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Lei na pista: os detalhes do processo e da punição disciplinar à “Mercedes Rosa” na Fórmula 1

Por  Victor Targino de Araujo [1]

No dia 7 de agosto de 2020, a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) anunciou punição de 15 pontos no mundial de construtores à BWT “Racing Point”, equipe de Fórmula 1, além de penalidade de multa no valor de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).

A Racing Point, jovem escuderia britânica, sucessora da Force India a partir de 2019, tem sido rotulada na imprensa especializada de “Mercedes Rosa”[2] em alusão às cores de seus caros e ao desempenho acima da média para 2020. O apelido também foi atribuído pelas demais escuderias da categoria, de certa forma, a uma suposta “cópia” de partes do carro da equipe Mercedes-AMG Petronas, time alemão que ostenta, desde 2014, o título mundial de construtores na Fórmula 1.

A atribuição, que no início poderia se revelar mera “dor de cotovelo” dos rivais, ganhou contornos concretos quando a “Renault” Sport Racing, equipe francesa, formalizou, após o Grande Prêmio da Estíria[3], Protesto junto aos fiscais da FIA, acusando efetivamente a Racing Point de violar o Regulamento da Fórmula 1, ato que resultou nas punições acima mencionadas.

Eis o momento em que Direito e Esporte se encontram.

De início, entretanto, é necessário salientar três pontos:

a) A Fórmula 1 é uma liga desportiva privada, mas homologada pela entidade máxima internacional de administração da respectiva modalidade, a FIA;

b) A liga tem por regulamentos específicos o Formula One Sporting Code (“Regulamento Esportivo”) e o Formula One Technical Regulations (“Regulamento Técnico”), aplicáveis à temporada em disputa (cujo calendário equivale ao correspondente ano);

c) Além disso, tanto a liga, quanto as escuderias, atletas, dirigentes e profissionais que dela participam submetem-se aos regulamentos, fiscalização e jurisdição da FIA, notadamente o FIA International Sporting Code e o FIA Judicial and Disciplinary Rules, redigidos em línguas francesa e inglesa.

Assim, logo após o término do Grande Prêmio da Estíria, no dia 12 de julho de 2020, dentro do prazo regulamentar de 30 (trinta) minutos após a publicação do resultado provisório, a Renault protocolou junto aos fiscais da prova, os Stewards, Protesto formal contra a Racing Point.

O Protesto, por escrito, é o instrumento processual adequado consoante artigo 13 do FIA International Sporting Code, a questionar, dentre outros pontos, eventuais irregularidades técnicas dos carros de uma equipe durante a respectiva competição. O Regulamento Esportivo da Fórmula 1, em seu artigo 17, encampa o Protesto, mas o condiciona ao adiantamento de custas iniciais de € 2.000,00 (dois mil euros) e delega aos Stewards, no artigo 18, a competência para decidir acerca de infrações a seus dispositivos.

Em suas alegações, a Renault imputou à Racing Point violação ao artigo 6 e seu respectivo anexo do Regulamento Esportivo da F1, aduzindo que a equipe britânica teria utilizado dutos de ar dos freios dianteiros e traseiros idênticos ou muito similares aos da equipe Mercedes.

Aqui, importante tecer os seguintes esclarecimentos: por princípio, a Fórmula 1, nas palavras dos próprios Stewards na decisão mais adiante detalhada (“Decisão”), é uma liga que reúne habilidade desportiva com o ápice em excelência e inovação tecnológica.

Essa é a razão pela qual o Regulamento Esportivo impõe que algumas partes específicas dos carros devam ser desenhadas / criadas pelas próprias equipes. A própria definição de construtor, que é a tradução literal ao nome dado no Regulamento Esportivo às equipes – constructors –, trazida no artigo 6.3, é cristalina:

O construtor é a pessoa, física ou jurídica, que cria as Partes Listadas no anexo 6.[4]

O mencionado anexo 6, como o próprio nome diz, lista diversas partes que, por sua importância, devem, necessariamente, serem criadas pelos construtores, isto é, pelas equipes participantes do campeonato. Note-se que a inovação e a exclusividade são determinantes, não havendo, porém, empecilho para a terceirização do design ou da fabricação desde que respeitados os requisitos elencados no anexo 6, tais como, por exemplo: exclusividade no uso na Fórmula 1; e que o terceirizado não seja outro competidor ou empresa que, direta ou indiretamente, desenhe peças a outro competidor.

