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Lesões cerebrais nos esportes de combate profissionais: o caso “Pezão”

Por Elthon Costa e Rafael Ramos

Além de vários outros fatores, atletas de esportes de combate têm que se preocupar com um dos maiores riscos à saúde na luta, a chamada encefalopatia traumática crônica (CTE), que é uma questão irreversível a longo prazo para danos cerebrais. No MMA, a remuneração não é relevante até que se atinja o auge da modalidade (não se podendo ser apenas um simples campeão, sendo a remuneração mais significativa para uma estrela do esporte ou um campeão dominante), obrigando os atletas a permanecerem no esporte por um longo tempo como forma de alcançarem bolsas mais expressivas, o que conseguem ou pelo status que atingiram, ou pela experiência que adquirem, acabando por fazê-los de “escada” pelos eventos para a nova geração, ávida por se afirmar no esporte.

Com isso, vários lutadores acabam ganhando mais dinheiro no final de suas carreiras devido ao nome, mantendo-se no esporte por muito mais tempo do que o necessário, o que os leva a lutar mais do que seria adequado, levando o corpo a não mais responder da forma que fazia quando estavam no auge.

A questão é que não há um consenso sobre a autorização para um atleta continuar lutando mesmo depois de uma baixa performance em suas últimas lutas. Os diferentes órgãos que regulamentam os esportes de combate profissionais não possuem um controle unificado quanto ao licenciamento e autorização de atletas que venham de um resultado de nocaute, permitindo-se muitas vezes que um atleta que seja nocauteado em uma modalidade lutar, no mesmo mês e em outro país, em uma diferente modalidade de esporte de combate, o que pode acabar agravando uma eventual lesão, às vezes até de forma letal.

As concussões repetidas podem levar à encefalopatia traumática crônica (CTE). O acúmulo de danos devido a perdas por nocaute e múltiplas concussões levam a disfunções cerebrais retardadas, incluindo distúrbios de humor, perda de memória, depressão e demência. O número de lutas é um fator de risco para CTE. Além disso, as concussões repetidas têm um efeito a curto prazo: uma vez que ocorre uma lesão, a próxima é mais provável que ocorra (HADA et al., 2022[1]).

Antes do desenvolvimento das características clínicas do CTE, muitos atletas relataram um estágio pré-clínico de comprometimento, pelo qual alguns começaram a “amolecer”, experimentando sintomas descritos como um “estado grogue” depois de passados vários anos de competição após muitas lutas em sequência. Os atletas neste estado tornam-se cada vez mais vulneráveis a golpes, são prontamente derrubados e levam mais tempo para se recuperar após os episódios de trauma. Em outras palavras, o acúmulo de danos na cabeça tem um impacto significativo no desempenho e na longevidade atlética dos atletas ativos, no entanto, o número de nocautes necessários para concussões ocorrerem novamente não é claro.

Embora possam ocorrer lesões cerebrais durante a competição, o treinamento do atleta, no qual ele acaba por sofrer muitos impactos ao simular uma luta para efeitos de preparação, não pode ser descartado como fator agravante de uma eventual CTE. No caso do MMA, o treino não é diretamente monitorado por comissões esportivas ou qualquer outra entidade, ficando os lutadores e seus camps (time ou ginásio onde treinam) com a responsabilidade pela preservação da integridade física do atleta.

Nos EUA, as comissões atléticas são responsáveis, entre outras coisas, por licenciar e avaliar a saúde dos lutadores, e isso permitir-lhes impor suspensões médicas em caso de lesão. No entanto, na sua forma atual, as comissões esportivas estaduais operam mais ou menos independentemente umas das outras, com regras e padrões que variam amplamente.

Após cada luta, um competidor precisa de um período obrigatório de descanso para se recuperar. Este período de recuperação obrigatória é designado como uma suspensão médica. Ele é postado em bases de dados internacionais, informando a todas as comissões que um atleta lutou e, como resultado da competição e de um exame médico pós-combate realizado por médicos ligados a determinada comissão atlética, está atualmente servindo uma suspensão médica designada pelo médico examinador.

