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Lei do mandante

As não tão recentes alterações introduzidas na Lei 14.205/21, advindas após vastas discussões dos integrantes do setor com a promulgação da MP 984/2020, alterou as regras relativas ao direito de arena sobre espetáculo desportivo.

A nova lei conferiu à entidade de prática desportiva mandante o direito de negociar, autorizar ou proibir a captação, fixação, emissão, transmissão e retransmissão ou a reprodução de e imagens do espetáculo desportivo.

Em outras palavras, cada agremiação determina o grupo de mídia que cederá os seus direitos de transmissão e, desde a vigência da Lei 14.205/21, a emissora que os detiver poderá exibir com exclusividade a partida em que este clube detiver o mando de jogo.

Até então, desde a Lei 5.988/73 que regula os direitos autorais no Brasil, e mesmo com as modificações não substanciais da Lei Zico e da Lei Pelé, o direito de arena pertencia aos dois clubes disputantes da partida.

Alguns impactos da Lei do Mandante no mercado desportivo podem ser ventilados, como a possibilidade de se ampliar as transmissões de partidas, já que basta que a emissora detenha os direitos de transmissão da agremiação mandante, e não mais dos dois clubes disputantes do jogo, respeitado o ato jurídico perfeito, expressado pelo legislador por meio do §7º, do art. 2º da Lei 14.205/21.

Citada alteração legislativa passou a se assemelhar em certa medida ao mercado de futebol europeu.

Entretanto, embora a maioria dos países da Europa atribuam o direito de arena ao mandante, tal como se opera agora no Brasil, há diferenças substanciais nas regras de negociação entre o mercado brasileiro e as maiores ligas europeias.

As legislações espanhola e italiana impõe aos seus clubes a cessão dos direitos de transmissão às respectivas ligas, para que esta venha a negociá-los de forma centralizada e coletiva. Na França os direitos pertencem à entidade de administração desportiva, que os cede aos clubes.

Vale esclarecer que na Alemanha, na Inglaterra e em Portugal, o direito de arena pertence ao clube mandante, e que na Espanha e na Itália pertence ao mandante e às ligas formadas pelos próprios clubes participantes da disputa.

A diferença acima mencionada reside na forma em que são comercializados os direitos de arena, sendo que no Brasil, assim como ocorre em Portugal, se opera individualmente. Ou seja, cada clube opta livremente para qual empresa cederá os seus direitos de transmissão.

Por sua vez, Alemanha, Espanha, Inglaterra, França e Itália comercializam de forma centralizadas e coletiva pela liga correspondente.

Desses países, em vista a mitigar possível monopólio, Espanha, Inglaterra e Itália contam com o impedimento legal quanto a aquisição dos direitos de arena por um único grupo de mídia.

Já a Alemanha, embora não proíba a comercialização para uma única emissora, a Bundesliga já chegou a contar com quatro veículos de mídia distintos para transmiti-la, sendo a tv fechada Sky Deutshland, a tv aberta ZDF e os streamings DAZN e Amazon Prime Video.

Referida democratização também ocorre na França, cuja Ligue 1, campeonato dos clubes da primeira divisão francesa, contam com pelo menos dois grupos de mídia, considerando a recente negociação com a emissora espanhola Mediapro.

Embora haja clara oposição ao monopólio de emissoras, permite-se como prática de mercado a exclusividade da emissora após a aquisição do direito de arena, como por exemplo, na Inglaterra que comercializa os direitos de transmissão da Premier League em pacotes contendo determinadas quantidades de jogos não informados previamente, e que passam a ser exclusivos para transmissão da emissora que os adquirir.

Não obstante quem e como ocorrem as comercializações dos direitos de arena, outro assunto que se relaciona à Lei do Mandante entrou em debate na última semana, após a divulgação dos horários dos jogos do campeonato mineiro.

Como já citado oportunamente pelo Lei em Campo, por determinação em regulamento, a distribuição e organização dos horários dos jogos incumbe à federação de administração desportiva que organiza a respectiva competição.

Essa informação dialoga com as informações sobre negociações de direitos de transmissão, trazidas ao longo deste texto porque evidencia a eficácia da negociação em bloco, reforçando a importância da união dos clubes através de um diálogo aberto e atenção aos interesses de todos os componentes da competição.

Especificamente nesse caso, sob a perspectiva jurídica inexistiu violação legal. O Cruzeiro cedeu o seu direito de arena a um determinado grupo de mídia, enquanto os demais clubes mineiros negociaram com outra emissora.

A organização da tabela do campeonato refletiu o potencial de audiência de cada partida, provavelmente considerando a visibilidade de cada emissora, observando critérios comerciais e a perspectiva de audiência na transmissão.

Portanto, apesar de não haver impedimento legal na distribuição dos horários, certamente poderia haver uma melhor gestão de interesses de todos os integrantes da competição.

O formato de negociação individual indica e a repercussão registrada nos últimos dias no futebol mineiro indica que mais do que conferir ao mandante a prerrogativa de negociar exclusivamente os seus direitos de transmissão, interessa ao mercado a negociação coletiva.

Os benefícios da negociação centralizada e coletiva se reforçam com o sucesso da Premier League (Inglaterra), Ligue 1 (França), e até Lega Calcio (Itália).

Vale mencionar que há duas décadas a Autoridade Garantidora da Concorrência italiana manifestou o seu entendimento de que a comercialização coletiva e centralizada poderia fomentar o monopólio, fato este confrontado com o desequilíbrio competitivo identificado após um período em que passaram negociando de forma individual. Após, uma nova intervenção estatal surgiu para retomar o modelo de negociação coletiva.

A negociação dos direitos de transmissão, quando centralizada e coletiva, somada à distribuição das cotas equânimes (considerando o pagamento de luvas e variações de desempenho niveladas) importa tanto para o equilíbrio competitivo como para a qualidade do campeonato como um todo.  Os clubes desfrutam de melhores condições para impor os seus termos, possibilitando uma maximização dos valores recebidos pelos direitos de transmissão negociados, beneficiando o desenvolvimento da própria competição.

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