Por contenção de custos, é possível compartilhar os projetos das partes não listadas no anexo 6, no que se pode chamar de “cópia lícita”. A “cópia ilícita”, por sua vez, é aquela decorrente de espionagem ou procedimentos ocultos similares. A fotografia e/ou engenharia reversa, por si só, não se revelam prática ilícita ou espionagem tecnológica, porquanto, se isoladas, não logram a cópia eficaz da peça, parte ou projeto de outra equipe[5].

Nessa base, é possível dividir as partes em listadas, ou restritas, e não listadas. Ou seja, por força do artigo 6 e do respectivo do Regulamento Esportivo da F1, as partes listadas devem, obrigatória e exclusivamente, ser desenhadas / criadas por cada uma das equipes ou por terceiros a mando exclusivo destas. É vedado, ou mesmo, inócuo, então, o compartilhamento das partes listadas, vez que não representará uma inovação ou evolução de algo criado pela própria equipe.

Portanto, a acusação da Renault, no espectro do direito desportivo material, é relativamente simples: a Racing Point não teria desenvolvido, do zero, duas partes listadas, (i) os dutos de ar dos freios dianteiros; e (ii) os dutos de ar dos freios traseiros, mas os copiado ou desenvolvido ambos com base nas informações e modelos que lhes foram fornecidos pela Mercedes, em franca violação ao artigo 6 e Anexo do Regulamento Esportivo.

Processualmente, a Renault, como dito, apresentou o Protesto aos Stewards do Grande Prêmio da Estíria, a quem competia o primeiro juízo de admissibilidade, nos termos do art. 13 do International Code.

E, em apreciação sumária, os Stewards do Grande Prêmio, após a oitiva, in loco, dos prepostos da Racing Point, consideraram que o Protesto reunia os pressupostos de admissibilidade – (i) substância material (uma das causas indicadas no art. 13.2 do International Code, isto é, alegação de não cumprimento do regulamento esportivo pelos carros de determinada equipe); e (ii) processual (por escrito, acompanhado das respectivas custas e tempestivo, conforme artigos 13.3 e 13.4 do International Code).

Diante, porém, da complexidade do caso, os Stewards do Grande Prêmio coletaram as declarações, selaram as provas – inclusive com sequestro das peças em questão, mediante anuência de todos os envolvidos –, solicitaram parecer do Conselho Técnico da FIA e emitiram ordem à Mercedes para apresentar as peças equivalentes utilizadas no carro de 2019, supostamente copiadas pela Racing Point.

Diante do tempo e da complexidade, com base no artigo 11.9.3.t do International Code[6], os Stewards do Grande Prêmio delegaram a autoridade a um painel de Stewards a ser indicado pela FIA, a quem competiria rever, conduzir e prolatar decisão no processo desportivo instaurado.

Há de se ressaltar, como princípio específico da modalidade desportiva, que o ônus de prova de demonstrar conformidade com o Regulamento técnico não é de quem formula o Protesto alegando descumprimento, mas da própria equipe competidora que declara tê-lo cumprido. Nesse sentido, os Stewards, na decisão, asseveraram:

“À inteligência dos artigos 2.1 e 3.2 do Regulamento Esportivo as equipes devem demonstrar, se requeridas a fazê-lo, que seus carros estão em conformidade com o Regulamento Esportivo. Portanto, diante dos Protestos da Renault, a Racing Point é chamada a demonstrar que as partes indicadas – os dutos de ar dos freios dianteiros e traseiros – usados no carro RP20 estão em conformidade ao Regulamento. Ademais, tendo em vista que se tratam de partes listadas, a Racing Point deve demonstrar que foi responsável por seu design.”[7]

Noutras palavras, caberia à Racing Point provar aos Stewards do painel a ser formado pela FIA, no processo desportivo, o design / desenvolvimento das RP indicadas pela Renault em seu Protesto.