Após uma luta, às vezes as suspensões médicas contêm recomendações aos lutadores de que não treinem. Mas não há maneira de garantir que isso não aconteça, bem como também não há garantia de que lutador venha a ser chamado pra um evento que não se atenha a regras de suspensão nos moldes das comissões norte-americanas.

Talvez o maior exemplo na atualidade dessa polêmica seja o caso do brasileiro “Pezão”. Antônio “Pezão” Silva é um ex-desafiante ao título dos pesados do UFC, tendo ficado por um longo período no evento. “Pezão”” sofreu sua décima derrota consecutiva em esportes de combate em um evento de boxe “hardcore” em 8 de julho de 2022, menos de duas semanas após sofrer uma devastadora derrota por nocaute em um evento de MMA em Moscou[2].

Tem sido um caminho difícil para “Pezão”, que continua a ser escalado para lutas apesar de ter tido pouco sucesso ultimamente. O atleta de 43 anos, além do MMA, foi nocauteado no bare knuckle fighting  e nas aparições no kickboxing, não tendo ganhado nenhuma luta desde que derrotou Soa Palelei no UFC 190 em 1º de agosto de 2015. O brasileiro chegou a estar escalado para encabeçar um evento do Eagle FC na Flórida em janeiro de 2022, entretanto, as comissões estaduais norte-americanas atualmente não parecem dispostas a conceder-lhe uma licença para lutar, dada sua idade e sua história de luta. “Pezão” foi nocauteado 9 vezes seguidas nos últimos sete anos em várias competições de esportes de combate[3]. Tudo leva a crer que o atleta, por conta da quantidade de nocautes sofridos, esteja mais vulnerável a golpes, como falado.

Apesar dos últimos anos, “Pezão” tem uma carreira incrível. Chegou a levar Fabrício Werdum, ex-campeão do UFC, a uma apertada vitória por decisão, nocauteando em seguida o lendário Fedor Emelianenko, e depois, já no UFC, consagrou-se derrotando Alistair Overeem com um dos mais belos nocautes do evento. Vale citar sua luta com o kickboxer Mark Hunt, uma das melhores lutas de peso-pesado da história do UFC. “Pezão” não tem nada mais a provar.

O MMA é realmente um esporte relativamente novo. Não há ainda o número de estudos feitos sobre aqueles que treinam e lutam como tem sido feito em outros esportes como futebol, onde simples cabeçadas na bola já foram alvo de discussão quanto a sequelas concussivas. No entanto, é bastante lógico supor que alguns atletas desenvolverão outras anormalidades com as quais os boxeadores e jogadores de futebol já lidam. O ponto é se conseguir uma razoabilidade que evite que o atleta corra o risco de prejudicar ainda mais sua saúde a longo prazo.

Crédito imagem: UFC

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Elthon Costa é advogado. Sócio-Diretor das Relações de Trabalho e Desporto na Todde Advogados. Especialista em Direito Desportivo (CERS). Pós-graduado em Direito Processual Civil (Unileya). Mestrando em Direito Desportivo Internacional (ISDE). Auditor do TJDU/DF. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP Subseção Osasco. Membro da Comissão de Esporte e Lazer da OAB/SP Subseção Osasco. @elthoncosta

[1] HADA, Shinnosuke et al. Incidence of concussions in male mixed martial arts competition in relation to number of matches and previous knockout losses. J Phys Fitness Sports Med, Site, ano 2022, v. 4, n. 11, p. 255-260, 11 jan. 2022. DOI 10.7600/jpfsm.11.255. Disponível em: https://www.jstage.jst.go.jp/article/jpfsm/11/4/11_255/_pdf. Acesso em: 22 jul. 2022.

[2] LEE, Alexander K. Video: Antonio ‘Bigfoot’ Silva knocked out on his feet in boxing bout. MMA FIGHTING, Site, 8 jul. 2022. Disponível em: https://www.mmafighting.com/2022/7/8/23200191/video-antonio-bigfoot-silva-knocked-out-on-his-feet-in-boxing-bout. Acesso em: 22 jul. 2022.

[3] https://www.tapology.com/fightcenter/fighters/antonio-silva-junior

 

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