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Lei Geral do Esporte amplia tratamento para crimes de corrupção privada

Por Cecilia Mello

As recentes notícias de investigação envolvendo jogadores de futebol   em grupos de apostas ilícitas, por supostamente receberem valores para a prática de infrações em campo de maneira a interferir nos resultados dos jogos, além de elevar a discussão sobre a regulação dos sites de apostas, traz de volta a necessidade de reflexão sobre a corrupção privada, especialmente no esporte.

Há tempo a corrupção deixou de ser um problema localizado para se tornar um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e a economia (ONU, 2003), independentemente do sistema político ou do nível de renda de um país.

A gravidade e a disseminação dos efeitos negativos que esses comportamentos geram em toda a sociedade, justifica a atenção crescente da imprensa e de diversos atores públicos e privados.

A preocupação com fraudes em competições esportivas não é recente, mas a intervenção do direito penal no desporto é justificada especialmente pela sua relevância na vida social.

Isto porque, o esporte alcançou dimensões sociológicas, econômicas, culturais e educacionais; transcende uma mera prática saudável ao disseminar valores e modelos de comportamento que ultrapassam limites e fronteiras territoriais.

Essa importância se intensifica no esporte profissional diante da sua repercussão econômica, ao envolver a movimentação de valores astronômicos na aquisição de jogadores e, expandir e promover alta rentabilidade às apostas esportivas.

A presença da internet nas apostas, por sua vez, fez multiplicar o universo de sujeitos e interesses sobre um determinado resultado, interferindo nas condutas praticadas no esporte.

E, em um cenário de crescente importância das competições esportivas, segue-se a reação do poder público na tentativa de proteger uma atividade que pode, sim, ser entendida como de utilidade pública, demandando a erradicação de comportamentos fraudulentos.

Atualmente, a corrupção no esporte é essencialmente constituída por crimes que visam a manipulação ilícita dos resultados de eventos esportivos; que alteram fraudulentamente uma realidade; que violam as regras de competição.

A corrupção foi tratada na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (United Nations Convention Against Corruption, UNCAC), em 2003, promulgada pelo Decreto 5.687/2006. Nele, os Estados se comprometeram a considerar a possibilidade de criminalização da corrupção, inclusive na sua forma privada.

A corrupção e a fraude esportivas encontram-se disciplinadas especialmente na Lei 12.299/2010 (Estatuto do Torcedor),em seus artigos  41-C, 41-D e 41-E, tipifica como crimes, a corrupção destinada a alterar o resultado da competição ou evento esportivo, nas suas formas ativa e passiva, e a fraude, que também pode ficar caracterizada independentemente de intervenção no resultado, culminando a pena – de 2 a 6 anos de reclusão e multa.

Os tipos penais até aqui em vigor seguem o modelo da tutela jurisdicional e a estrutura dos crimes de corrupção pública previstos no Código Penal Brasileiro.

Entretanto, foi aprovado em 9 de maio e seguiu para a sanção presidencial logo em seguida, o PL 1825/2022 que institui a Lei Geral do Esporte, dispondo sobre o Sistema Nacional do Esporte, o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos, a ordem econômica, a integridade e o Plano Nacional pela Cultura e Paz no esporte e que, dentre outras leis, revoga expressamente o Estatuto do Torcedor.

Em matéria de corrupção e fraude, são vários os tipos penais constantes da futura nova legislação.

No capítulo dos crimes contra a ordem econômica esportiva, foi instituído o crime de corrupção privada no esporte (art. 164), sem qualquer correlação com o resultado da competição, mas direcionado à obtenção de vantagem. Foi estruturado como um crime próprio, eis que o tipo penal restringe a prática dos atos ao “representante de organização esportiva privada”, ainda que se destine ao favorecimento de terceiros, com pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa.

No capítulo dos crimes contra a integridade e paz no esporte, foram instituídos três crimes contra a incerteza do resultado esportivo, criados, esses sim, com as características da corrupção (arts.197 e 198) e da fraude (art. 199) destinadas “a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. São crimes comuns, que não exigem qualquer qualidade específica do agente e podem, portanto, ser praticados por qualquer pessoa. As penas são de 2 a 6 anos de reclusão e multa, respectivamente.

Outros crimes estão tipificados na lei geral do esporte encaminhada à sanção presidencial, com o objetivo de proteger: a relação de consumo em eventos esportivos (arts. 165 e 166); a propriedade intelectual das organizações esportivas e utilização indevida de símbolos oficiais (arts. 167 a 171); e a paz no esporte (art.200).

Nesse contexto, parece claro que o núcleo da nocividade está na fraude, na corrupção e na concorrência desleal no esporte, refletindo também na preservação dos interesses econômicos legitimamente envolvidos e decorrentes da justa participação no evento esportivo.

A intervenção criminal contra a corrupção, tradicionalmente vinculada a condutas praticadas no setor público, diante das nefastas consequências advindas dessa prática e da globalização das regras de conformidade, revelou a necessidade de criminalização desses atos também no setor privado e, muito especialmente, no esporte.

A transcendência dos valores inerentes ao esporte, como o fair play ou a pureza nas relações desportivas, mostra-se suficiente ao reconhecimento social, mas não apresenta potencialidade lesiva o bastante para ser um direito jurídico penalmente tutelado. Entretanto, os interesses econômicos, a saúde pública, a paz, as relações de consumo, a propriedade intelectual e a repercussão dos resultados de inúmeros eventos desportivos, amparam a tutela penal que vem sendo imposta.

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Cecilia Mello é sócia do Cecilia Mello Advogados e foi juíza do TRF-3 por 14 anos

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