outras especificidades, a que mais nos interessa aqui é aquela contida no artigo 34, §12º: “os Projetos de Manifestação Desportiva de Rendimento, deverão apresentar obrigatoriamente, sua certificação, em cumprimento ao artigos 18 e 18-A da Lei nº 9.615, de 1998“ (sic).
A certificação é, portanto, requisito indispensável para aprovação dos projetos que envolvem a prática esportiva de rendimento – como é o caso de boa parte daqueles relacionados ao automobilismo. Mas, afinal, do que ela trata?
Cuida-se da verificação, pela Secretaria Especial do Esporte, no âmbito do Ministério da Cidadania (ao qual foram atribuídas as competências antes inerentes ao extinto Ministério do Esporte), acerca do cumprimento dos artigos 18 e 18-A da Lei Pelé pelas entidades esportivas. Esses dispositivos estabelecem uma série de regras relacionadas a governança, gestão democrática, transparência e participação de atletas que devem ser observadas pelas entidades esportivas como condição, por exemplo, para se beneficiarem de verbas por meio da lei de incentivo ao esporte com vistas à execução de projetos envolvendo desporto de rendimento.
Para isso, as entidades devem submeter vasta documentação ao exame da Secretaria Especial do Esporte, com destaque para seus atos constitutivos. Isto porque o estatuto social (lembremos que, ao falarmos em lei de incentivo ao esporte em prol de entes privados, estamos tratando de pessoas jurídicas de direito privado sem fins econômicos, usualmente constituídas como associações) deve refletir a observância dos preceitos mínimos estabelecidos pelos artigos 18 e 18-A da Lei Pelé. Por isso, a importância de que os atos constitutivos estejam adequados à legislação de regência não apenas sob o prisma do direito civil, mas também à luz das normas específicas relacionadas ao esporte.
Mas não é só. Além de aspectos relacionados ao estatuto, são também necessárias, por exemplo, a demonstração de viabilidade e autonomia financeira, a aderência a práticas concernentes ao processo eleitoral e a comprovação de regularidade fiscal e trabalhista. Ademais, destaca-se a importância atribuída à transparência, com o sítio eletrônico da entidade exercendo papel fundamental na publicidade de informações relacionadas à governança da entidade e à gestão de recursos de origem pública – como é o caso daqueles obtidos por meio do mecanismo de incentivo fiscal.
Enfim, de todo o exposto extrai-se a relevância da distinção entre as diferentes manifestações esportivas para compreensão dos requisitos aplicáveis à execução de projetos no âmbito da lei de incentivo ao esporte; e se constata, afinal, o impacto dos artigos 18 e 18-A quanto aos projetos relacionados ao alto rendimento.