Importante frisar que as especificações técnicas exigem níveis de qualificação tão elevados que é impossível a valoração das argumentações alinhavadas sem a participação de peritos e colaboração das partes envolvidas. Assim, embora a dinâmica desportiva exija celeridade, para 2020, o calendário da Fórmula 1 foi especialmente “apertado” em decorrência da pandemia.

Logo, enquanto o processo desportivo aguardava julgamento, ocorreram mais 2 (dois) Grandes Prêmios, o da Hungria e o da Grã-Bretanha, levando a Renault a apresentar mais dois Protestos idênticos, pressupondo a reiteração da violação regulamentar pela Racing Point.

Pelos princípios da celeridade e economia processual, não houve necessidade de colheita de novas provas, eis que a Racing Point reconheceu que as especificações de seus carros, tanto na Hungria, quanto na Grã-Bretanha, eram idênticas às da Estíria, levando à reunião de todos os Protestos num único processo desportivo disciplinar.

Em 30 de julho, a Racing Point apresentou sua defesa por escrito, carreando documentos, alguns deles sigilosos, dos quais a Renault foi avisada, pelos Stewards, que não lhe seriam divulgados. As alegações defensivas, dentre outras, em apertada síntese, foram que:

(i) os dutos de freio, tanto dianteiros, quanto traseiros, não eram partes listadas no Regulamento Esportivo de 2019, passando a sê-lo apenas em 2020;

(ii) que o Regulamento de 2020, que não traz definição sobre design, apenas entrou em vigor em 02 de julho de 2020, o dia anterior ao início da temporada, enquanto o carro desta temporada fora desenvolvido em 2019;

(iii) as peças teriam sido criadas por meio de engenharia reversa, processo que faz com que o design aparente ser visualmente idêntico, mas tecnicamente não o é; e

(iv) as partes recebidas da Mercedes em 2019, época legítima, nunca foram utilizadas em 2020.

No dia 03 de agosto, o Comitê Técnico da FIA apresentou parecer por escrito aos Stewards a respeito das alegações das partes. Ato contínuo, todas as partes foram intimadas a participar de audiência de instrução no dia 05 de agosto. Houve apresentação de razões finais orais.

No mérito, os Stewards, no dia 07 de agosto, isto é, menos de 1 (um) mês após o primeiro Protesto, entenderam que:

1) A reclassificação das partes como listadas no novo Regulamento da F1 para a Temporada de 2020, que entrou em vigor em 1.º de janeiro de 2020, fora discutida e finalizada ainda em abril de 2019, inclusive com participação da Racing Point nas diversas reuniões técnicas ocorridas;

2) A Racing Point, portanto, tinha ciência, desde abril de 2019, que os dutos de freio dianteiro e traseiro, por tecnicamente gerarem enorme impacto aerodinâmico no desempenho dos carros, seriam partes listadas para 2020;

3) A Racing Point, em diversas datas entre 2018 e 2019, recebeu, de modo lícito, projetos – modelos CAD – e peças vindas da Mercedes, inclusive os dutos de freios dianteiros e traseiros;

4) As provas revelaram que a similaridade nos desenhos e materiais dos dutos de ar dos freios traseiros da Racing Point de 2020 com os da Mercedes de 2019, especialmente na parte interna – não visível ou reproduzível por fotografias – permite concluir que a equipe britânica não desenvolveu ou criou, do zero, tais partes, ainda que possa tê-las modificado ou aprimorado;

5)   Pode-se dizer que os dutos de ar dos freios traseiros da Racing Point de 2020 têm, em sua maior parte, design produzido pela Mercedes, na contramão dos princípios e regras elencados no Regulamento Esportivo da Fórmula 1; e

6) Ainda que o Regulamento Esportivo não defina, apropriadamente, o que é design, por princípio de direito francês, materialmente aplicável, eis que a FIA é entidade privada sediada na França, a melhor hermenêutica é aquela que enaltece, exacerba o sentido da norma, não a que o oprime; logo, o princípio da inovação, insculpido no art. 6.º e Anexo do Regulamento, que é também essência da Fórmula 1, deve ser prestigiado e não mitigado;

Ante o exposto, ainda que a obtenção das partes da Mercedes pela Racing Point tenha ocorrido de modo lícito, porquanto não eram listadas em 2019, a sua utilização, na temporada de 2020, representa inegável violação ao Regulamento Esportivo vigente.

