Se dentro das quatro linhas Pelé deixou um legado incrível, fora dos gramados podemos dizer o mesmo. Quase duas décadas depois de se aposentar, Edson Arantes do Nascimento se tornou ministro dos Esportes do Brasil. Ele ocupou o cargo de janeiro de 1995 a maio de 1998, no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2001). Um dos feitos mais famosos do tricampeão dentro da política foi a criação da lei nº 9.615, conhecida atualmente como Lei Pelé. O texto foi sancionado em 26 de março de 1998 e, dentre inúmeras coisas, acabou com a “escravidão” futebol ao colocar um ponto final no “passe”.
“A Lei Pelé tinha como principal alvo o fim do ‘passe’. Trouxe outras alterações importantes, como entender como empregados os atletas de qualquer modalidade esportiva. O ‘passe’ cumpriu sua finalidade durante o século XX, que foi de ajudar na consolidação do futebol como o principal esporte do planeta. Foi um avanço, pois com o passe o atleta ficava preso ao clube, mesmo após o fim do contrato de trabalho”, analisa Domingos Zainaghi, advogado especializado em direito trabalhista.
“O fim do passe foi uma verdadeira quebra de paradigma, pois liberou os gilhões que prendiam o atleta ao clube. Teve origem com o ‘Caso Bosman’, em 1995, mas no Brasil foi implementado, efetivamente, 6 anos depois, tempo necessário para que os clubes se adequassem a nova realidade”, afirma Mauricio Corrêa da Veiga, advogado especialista em direito desportivo.
Até então, o jogador pertencia a um clube, e poderia ser assim até o final de sua carreira, a não ser que aquele o vendesse a outro time, bem como uma mercadoria. O antigo passe foi substituído por cláusulas especiais, indenizatória e compensatória, que passaram a ser estipulada nos contratos entre clubes e atletas. A grande diferença é que essa exigência só pode ser cobrada com o contrato em vigor.
A atual redação da lei, no art. 28, estabelece a obrigatoriedade dessas cláusulas, indenizatória (art. 28, I – devida ao clube ao qual o atleta está vinculado) e compensatória (art. 28, II – devida pela entidade ao atleta). Lembrando que essas só poderão ser buscadas dentro do período de validade do Contrato Especial de Trabalho Esportivo.
Com a mudança da lei, os jogadores passaram a procurar agentes e empresários para negociar contratos com dirigentes de clubes, acabando com o autoritarismo de dirigentes.
“Vivemos outros tempos e não poderia continuar no ordenamento jurídico uma legislação que flagrantemente atentava contra a dignidade da pessoa humana, um dos pilares da nossa república. Mais cedo ou mais tarde alguém arguiria essa inconstitucionalidade, e a Lei Pelé foi sabia ao antever essa situação. Existem pessoas que conseguem afirmar que o fim do passe foi prejudicial aos atletas, e não tem como se concordar com esse posicionamento. Sem o passe, o autoritarismo de alguns dirigentes de clubes teve fim. Outra consequência foi o surgimento em maior número de empresários e agentes de jogadores”, acrescenta Zainaghi.
A Lei Pelé estabeleceu normas e diretrizes para a condução do esporte brasileira. A legislação aborda assuntos que vão desde o contrato de trabalho do atleta profissional até os repasses de recursos e controle de doping.
A norma também estabeleceu outros grandes avanços como: direito do consumidor nos esportes, prestação de contas por dirigentes de clubes; criação de ligas, federações e associações de vários esportes; profissionalização, com a obrigatoriedade da transformação dos clubes em empresas; criação de verbas para o esporte olímpico e paraolímpico; e definir os órgãos responsáveis pela fiscalização do seu cumprimento e determinou a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva.
Por fim, a Lei Pelé também é importante para a proteção do adolescente. Ficou estabelecido o limite de idade para o esporte de rendimento e a impossibilidade de submissão de menores de 14 anos a testes de seleção. Garantiu a formalização de contrato de aprendizagem: pagamento obrigatório de bolsa aprendizagem, não inferior a um salário mínimo-hora (cerca de R$ 300,00 por mês) e a duração máxima de dois anos. Após esse período, torna-se contrato de trabalho de atleta profissional (art. 29 da Pelé). A celebração ou rescisão dos contratos devem ter assistência dos pais e/ou representantes legais, vedado a agentes e a terceiros.
Apesar dos avanços para a época, a Lei Pelé perdeu muita força como responsável pela regulação do esporte, está ultrapassada no aspecto da relação trabalhista e na administração das entidades, precisando se modernizar e evoluir.
Visando essa atualização da legislação esportiva, a Nova Lei Geral do Esporte (PL 1.153/19) tramita no Congresso desde 2019. O projeto de lei já passou pelo Senado e teve aprovação na Câmara dos Deputados em julho deste ano. Como o texto aprovado no Senado sofreu alterações na Câmara, volta para análise na Câmara Alta. Diversos atletas se manifestaram contra o texto, reclamando principalmente pelo fato de não terem sido chamados para discutir a matéria.
Crédito imagem: Getty Images
O Lei em Campo lamenta a morte do Rei do Futebol e se solidariza com os amigos e familiares nesse momento de dor. Nosso eterno agradecimento!
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