Excepcionalmente, porém, o painel concluiu que a violação da Racing Point se limitaria aos dutos de ar dos freios traseiros, aplicando aos dutos dianteiros o que chamou de grandfathered, algo como uma herança adquirida, eis que estes já vinham sendo utilizados pela equipe britânica desde 2019.

Explica-se: embora a Racing Point tenha recebido as peças da Mercedes entre 2018 e 2019, os dutos traseiros foram apenas aplicados para o projeto de 2020 porque o carro anterior era ligeiramente mais alto, incompatível, não permitindo o correto encaixe da peça germânica sem que houvesse uma modificação mais substancial no projeto.

Os dutos dianteiros, entretanto, foram desde logos incorporados ao projeto de 2019, época em que o Regulamento não os trazia como parte listada.

Nessa toada, concluiu o painel que a Racing Point, ao aprimorar o desenho dos dutos dianteiros que já tinham sido licitamente incorporados ao carro de 2019, não cometeu qualquer violação ao Regulamento de 2020, ocorrendo o fenômeno de grandfathered, a grosso modo, um direito adquirido, herdado. Ou seja, nas palavras do painel, os dutos dianteiros já se encontravam incorporados ao “DNA” do carro de 2019 de modo legítimo e, portanto, seria injusto não permitir à Racing Point o aprimoramento destes com base na reclassificação da listagem promovida para 2020.

Até porque, como explicado no início do presente artigo, as equipes não são obrigadas a, anualmente, criar do zero – no inglês, o design from scratch –, mas podem e devem aprimorar suas próprias partes listadas.

É possível dizer, então, que o Protesto da Renault foi parcialmente acolhido. Não é relevante o fato de ter havido um aprimoramento caseiro da Racing Point: é certo que os dutos traseiros, utilizados pela primeira vez pelos britânicos quando da vigência do Regulamento de 2020, não foram criados por eles, mas têm seu design, em grande parte, atribuído à Mercedes, violando o princípio da criação ou inovação, insculpido no Regulamento da liga desportiva em questão, a Fórmula 1.

Tratando-se de princípio e não obstante a específica aplicabilidade do direito francês mencionada pelo painel[8], sempre relevante lembrar da lição de Ronald Dworkin: regras são binárias, aplicam-se ou não; princípios têm, por essência, maior dimensão e sua existência serve a otimizar, a racionalizar, a dar solução útil a determinado caso concreto[9].

In casu, os princípios da criação e inovação desportiva, essência da Fórmula 1, e do pro competitione, têm enorme densidade e não poderiam ser deixados de lado a promover uma desigual vantagem à Racing Point em detrimento das demais, ainda que eventualmente se possa prestigiar a solução equânime, a conclusão por grandfathered à peça dianteira, encontrada pelos julgadores para limitar a violação imputada à Racing Point.

Por fim, no que tange à sempre tormentosa tarefa que é a escolha e dosimetria das penas, o painel, talvez, tenha sido benevolente demais.

Com efeito, o artigo 12.3.6 do International Sporting Code permite a cumulação das penas indicadas nos artigos 12.3.1 (advertência, reprimenda, multa, desqualificação, suspensão, exclusão etc) com aquelas indicadas no artigo 12.3.5 (suspensão por uma ou mais temporadas e perda de pontos).

O painel, então, pela infração regulamentar verificada no Grande Prêmio da Estíria, entendeu por bem cumular a pena de multa pecuniária, arbitrada em € 200.000,00 (duzentos mil euros por carro), com a perda de pontos, fixada em 7,5 (sete e meio) pontos por carro e limitada ao campeonato de construtores. Trata-se de exceção à regra trazida no artigo 12.3.5.a do International Sporting Code, a seguir:

“A pena de perda de pontos não deve ser dissociada entre pilotos e construtores, exceto em circunsâncias excepcionais.”[10] (grifamos)

A circunstância excepcional do caso, segundo o painel de Stewards, residiria no fato de que a infração fora perpetrada pelo construtor no processo de design do carro, de modo totalmente alheio aos pilotos.

A verdade é que, porém, a vantagem construtiva obtida indevidamente pela Racing Point, inegavelmente, trouxe benefícios desportivos a seus pilotos no mundial que lhes corresponde. E o total de 15 (quinze) pontos no mundial de construtores – um simples terceiro lugar – para uma vantagem desportiva que perdurará por toda a temporada não se revela, na opinião deste autor, pedagógico o suficiente a coibir a reiteração da prática.

Não bastasse, os Stewards, pela reiteração da infração nos demais Grandes Prêmios, reputaram que a pena de reprimenda – uma espécie de advertência mais desonrosa – “seria suficiente, eis que a vantagem desportiva obtida com a infração regulamentar já teria sido penalizada com a multa e a perda de pontos”.[11]

Ou seja, a Racing Point poderá prosseguir com o uso da parte listada – e continuar extraindo a vantagem desportiva dela decorrente – por toda a temporada sem ser incomodada com qualquer penalidade adicional a uma simples reprimenda, por corrida.

Presume-se, então, ser essa a seara – aplicação e dosimetria das penas – que tenha levado outras escuderias a recorrer, como amplamente noticiado na mídia.[12] A propósito, é curioso salientar que mesmo tendo o Protesto sido, ab initio, formalmente apresentado pela Renault, todas as escuderias integrantes da liga têm legitimidade recursal, vez que os efeitos da decisão do painel não são limitados às partes processuais. Neste particular, o painel, de ofício, atestou:

“(…) em reconhecimento à complexidade do caso e ao potencial impacto geral a todos os competidores da temporada de 2020 da Fórmula 1, o prazo de 1 (uma) hora para interpor a petição de interesse em apelar está estendido para 24 (vinte e quatro) horas após a publicação oficial.”

Legítimo, então, o interesse recursal noticiado na imprensa por outras escuderias além da Renault, como a Ferrari, a McLaren e a Williams[13], a fim de tentar exprimir sanção mais repressiva e pedagógica à Racing Point, que também interporá sua apelação.

Ora, o órgão judicante reconheceu, após o devido processo legal, que a Racing Point, visando obter vantagem desportiva numa peça crucial ao carro, infringiu o Regulamento Esportivo da Fórmula 1, norma deontológica igualmente aplicável a todos os participantes. E, a despeito da penalidade aplicada, a Racing Point continuará competindo com a vantagem indevidamente obtida.

Contudo, o procedimento tramita em confidencialidade, tendo sido divulgada apenas a decisão de primeiro grau até o momento.

Aguarda-se, então, a prolação do acórdão pela International Court of Appeal (“ICA”), instância judicante revisora e final na forma do artigo 15.1.6 do International Sporting Code, cujo painel deve ser formado por, no mínimo três árbitros constantes de lista fechada[14], a serem indicados pelo Presidente do ICA.

Na lista há, inclusive, um brasileiro, o Dr. Felippe Zeraik.

Pode-se concluir, ante todo o exposto, que o painel de Stewards, embora tenha prolatado decisão extremamente técnica e razoável no que tange ao reconhecimento da infração, deixou a desejar na árdua tarefa de eleger e dosar as penalidades pertinentes.

Logo, e sem deixar de lado o altíssimo orçamento anual das equipes de Fórmula 1, que envidam esforços para a obtenção de mínima vantagem competitiva, à Racing Point o preço pelo apelido de “Mercedes Rosa” valeu a pena. Ao menos, por enquanto.

……….

[1] Advogado do Santos Futebol Clube e Auditor na Justiça Desportiva da Federação Paulista de Basketball. Bacharel em Direito pelo Mackenzie, Master em Gestão Desportiva e Direito pelo ISDE, em Barcelona, e Pós Graduado em Direito Desportivo pela PUC, já foi palestrante na Universidade Taras Shevchenko, na Transnistria, e vencedor do Prêmio Valed Perry, do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

[2] UOL Esporte: https://motorsport.uol.com.br/f1/news/mercedes-rosa-racing-point-explica-como-fez-o-novo-carro-de-2020/4723293/. Escrita por Jonathan Noble. 06 de março de 2020.

[3] A Estíria, do inglês Styria e do alemão Steiermark, é o Estado da Áustria em que se localiza o circuito Red Bull Ring. Palco das duas primeiras corridas do calendário da Fórmula 1 de 2020, a fim de se evitar ambiguidade adotou-se o nome de Grande Prêmio da Áustria para a corrida inaugural e Estíria para a subsequente.

[4] Tradução livre do autor. Do Inglês: A constructor is the person (including any corporate or unincorporated body) which designs the Listed Parts set out in Appendix 6.

[5] A respeito das fotografias e engenharia reversa, na Decisão, cf. p.8, os Stewards salientam, em inglês: “(…) To date the FIA hss not sought to prevent this custom and practice, because a team cannot replicate the other team’s parts exactly by this method, they can only approximate it to a greater or lesser extent (because they are denied access to drawing and designs, and to other team’s technical engineers), all of the teams can do the same (so no one has unfair advantage), and to date teams have made only selective use of this possibility.”

[6] Em inglês: art. 11.9.3.t of FIA International Sporting Code – “In cases where a decision must be taken after an Event, for whatsoever reason, the stewards may delegate their authority to the subsequent panel of stewards of one of the subsequent Events for the same Championship, cup, trophy, challenge or series or alternatively to a panel of Stewards assembled for this purpose and which shall be selected by the authority responsible for the selection of the original panel. Where a national steward is part of the panel of stewards, the ASN which appointed the original steward may provide a steward to one of the the subsequent Events, or may delegate their authority to the national steward of the panel of stewards of one of the subsequent Events.”

[7] Tradução livre do autor. Do inglês: Articles 2.1. and 3.2. of the SRs require teams to demonstrate, upon demand, that their cars are compliant with the SRs. Therefore, in response to Renault’s protests, Racing Point is required to demonstrate that BDs used in the RP20 are compliant with the SRs. Because BDs are LPs under the SRs, that means Racing Point must show that the RP20’s BDs were ‘designed by it’ (SRs Appendix 6, paragraph 1).

[8] Tradução livre do autor em relação ao p. 5 da Decisão: “Quando houver dúvida acerca da interpretação e aplicação dos regulamentos da FIA determinado caso concreto, a lei aplicável é a da França. É importante mencionar que a consistência e coerência por trás dos regulamentos é revelada quando o significado da norma é interpretado de modo sistemático, como um todo, a fim de se chegar ao pragmatismo e bom senso que levou a FIA a editar a regulamentação. A teleologia por trás dos regulamentos merece especial guarida porque diante da Lei Francesa os regulamentos devem ser interpretados e aplicados de maneira a atender à sua finalidade e não de modo a frustrá-la.” Original em inglês.

[9] Nesse sentido, apud CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva: “o projeto teórico dworkiniano não está pautado por um modelo de interpretação semântica, mas sim pragmática dos princípios à luz de um caso concreto e singular.” In Colisões Entre Princípios Constitucionais. Dissertação de Mestrado (245f), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, maio de 2005. p. 203.

[10] Tradução livre do autor. Do inglês: Points should not be deducted separately from Drivers and Competitors, save in exceptional circumstances.

[11] Tradução livre do autor. Do inglês: The use of

[12] Corriere della Sera: https://www.corriere.it/sport/20_agosto_08/ferrari-contro-racing-point-protesta-indagare-sull-intera-mercedes-rosa-non-solo-freni-d9bf08b8-d9b7-11ea-89ec-853d2bb5ced9.shtml. Escrita por Daniele Sparisci. 08 de agosto de 2020. Em italiano.

[13] Motorsport.uol: https://motorsport.uol.com.br/f1/news/ferrari-confirma-que-vai-apelar-sobre-decisao-da-fia-no-caso-racing-point/4851744/. Escrita por Luke Smith. 07 de agosto de 2020.

[14] Os árbitros são eleitos pela Assembleia Geral da FIA para um mandato de 4 (quatro) anos, renováveis por dois termos adicionais, cf. art. 1 do Judicial and Disciplinary Rules. O sistema judicial da FIA pode ser melhor explicado no seguinte link, em inglês: https://www.fia.com/sites/default/files/basicpage/file/BR_FIA%20Judicial%20and%20Disciplinary%20System_Leaflet.pdf

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